“O homem que sempre fala de morrer por seu país, nunca de matar por ele.” Sérgio Carvalho (1930-1994), capitão que em 1968 impediu um plano mirabolante e terrorista da ultradireita.

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O homem que disse não

Sérgio Carvalho (Rio de Janeiro, 17 de julho de 1930 – Rio de Janeiro, 5 de fevereiro de 1994), capitão que em 1968 impediu um plano mirabolante e terrorista da ultradireita.

Um brasileiro que, à custa de sua própria trajetória pessoal, ajudou o país a entender melhor como funcionava o bolsão mais radical dos porões do regime militar. Até junho de 1968, o capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, chamado pelos amigos de “Sérgio Macaco”, era um oficial para-quedista da Primeira Esquadrilha Aeroterrestre de Salvamento, o Para-Sar, um grupo de elite da Força Aérea Brasileira treinado para missões de busca e resgate na selva. A partir daquela data, Carvalho foi punido com prisões disciplinares e transferências para paragens distantes do país, viu-se proibido de pilotar e saltar de para-quedas e finalmente foi cassado pelo AI-5 – embora não tivesse nenhuma inclinação política pela esquerda. Passou o resto da vida explicando o que fez: impediu que o Para-Sar levasse a cabo um plano mirabolante da repressão política que acarretaria a morte de milhares de civis, espalharia o pânico na cidade do Rio de Janeiro e eliminaria sumariamente políticos contrários ao regime.

A história contada por Sérgio Macaco, e subscrita por várias testemunhas, incrimina pesadamente seus superiores e, em especial, o brigadeiro João Paulo Penido Burnier, chefe de gabinete do então ministro da Aeronáutica, brigadeiro Márcio de Souza Mello. Segundo Sérgio, naquele junho fatídico, Burnier convocou o Para-Sar para uma missão terrorista. Eles deveriam explodir o gasômetro do Rio de Janeiro, um complexo de três reservatórios destinado a abastecer de gás toda a cidade, localizado a curta distância da Rodoviária Novo Rio e de um depósito de combustíveis. Simultaneamente, teriam de mandar pelos ares a hidrelétrica de Ribeirão das Lages, a 78 quilômetros do Rio de Janeiro. As explosões e as consequentes mortes em massa seriam atribuídas aos comunistas e desencadeariam uma sequência de represálias que incluiriam a execução de militantes esquerdistas e de políticos como Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda.

PUNIÇÃO FINAL – Sérgio Carvalho, refletindo a perplexidade da tropa, rompeu com a hierarquia e o espírito de corpo: negou-se a cumprir as ordens. Denunciou os planos de Burnier a oficiais superiores, mas pouca simpatia conseguiu, inclusive do próprio ministro Souza Mello, que deu mão forte a seu chefe de gabinete. Acabou punido. Por mais de duas décadas, para sustentar a mulher e os três filhos, trabalhou como vendedor e relações-públicas e elegeu-se suplente de deputado federal pelo PDT. Durante todo esse período, empenhou-se num esforço obsessivo em obter sua reintegração nas Forças Armadas. Em 1979, incluído compulsoriamente entre os beneficiários da anistia, rechaçou-a: “Anistia é para quem cometeu crimes, e eu, pelo contrário, os evitei.”

Carvalho faleceu no dia 5 de fevereiro de 1994, aos 63 anos, no Rio de Janeiro, vitimado por um câncer no estômago. Sua última punição foi-lhe imposta pela morosidade do presidente Itamar Franco em homologar a decisão do Supremo Tribunal Federal reintegrando-o à Aeronáutica e promovendo-o a brigadeiro. Os papéis repousavam na mesa do presidente desde novembro de 1993. Somente dia 10 de fevereiro de 1994, Itamar oficializou a promoção póstuma.
(Fonte: Veja, 16 de fevereiro de 1994 – ANO 27 – N° 7 – Edição 1 327 – MEMÓRIA – Pág; 65)

 

A agonia final do bravo capitão da Aeronáutica Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, o Sérgio Macaco, que morreu de câncer aos 63 anos, atrapalhando o sábado no Rio e a consciência do Brasil no domingo, acelera dramaticamente a degradação de algumas biografias comprometidas nas entranhas pelo germe da indecisão, amaldiçoadas pela marca da covardia, desbotadas pela carência de caráter.

O capitão Sérgio morreu pelo contraste com esta gente: era um militar decidido, corajoso e firme nas convicções. O filósofo Bertrand Russel definia o patriota como “o homem que sempre fala de morrer por seu país, nunca de matar por ele”. O capitão Sérgio foi o patriota que morreu porque se recusou a matar contra seu país.
(Fonte: veja.abril.com.br – Política & Cia / Por Ricardo Setti – 01/12/2010)

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