Octavio Dias Carneiro, considerado um nacionalista, foi embaixador, economista e oficial da Marinha.

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Octavio Dias Carneiro (Rio de Janeiro, então Distrito Federal, 11 de julho de 1912 – Antuérpia, Bélgica, 10 de maio de 1968), embaixador, economista e oficial da Marinha. Dias Carneiro era certamente um economista que não podia repetir, como todos os outros, o lema de pragmatismo do sábio Lord Keynes: “A longo prazo todos estaremos mortos.” Ele sabia que seu prazo era curto. Durante um check-up recebeu a informação de que uma lesão cardíaca haveria de mata-lo em pouco tempo. Mesmo tendo sobrevivido durante vinte anos ao diagnóstico, procurava avidamente as formas mais interessantes de ocupar sua vida e repetia, com insistência profissional: “Exercitar o raciocínio por intermédio da intuição é uma das piores maneiras de se perder tempo”. Pouco tempo antes de sua morte, em 1968, ele compareceu, em Brasília, à “Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a apurar as transações efetuadas entre empresas nacionais e estrangeiras”, ou, como era mais conhecida, a CPI da Desnacionalização.

Na sala de reuniões da Comissão, um grupo de parlamentares, pronto para ouvir seu depoimento, exercitava, há vários meses, o raciocínio de que o Brasil ia acabar. Eles se valiam da intuição de que poderosas empresas estrangeiras o estariam comprando lenta e irremediavelmente.

Dias Carneiro sempre foi considerado um nacionalista. E fora ministro da Indústria e Comércio do governo parlamentarista de João Goulart (e por isso purgou um ostracismo que só sua morte acabaria por transformar em remorso). Quando ele chegou à Câmara, pensou-se que na pasta traria revelações sensacionais. Mas, para cortar os voos da intuição, o embaixador, com voz baixa e quase desinteressada, anunciou: “Eu não creio que existam no Brasil muitas pessoas que possam reunir todos os dados necessários para fazer um julgamento sobre se a empresa brasileira tem se desnacionalizado a um ritmo maior ou menor, porque a simples análise das estatísticas existentes não permite focalizar todos os aspectos do problema”. E, durante várias horas, exercitou o raciocínio para demonstrar que as estatísticas levantadas pela Comissão podiam até ser verdadeiras, mas não significavam coisa alguma. Com uma lógica magistral, comprava e vendia empresas abstratas mostrando aos deputados que, apesar do volume de suas transações imaginárias, os dados quentes da desnacionalização permaneciam numa fria imobildade dentro das tabelas em circulação.

No Brasil, como no Canadá

Dias Carneiro não era certamente um defensor da política do governo. Defendia apenas a razão. A falta de dados que asola o estudo da posição dos capitais estrangeiros, levando seus inimigos a elaborarem estatísticas ameaçadoras e seus amigos a responderem com dados insuficientes, não surgia apenas diante dos olhos do embaixador quase aposentado. E talvez a sua afirmação de que não existem muitas pessoas capazes de reunir dados possa ser substituída pela impressão de que, na verdade, é quase impossível sistematizá-los, pois os existententes são mal relacionados, caducos e inflexíveis.

Esses exemplos servem de cenário para a discussão da ameaça de desnacionalização da indústria brasileira. Muitas vezes, confunde-se a compra de uma fábrica nacional por algum grupo estrangeiro com a evidência definitiva do fim da economia brasileira. No entanto, o grau de desnacionalização de uma economia não está relacionado apenas com a burocracia cartorial das operações comerciais. Se a taxa de desenvolvimento da indústria nacional privada é mais alta que a taxa de investimentos, muitas empresas podem ser compradas, sem que haja desnacionalização alguma. Na economia há muita intuição e poucos dados.

(Fonte: Veja, 8 de setembro de 1971 – Edição n° 157 – ECONOMIA – Pág; 58/60)

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