Nelson Antonio da Silva, o Nelson Cavaquinho. Boêmio incurável e avesso à fama

0
Powered by Rock Convert

A primeira turma de sambistas que saiu do anonimato para o repertório de intérpretes de sucesso

Nelson Antonio da Silva (Rio de Janeiro, 29 de outubro de 1911 – Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 1986), o Nelson Cavaquinho. Boêmio incurável e avesso à fama, incapaz de submeter-se à disciplina de um show diário, ele foi, nas rodas de bambas, um dos mais brilhantes sambistas que o país já conheceu. Certa vez, ao ser apresentado a Tom Jobim num restaurante, o sambista Nelson Cavaquinho entabulou com ele um dueto de voz e violão tão animado que, ao final da madrugada, ficou acertada a realização de um show em conjunto. No dia seguinte, procurado por um produtor interessado em montar o espetáculo, Nelson despistou: “Tom? Que Tom? Dó maior?” O episódio ilustra de maneira precisa quem foi e como viveu o carioca Nelson Cavaquinho.

 

Nelson Cavaquinho

Nelson Cavaquinho

 

Nelson era o último representante de uma geração de ouro da música popular – a primeira turma de sambistas que, a partir do final dos anos 60, saiu do anonimato dos morros para o repertório de intérpretes de sucesso como Elizeth Cardoso, Nara Leão, Clara Nunes e Beth Carvalho. Como seus companheiros nessa turma – Cartola, o gênio do samba, Mano Décio da Viola, o inventor do samba-enredo, e Zé Keti -, Nelson conheceu a glória já sexagenário. A partir daí, consagrou uma coleção de sambas de temas quase sempre tristes ou trágicos como Luz Negra, Folhas Secas e Degraus da Vida.

Sua obra-prima, A Flor e o Espinho, composta com o fiel parceiro Guilherme de Brito, arrancou do poeta Manoel Bandeira um raro elogio, pelo refrão: Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor.
Segundo Bandeira, estes versos, ao lado dos de Orestes Barbosa em Chão de Estrelas (Tu pisavas nos astros distraída), mereceriam figurar em qualquer antologia de grandes momentos da poesia brasileira.

MEDO DA MORTE – Dono de um estilo único também ao violão – que executava com apenas dois dedos da mão direita, batendo nas cordas em vez de vibrá-las -, Nelson subvertia os padrões de harmonia do samba. “Ninguém toca como Nelson”, disse certa vez Paulinho da Viola. Apesar desse brilho fulgurante, Nelson jamais soube conciliar sua rotina de boêmio – compunha exclusivamente em mesas de bares – com o lado prático do dia-a-dia.

Desde o final dos anos 30, quando vendia seus sambas para sustentar os três filhos de um casamento precoce, até o final da vida, já unido, à terceira mulher. Durvalina Maria de Jesus, quase quarenta anos mais jovem que ele. Nelson viveu modestamente e recusava convites para shows e apresentações na televisão. “Dinheiro não rima com nada”, costumava dizer. Ex-auxiliar de tecelão, ajudante de eletricista e policial militar, Nelson tinha apenas uma obsessão além da boemia: o medo da morte.

Certa vez, sonhou que iria morrer à meia-noite, acordou assustado e passou a madrugada atrasando o relógio para que a hora fatídica não chegasse. Deixou uma discografia reduzida: dois LPs como intérprete das próprias músicas, um LP com depoimentos sobre sua vida e três discos com seus sambas cantados por outros intérpretes. Antes de morrer, em sua casa, no subúrbio carioca de Jardim América, foi internado por duas vezes, nos últimos meses. Já não saía de casa e não podia andar.

Nelson Cavaquinho, um dos maiores sambistas que o país conheceu morreu dia 18 de fevereiro de 1986, de enfisema pulmonar, aos 74 anos.

(Fonte: Veja, 26 de fevereiro, 1986 – Edição 912 – DATAS – Pág; 81)

Powered by Rock Convert
Share.