Milton Campos, senador, ex-governador de MG e ex-ministro da Justiça do governo Castello Branco

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“O teste de uma inteligência de primeira ordem é a capacidade de manter no espírito duas ideias opostas e continuar funcionando. Uma pessoa, por exemplo, deve ser capaz de ver que as coisas não tem remédio, que tudo está perdido: mas, apesar disso, mostrar-se decidida a imprimir-lhe um rumo diferente.”

F. Scott Fitzgerald, A Derrocada – 1936

O enigma decifrado

Milton Soares Campos (Ponte Nova, Minas Gerais, 16 de agosto de 1900 – Belo Horizonte, 16 de janeiro de 1972), político, professor, jornalista e advogado.

Milton Campos, foi um grande brasileiro, político exemplar que marcou época na história do Brasil. Governador, senador, deputado federal e duas vezes ministro de Estado, ele percorreu todas as honrarias públicas. Só não exerceu a Presidência da República. E foi candidato derrotado à Vice-Presidência da República por duas vezes: primeiro como vice do Juarez Távora e depois do Jânio Quadros.

E até hoje se diz – que a história brasileira teria se passado diferente se tivesse sido o Milton Campos, e não o João Goulart, eleito no pleito que levou o Jânio Quadros à Presidência.

Senador, ex-governador de Minas Gerais e ex-ministro da Justiça do governo Castello Branco. Liberal, cético, irônico e udenista. O profundo contraste entre o respeitado senador, duas vezes candidato à vice-presidência da República, ex-ministro da Justiça e ex-governador, e o estudante de direito que achou na ironia do romancista francês Anatole France as forças necessárias para viver 72 anos, sete regimes e seis constituições.

Durante toda sua vida Milton Campos teve solene desprezo pela pompa do poder e pelas retumbâncias retóricas da política brasileira. Como seus compromissos eram de princípios, nunca encontrou motivos para acreditar em cenas ou em pessoas. Milton Campos bacharelou-se pela Faculdade de Direito de Minas Gerais – hoje da UFMG – em dezembro de 1922, e ainda estudante apoiou os candidatos oposicionistas da Reação Republicana aos governos estaduais e a República. A partir de 1925, passou a dedicar-se profissionalmente também ao jornalismo, assumindo a direção dos Diários Associados em Minas, colaborando no Estado de Minas e no Diário de Minas.

Vivendo a terça parte de seus anos em diversos regimes que suspenderam as liberdades públicas e políticas, o tímido advogado mineiro teve todas as oportunidades para escolher entre a amargura pessoal e as concessões ideológicas. Descobrindo a falsidade do dilema, Campos recusou-se, em 39 anos de vida pública, a creditar em aparências.

Jurei, cumpro-a – Em 1943, enquanto um grupo de liberais mineiros articulava, num clima de grande agitação, um manifesto condenando a ditadura de Getúlio Vargas, Milton Campos, que depois de ter sido deputado trabalhava na Caixa Econômica, entendeu os limites do protesto e a profundidade das consequências. “Esse manifesto se não fizer onda pelo menos vagas fará.” E realmente fez muitas. Inclusive a sua, pois foi demitido.

Vinte e três anos depois, por ter firmado na política brasileira uma reputação de soldado da liberdade, chegou ao Ministério da Justiça do governo Castello Branco como um dos responsáveis pela derrota da subversão facilitada por João Goulart. A vocação de combatente de Milton Campos, no entanto, estava exclusivamente a serviço de suas ideias e do sistema jurídico do país.

Por isso, poucos meses depois de empossado, com as gavetas de seu gabinete repletas de processos que julgava arbitrários, recebeu a visita do ministro da Guerra, general Arthur da Costa e Silva, com uma reclamação. Ele estaria obstruindo o saneamento revolucionário. “Ministro”, respondeu Milton Campos, “o senhor fez parte de uma Junta que decidiu manter a Constituição Federal, limitando-se a fazer poucas alterações. Eu a jurei ao tomar posse e cumpro-a.”

O general não respondeu, mas tanto ele quanto o próprio Campos sabiam que uma bela frase não seria o suficiente para assegurar a intocabilidade de uma Constituição. Por isso, em outubro de 1965, sem qualquer onda, deixou vaga a mesa de ministro. Só anos mais tarde, provando que seu gesto era quase íntimo, reconheceu que deixou a pasta por discordar da edição do Ato Institucional n.° 2, que estabeleceu eleições indiretas para governos estaduais, reabriu o processo de cassação e matou sua UDN.

A proximidade do brigadeiro – Morto, Milton Campos foi levado para o saguão do palácio da Liberdade, que ocupou durante quatro anos (1946-50) num governo “mais da lei que dos homens”. Diante de seu ataúde perfilaram-se alguns dos notáveis da política brasileira. No mesmo dia, o jornal oficial do governo mineiro, o “Minas Gerais”, publicou uma fotografia sua, abraçando o atual governador, Rondon Pacheco. À primeira vista, tratava-se de um sentido e respeitoso encontro de correligionários. Contudo, tendo aprendido a morrer, Milton Campos cavara, involuntariamente, um fosso profundo que o separava dos políticos vivos. Durante todo o velório, só o brigadeiro Eduardo Gomes, que voara do Rio de Janeiro para despedir-se do velho amigo, parece ter sido capaz de atravessá-lo sem qualquer dificuldade, pois ele, antes mesmo de Campos, afastou-se da militância política para manter seus princípios democráticos.

