Luigi Pirandello, romancista, dramaturgo e poeta italiano, laureado com o Prêmio Nobel de Literatura

0
Powered by Rock Convert

Pirandello: Somos um, cem ou cem mil

Luigi Pirandello, revolucionou o teatro

Dramaturgo, poeta, ensaísta, contista e romancista, é autor de ‘Seis personagens à procura de uma autor’, ‘Assim é se lhe parece’ e ‘O falecido Matias Pascal’

Luigi Pirandello, revolucionou o teatro (Foto: Letteratour/Divulgação)

Luigi Pirandello, revolucionou o teatro (Foto: Letteratour/Divulgação)

 

Luigi Pirandello (Agrigento, Sicília, 28 de junho de 1867 –- Roma, 10 de dezembro de 1936), romancista, dramaturgo e poeta italiano, laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1934. Pirandello foi um grande renovador do teatro, com profundo sentido de humor e originalidade. Ele estudou filologia na Universidade de Roma e doutorou-se na Universidade de Bonn, Alemanha, país onde também estudou filosofia. Escreveu os romances “O Falecido Mattia Pascal” e “Um, Nenhum e Cem Mil”, além dos contos “Novelas para Um Ano”.

Luigi Pirandello foi poeta, ensaísta, contista, romancista, mas sua notoriedade advém, principalmente, de sua extensa produção para os palcos, especialmente a partir do sucesso internacional obtido pelas encenações de sua obra mais famosa, “Seis personagens à procura de um autor” (1921), tendo se tornado o maior nome do teatro italiano e um dos grandes renovadores das artes cênicas. Em 1927, os brasileiros tiveram a oportunidade de celebrar a presença no país do próprio Pirandello e da atriz Martha Abba durante temporada no Rio de Janeiro, então capital da República.

Nascido em Agrigento, na Sicília, em 28 de junho de 1867, seu pai queria que ele tocasse os negócios da família, mas Pirandello preferiu estudar. Em 1891, obteve o doutorado em filologia, em Bonn, na Alemanha, casando-se três anos depois com Antonietta Portulano, num típico arranjo entre famílias que lhe proporcionou três filhos e independência, mas não por muito tempo.

Em 1903, Pirandello estava falido e sua mulher começava a apresentar sinais de loucura – acabaria por interná-la em um sanatório em 1919. Essa experiência marcou profundamente a obra de Pirandello, que passou a explorar o tema da transitoriedade do ser: somos vários eus, eternamente em mutação.

Além de enfrentar a doença da mulher, o escritor vê seus três filhos partirem para a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e um deles cair prisioneiro e ser mandado a um campo de concentração. Como modo de superar as dificuldades, dedica-se mais do que nunca à produção literária. Todos esses reveses sofridos por Pirandello se refletiram na sua obra, fazendo com que temas como a loucura, o sofrimento e a solidão fossem recorrentes. Entre suas peças estão “Cada um a seu modo” (1924) e “Esta noite improvisa-se” (1930), que completam a trilogia sobre o teatro iniciada com “Seis personagens à procura de um autor”, e “Assim é se lhe parece”, entre dezenas de obras que incluem romances, como “O falecido Matias Pascal” (1904), novelas, óperas e até mesmo o cinema, pelo qual nutria aversão inicialmente, tendo feito adaptações de suas obras e roteiros originais.

Em 1934, um mês antes de receber o Prêmio Nobel de literatura, em Estocolmo, Luigi Pirandello estreava a peça “A filha de Iorio”, com a qual marcava duas de suas parcerias mais ilustres: no texto com o poeta Gabriele D’Annunzio, primeiro dândi italiano, e na encenação com o pintor surrealista Giorgio De Chirico, que desenhou os figurinos.

Pirandello foi simpático ao fascismo de Benito Mussolini, que o indicou para a direção do Teatro d’Arte di Roma em 1925, e chegou a doar sua medalha do Nobel ao governo fascista após a Itália declara guerra à Etiópia em 1935, na coleta do ouro organizada pelo ditador. Posteriormente, mudou de posicionamento político tornando-se antifascista.

O escritor notabilizou-se por uma escrita pessimista em que a incomunicabilidade, o paradoxo e a contradição estão sempre presentes, e a verdade existe apenas como impossibilidade. Herdeiro do decadentismo de Charles Baudelaire e Oscar Wilde, Pirandello se alinhou à geração italiana de D’Annunzio, Giovanni Pascoli, Luigi Capuana e Giovanni Verga. Um crítico o definiu como “o poeta da tragédia contemporânea”. Para o homem, vítima das convenções sociais e da casualidade – o único motor da vida – não há escapatória. A realidade é incompreensível.

