Os primeiros aventureiros a cruzar o Brasil sem qualquer motor

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Dois aventureiros querem ser os primeiros a cruzar o Brasil sem qualquer motor

Não é coisa para fracos de pernas nem espíritos timoratos: um britânico e um norte-americano propõem-se atravessar o Brasil apenas com recurso a propulsão humana — de canoa, a pé e de bicicleta. Se conseguirem, serão os primeiros.

Gareth Jones, britânico, e Aaron Chervenak, norte-americano, ambos de 31 anos, já alcançaram o ponto mais a Norte do território brasileiro. Só por si, isto já é um feito, porque o monte Caburaí (1465 metros de altitude), no estado amazônico de Roraima, é um local remoto, raramente visitado e localizado em pleno território de tribos nem sempre receptivas a visitas. Mas chegar ao Caburaí foi apenas o prólogo da aventura: Gareth e Aaron querem ser os primeiros a completar uma travessia Norte/Sul do Brasil com propulsão humana. Terão de percorrer 9000km até ao arroio Chuí, no Rio Grande do Sul – e daí o nome dado à aventura, Brazil 9000.

Esta jornada nunca antes realizada já começou. No Twitter oficial da expedição anunciavam, a 1 de Outubro: “Depois de uma caminhada de 140 km, estamos finalmente na nascente do rio Mau. A nossa viagem para sul através do Brasil começa”. O monte Caburaí está situado no maciço montanhoso na fronteira com a Guiana Francesa e a Venezuela e que culmina no monte Roraima (Venezuela, 2810m). Foi nesta paisagem que Conan Doyle se inspirou para o romance O Mundo Perdido.

Algures na floresta amazónica, um marco militar assinala o ponto mais setentrional do Brasil – e encontrá-lo revelou-se uma odisseia. Na verdade, só na viragem do século o Caburaí passou a ocupar o seu lugar nos livros de geografia, depois de uma expedição levada a cabo em 1998 ter demonstrado que fica 84,5km mais a Norte do que o cabo Orange, no rio Oiapoque, estado do Amapá. Este tardio processo de “autenticação” explica que a travessia Norte/Sul do Brasil nunca tenha sido efectuada por meios humanos – ou outros, presume-se, porque as escassas dezenas de quilómetros de deslocação extra para Norte implicam muitas centenas para o interior do país, forçando o percurso a incluir um longo troço na Amazônia.

Gareth e Aaron pretendem completar a primeira etapa (à volta de 2500km) a bordo de uma canoa, descendo os afluentes necessários até darem com o curso principal do Amazonas, que percorrerão até à cidade de Belém, já em zona de confluência com o Atlântico. Aí chegados, o plano é atravessar a pé a zona da caatinga (zona árida situada no canto Nordeste do país que ocupa 10% do território brasileiro) até alcançarem Salvador. Progredindo então pelo litoral, rumarão ao Rio de Janeiro – tudo isto somado, serão 5000km a andar. A terceira tirada (cerca de 2000km) deverá ser enfrentada sobre rodas. Os dois aventureiros pretendem pedalar, numa rota predominantemente litoral, do Rio de Janeiro até ao ponto mais meridional do país, o arroio Chuí, na fronteira com o Uruguai. A “meta” estará situada num determinado ponto do curso de água, a 2,7km da foz.

A língua de Vinicius

Mesmo que tudo corra pelo melhor, a perspectiva é que a aventura se estenda por mais de 15 meses. E correr pelo melhor não é esperar uma viagem sem incidentes: quem embarca neste tipo de jornadas não vai forçosamente à procura de emoções fortes, mas as dificuldades fazem parte do “pacote”. No caso de Gareth e Aaron, o clima e a vida selvagem nem são as maiores fontes de receio. O grande problema será lidar com os seres humanos. “Dois tipos ocidentais”, “com material fotográfico e vídeo”, “numa canoa no Amazonas” ou “percorrendo a pé os subúrbios pobres das grandes cidades” fornecem “um alvo tentador”…

Os dois aventureiros não responderam ao contacto da Fugas (dispõem de material para comunicar via satélite, mesmo na selva), mas numa entrevista ao site Explorersweb falam dos desafios, da preparação, da logística da expedição e do seu fascínio pelo Brasil. Uma das ideias a reter é que serão “muito rigorosos”: se, por algum motivo, forem forçados a recorrer a algum tipo de ajuda de emergência, marcarão o ponto GPS onde se encontravam e retomarão a viagem a partir daí, logo que possível.

A ideia é também documentar a expedição, em foto e vídeo, de forma a criar “um retrato do Brasil” – e isto implicou a criação de uma rede de amigos no país, que possa ir recolhendo as imagens recolhidas e guardando algum material que não seja necessário nas jornadas seguintes. Será sempre bem-vinda a ajuda, não só por razões práticas, mas também emocionais. Uma das coisas que Gareth e Aaron mais receiam é o desgaste provocado pelo convívio em circuito fechado durante longos períodos de tempo: “É uma parte significativa do desafio que enfrentamos – como evitar darmos em doidos um com o outro e estragar tudo”, explicou Gareth Jones ao Explorersweb.

Mas como é que um britânico e um norte-americano que se conheceram em 2003, em Manchester (Gareth estudava lá e Aaron, vindo da Califórnia, pediu para ficar no apartamento durante uns dias e acabou por “acampar” lá durante dez meses), decidem aventurar-se pelo Brasil? A pergunta faz sentido, mas temos de a recuar no tempo, porque em 2010 os dois já tinham feito uma longa incursão pela Amazónia, altura em que receberam dos pescadores locais preciosas lições de sobrevivência na zona. Foi uma espécie de prólogo para a aventura de 2012.

Apaixonaram-se de imediato por esses locais de “tranquilidade sem par” e Gareth – que vive há sete anos no Brasil, considera o Rio de Janeiro a sua “segunda casa” e fala português sem problemas – ganhou um aliado na sua paixão pelo gigantesco país sul-americano. E é por isso que, na entrevista ao Explorersweb, quando fala dos perigos da expedição, faz questão de salientar que os dois “nunca tiveram problemas graves com criminalidade” nas visitas anteriores ao Brasil e que “a simpatia das pessoas” foi uma das razões que os levaram a empreender esta viagem. Ainda no campo das ilusões fica o continente africano. Quando lhes perguntam qual o seu destino de sonho, Aaron fala de Madagáscar e Gareth menciona Angola. Ele gosta mesmo de falar português, a língua que começou a aprender, na praia e em bares, para poder compreender os versos de Vinicius de Moraes nas velhas canções que escutava.

(Fonte: http://fugas.publico.pt/Viagens/311492 – FUGAS – VIAGENS/ Por Luís Francisco – 10 de outubro de 2012)

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