Poucas semanas antes, quando foi procurado pelo senador Magalhães Pinto, em busca de ajuda e conselhos para a reforma do Congresso, o ex-ministro, que sabia restarem-lhe poucos meses de vida, prontificou-se a ajudar, mas mostrou novamente sua aversão a simulações de produtividade: “Quando essa reforma estiver pronta e puder ser feita, então o Congresso não estará mais precisando dela”.

Para Milton Campos, a recuperação do Poder Legislativo não dependia exclusivamente de sua capacidade de modernização. O esforço era útil, mas ele não deixava de apontar as razões de seu ceticismo.

O sistema de metáforas – Legalista e cartesiano, ele mostrou, mesmo no governo, que nem todas as questões são realmente como parecem aos poderosos. Quando seu secretário da Segurança foi ao palácio da Liberdade pedir providências contra uma greve ferroviária em Divinópolis, levava também a fórmula que lhe parecia certa: “Mandemos para a cidade um trem de soldados”, sugeriu. O governador, aplicando simplesmente o raciocínio, argumentou: “Se os operários estão em greve por atraso dos salários, o senhor não acha melhor mandar o trem pagador?” E, talvez estupefato, o secretário da Segurança rendeu-se à evidência de que se pagando o devido acaba-se com as greves.

Falando pouco, e evitando debates, Milton Campos chegou a criar um conjunto de metáforas particulares que lhe permitia dizer o que pensava, contornando o caminho da ofensa. Quando queria dizer que uma pessoa era mentirosa, preferia comunicar que “Ele tem uma versão muito pessoal a respeito dos acontecimentos”. Se se tratava de um pretensioso, esclarecia: “Ele tem muito boa opinião a respeito de si mesmo”.

Assim, vivendo num meio de fácil acesso a mentirosos e pretensiosos, ele conseguia esclarecer algumas personalidades sem correr o risco de criar querelas pessoais. O equilíbrio político, jurídico e semântico de Milton Campos constituiu a fortuna de sua vida pessoal. Contudo, acreditar que essas virtudes, cansativamente louvadas, tenham sido um fator de sucesso político, talvez seja um grave erro.

Sua chegada ao palácio da Liberdade foi filha do equívoco de seus aliados e da desunião de seus adversários. Era tão evidente que o lançamento de seu nome era um sacrifício político que ele mesmo comentou: “Se é para não ganhar, aceito”. O primeiro comício, em Mariana, cidade de seu amigo de escola Pedro Aleixo, terminou com os oradores discursando numa praça vazia. Tão vazia quanto a estação de Juiz de Fora, a parada seguinte da caravana. Repentinamente, a campanha tornou-se um verdadeiro sucesso. O poder das ideias? Não, a divisão do PSD, que apoiaria Bias Fortes e presenteara a UDN com os cabos eleitorais de Carlos Luz.

Bom, para a Suíça – No governo, Milton Campos exerceu criteriosamente os princípios de seu partido. Durante quatro anos provou que era possível aplicá-los e assim não perseguiu adversários nem se irritou com críticas. Ao saber, certa tarde, que estava sendo atacado por um deputado da oposição observou ironicamente: “Atacar o governo é tão bom que não devia ser prerrogativa exclusiva dos adversários”. Mas em 1950, quando deixou o palácio, a UDN fora derrotada e para seu lugar subia o pessedista Juscelino Kubitschek. Foi festejado por ser homem justo, mas sabia que, para o velho coronel udenista do interior, “seu governo tinha sido bom, mas lá para a Suíça”.

Na política brasileira nada estimulou mais o surgimento de ardilosas manobras anti-eleitorais que o ressentimento dos derrotados que, depois de aceitarem um jogo às vezes sujo, reclamavam como se tivessem sido violados durante um batismo. Campos, cultivando severa repugnância pela mistificação, fez toda sua campanha para a vice-presidência, em 1960, sem repetir um só discurso. E quando seu companheiro de chapa, Jânio Quadros, que repetia dois ou três modelos, lhe perguntou por que não fazia o mesmo, respondeu: “É que não sei decorar”. Mas quando Quadros, o repetitivo, foi eleito e ele, o original, foi derrotado pelas cabalas de Goulart, sua explicação para o resultado foi de fina ironia e absoluto respeito: “Perdi porque o senhor João Goulart recebeu mais votos que eu”.

Apesar de suas graves derrotas eleitorais, a força de seus princípios permitiu-lhe sair da vida política com um mandato popular, ao contrário dos outros destacados integrantes da ala de bacharéis da UDN que, entre as incertezas eleitorais e a falta de poder, afluíram com rigorosa regularidade ao Supremo Tribunal Federal.