Aos 58 anos, Pirandello conheceu a atriz Marta Abba, de 25, por quem nutriu uma paixão platônica e foi intérprete de algumas de suas peças. Apesar de toda revolução que o autor provocou com sua sintaxe teatral, era conservador. Mas a paixão pela atriz provocou uma mudança radical não só na vida pessoal como na dramaturgia de Pirandello.

O siciliano Luigi Pirandello é reconhecido por suas peças de teatro, com as quais revolucionou a dramaturgia moderna, tornando seus personagens fantasiosamente independentes do autor. Toda a vivacidade e a elegância estilística do dramaturgo estão presentes em seus contos, espécie de embrião de suas peças.

O anjo do fogo – Introdutor do humor negro que faz o leitor ou o espectador rir no meio de tragédias dilacerantes, Pirandello gostava na vida pessoal de destruir estruturas acadêmicas e de se considerar um incendiário. Dava a seu nome uma simbólica origem grega: seria derivado de pyros (fogo) e angelos (anjo). Portanto, ele vinha por fogo à visão estereotipada que se tinha da lógica, da possibilidade de comunicação entre os homens e do conhecimento da verdade, e instaurar a dúvida como forma insuperável de sabedoria. Assistia a filmes de trás para diante, para apreender visões novas de uma realidade que considerava mecânica e arbitrária. Duvidava da moralidade humana e da eficácia das religiões como freio do egoísmo, da crueldade ou da indiferença inerte do homem para com o sofrimento dos seus semelhantes.

O Prêmio Nobel de Literatura (1934), as honrarias que Mussolini lhe prestaria por aderir, superficialmente, ao fascismo, a glória que a França, a Alemanha, os Estados Unidos, a Inglaterra lhe tributavam quando excursionava com sua própria companhia de teatro não o demoveram de seu ceticismo pessimista, temperado ineficazmente pelo humorismo e pelo lirismo que de vez em quando atravessam, como luzes fugazes, a massa compacta de seu desencanto.

Revolução de ideias -– Pirandello é mundialmente conhecido pelo seu teatro revolucionário. É uma revolução de ideias, não de cenários espetaculares nem de montagens mirabolantes. “Seis Personagens em Busca de Autor” contestam a própria transformação de acontecimentos verdadeiros em peças de teatro. Um escritor se recusa a escrever a história de um homem que se encontra com a própria enteada num bordel. Revoltados com a sua recusa em contar sua história, os seis personagens – o homem, sua mulher, sua enteada e três irmãos desta – se rebelam, invadem o escritório do autor e contam versões conflitantes de seu drama e criticam os atores que vão desempenhar seus papeis porque a representação teatral já falseia a verdade da vida. Na estreia deste marco capital do teatro contemporâneo, em Roma, Pirandello teve que sair escoltado pela polícia: a plateia dividida entre aplausos e apupos gritava “Gênio”, “Farsante”, “Louco” e trocava bofetões e pontapés que só não atingiram o autor porque a polícia conseguiu arrebata-lo e coloca-lo em fuga num automóvel.

Para Pirandello, foi o início da glória, que ele aceitou tipicamente com um entusiasmo temperado pela ironia: a esposa, com que se casara por interesse pela sua fortuna, numa união arranjada pelo pai, dono de uma mina de enxofre na Sicília, enlouquecera. A demência perigosa da esposa acendera nele um amor que nunca sentira antes. A ruína financeira das minas o forçara a lecionar e escrever em jornais para sobreviver. A crítica tradicional repudiava suas inovações no teatro e na prosa. Os altos e baixos da vida não o impressionavam mais. No entanto, as cenas patéticas de vidas baças, anônimas, paralisadas pela tragédia, no meio da pequena burguesia de Roma (enfeixadas em “Novelle per um Anno”), são algumas das supremas obras-primas do conto italiano e já superam o realismo de outro siciliano de gênio, Verga, e anunciam o naturalismo amargo e maduro dos atuais contos romanos de Moravia.