A divergência significada – Detendo seu mandato popular, fez da tribuna do Senado o último pronunciamento político, protestando contra o impedimento de Pedro Aleixo, seu velho companheiro de turma, partido e conspirações, que pela Constituição deveria ter sido empossado como sucessor do marechal Costa e Silva, em 1969. Milton Campos não compareceu ao Congresso para eleger os novos governantes e, esclarecendo que nada tinha contra eles, revelou: “Por meio da abstenção quis significar minha divergência com o processo adotado pela cúpula dirigente para resolver a crise que desnecessariamente se criara”.

Durante os dois anos seguintes, em graus variáveis, Milton Campos significou suas divergências por meio da abstenção. Finalmente, quando soube que sofria de câncer nos pulmões, sem amargura ou gestos teatrais, aprendeu a morrer, ansiando pelo colapso que o vitimou. Ao morrer, Milton Campos foi obrigado a deixar a solidão que com tanto cuidado edificara. Enquanto seu corpo era velado, passaram pelo palácio da Liberdade cinquenta anos de história da República brasileira. Israel Pinheiro, chefe pessedista, confessou: “Sempre estivemos em partidos diferentes, mas do Milton nunca fui adversário”. Rondon Pacheco, chefe arenista, lamentou: “Só quando as grandes árvores caem é que se pode ver sua altura”.

Milton Soares Campos anunciou, em março de 1970: “Estou aprendendo a morrer”. Nos dois anos seguintes, saindo pouco de Belo Horizonte e evitando pronunciamentos políticos, praticou o aprendizado até a tarde do último dia 16 de janeiro de 1972, quando do leito do hospital, disse à filha Lídia: “Minha filha, não é uma despedida, mas me dê um cigarrinho, por favor”. Quinze minutos depois, enquanto repousava, morreu.

A descoberta do poeta – À tarde, quando o ataúde passou pelas ruas centrais de Belo Horizonte, com a guarda dos Dragões da Inconfidência, dezenas de políticos entristecidos acompanhavam o cortejo. Numa Mercedes Benz 1971 emprestada, ia Leonardo José da Fonseca, o Voluntário, velho cabo eleitoral do senador desde 1945. Um velho amigo do senador, seu companheiro de conversas na porta da Livraria Francisco Alves nos anos 40, no Rio de Janeiro, decifrava o enigma da solidão do homem que defendera posições tão evidentemente justas: “Milton Campos foi o homem que a gente gostaria de ser”. Era o poeta Carlos Drummond de Andrade. Milton Campos morreu no dia 16 de janeiro de 1972, de uma síncope, no hospital São Lucas, de Belo Horizonte, aos 71 anos.

(Fonte: Veja, 26 de janeiro, 1972 – Edição 177 – DATAS – Pág; 16 a 19 e 68)

(Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil – FOLHA DE S.PAULO – BRASIL – FOLCLORE POLÍTICO / Por RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES – São Paulo, 28 de agosto de 2002)

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RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES, ex-governador da Guanabara e ministro da Previdência Social do governo Sarney

 

 

 

 

 

 

 

 

Com os salários atrasados vários meses, os operários da Central do Brasil, em Divinópolis, Minas Gerais, entraram em greve. O secretário da Segurança queria enviar um trem cheio de soldados para acabar com o movimento. Sabiamente, o governador do Estado ofereceu outra solução:
– “Não seria melhor enviar o trem pagador?”

A greve terminou sem violência, mas esse não foi, certamente, o episódio mais marcante da longa vida pública de Milton Campos, o governador tolerante. Muito antes, ele já se havia ligado à Aliança Liberal, entidade que batalhava pela moralização dos costumes políticos da República velha. A Revolução de 1930 parecia atender a esses propósitos, mas não demorou para que o político mineiro discordasse dos rumos que ela tomava, no poder.

Incansável adversário do Estado Novo, implantado por Getúlio Vargas, em 1937, Milton Campos assinou, em 1943, o histórico Manifesto dos Mineiros, “um documento explosivo, na época, e hoje apenas uma exposição de princípios democráticos”. Foi o começo da queda do ditador. Em 1946, com uma Constituição em vigor, o país vivendo em pleno regime democrático, elege-se governador de Minas Gerais. Em 1954, vai para a Câmara. Em 1958 elege-se senador e se reelege em 1966. Em 1964, vitoriosa a Revolução, tornou-se ministro da Justiça do governo Castelo Branco. Muitos não entenderam o liberal Milton Campos cassando mandatos e suspendendo direitos políticos. Foi criticado. Ele próprio, quando julgou ultrapassado o período que chamaria “tolerável” de excepcionalidade revolucionária, desligou-se do Ministério. “Sem alarde, como é de seu temperamento”.

(Fonte: Veja, 11 de novembro, 1970 – Edição 114 – ENTREVISTA: MÍLTON CAMPOS/Por Alberico de Souza Cruz – Pág; 3)

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