“O Falecido Mattia Pascal” -– O personagem de Pirandello neste romance é um homem atormentado pela pobreza, por um casamento sem amor e por uma sogra insuportável. Foge de casa, ganha uma pequena fortuna no cassino de Monte Carlo e, no mesmo dia, lê no jornal a espantosa notícia de sua própria morte. Na aldeia onde morava, todos reconheceram, num cadáver encontrado no rio, “o falecido Mattia Pascal”, que se suicidara “por dificuldades financeiras”. Inventa então um nome fictício para si mesmo, Adriano Meis, e passa a viver numa modesta pensão em Roma, onde se apaixona pela moça que a dirige. Mas tem que renunciar ao amor: como iria casar se não tem documentos provando a nova identidade? Agredido e roubado, não pode dar queixa à polícia: onde estão seus documentos? Nem guardar dinheiro no banco consegue: não fornecem cheques a quem é incapaz de se identificar.

Derrotado, Mattia Pascal resolve “ressuscitar”; afinal, o dinheiro que ganhou na roleta dará para viver uma vida modesta em sua aldeia no sul da Itália. No entanto, Pirandello preparou-lhe novo desengano: nos dois anos em que viajou, vivendo uma ficção, sua mulher casou-se com seu melhor amigo e não há mais lugar para ele na vida. Irônico e conformado, vai colocar flores no túmulo do homem enterrado em seu lugar. Quando cruzam com ele no cemitério, aquele homem privado de sua personalidade diz, encolhendo os ombros: “Ora, meu caro. Eu sou o falecido Mattia Pascal”.

Genealogia do absurdo – Mesmo este, que não é o melhor romance de Luigi Pirandello, revela o autor siciliano como a semente genealógica de onde brotaram os ramos vários da árvore do absurdo: Kafka, Ionesco, Beckett. Até autores à primeira vista distantes de uma literatura de um humorismo amargo e fantástico seriam por ele influenciados: de Pirandello derivaria o “distanciamento” de Brecht, quando os personagens se compõem e decompõem diante do público, e brotaria a constatação de Proust em “Em Busca do Tempo Perdido”: somos uma ficção, em cada um de nós há várias personalidades, conforme a ideia que fazem de nós o leiteiro, o colega, a amante, o inimigo, o fisco, a polícia.

Já no seu teatro e em seus romances, antecedendo-se aos estudos de Freud sobre o inconsciente, Pirandello formulara sua teoria moderna da cisão da personalidade dupla. Em “Enrico IV” um homem enlouquece, pensando que é um rei. Em “Vestir os Nus” os homens são marionetes nus que usam máscaras: o terno é uma convenção tão exterior quanto o sorriso, os gestos educados, a indignação moral diante da injustiça. O homem está nu diante da natureza e de um Deus improvável: somos, como no conto inquietante “Um, Cem ou Cem Mil”, o que a perspectiva de quem nos observa achar que somos. Até a loucura é uma questão de ângulo: quem é louco em “A Senhora Frola e o Senhor Ponza”: a sogra, que afirma que a mulher do senhor Ponza é sua filha, que morreu há quatro anos, ou o Sr. Frola, que pensa estar casado pela segunda vez quando na realidade sua única esposa não morreu nunca e é a filha da senhora Ponza? Não existe a verdade absoluta nem o homem é capaz de alcança-la: “Assim é, se assim lhe parece” – a mesma mulher pode parecer lindíssima, vulgar, masculinizada, cerebral ou analfabeta a diversos observadores.

Ao morrer, no auge da fama, em 10 de dezembro de 1936, em Roma, suas disposições testamentárias foram rigorosas: nem coroas nem acompanhamento fúnebre, “só eu, o coche e o cavalo”, e a dispersão de suas cinzas sobre o mar ou nalgum muro da Sicília. O que restou da sua incineração foi enterrado numa ânfora siciliana na aldeia perto de Agrigento, onde um destino irônico o fez nascer, em 28 de junho de 1867, no vilarejo de Caos.

No testamento, pedia que o cremassem nu, sem honrarias, e dispersassem suas cinzas. A coerência o acompanhou até o último desejo.
(Fonte: Super Interessante -– ANO 6 -– N° 7 -– Julho de 1992 – Dito & Feito – Pág; 59)

(Fonte: Veja, 2 de fevereiro de 1972 –- Edição 178 -– LITERATURA – Pág; 67)

(Fonte: Veja, 14 de dezembro de 1994 – ANO 27 – Nº 50 – Edição 1370 – LIVROS/ Por Leo Gilson Ribeiro – Pág: 143)

(Fonte: http://acervo.oglobo.globo.com  – EM DESTAQUE – CULTURA/ com edição de Matilde Silveira – 07/12/2016)

Luciana Barbio*

 

Powered by Rock Convert
Share.