Leila Diniz, musa da liberação feminina no país, um símbolo da ‘nova mulher’

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Atriz Leila Diniz, musa da liberação feminina no país

Ela desafiou a moral brasileira dos anos 60 e se tornou um símbolo da ‘nova mulher’

“Não sei se foi loucura ou coragem minha, mas sempre me expus muito. De certa forma, acho que isso é que ainda sustenta essa coisa engraçada chamada mito.” LEILA DINIZ (1971)

 

Leila Diniz (Niterói, 25 de março de 1945 – Nova Délhi, Índia, 14 de junho de 1972),  atriz e musa carioca, estrela de filmes como “Todas as mulheres do mundo”

Em 1969, numa entrevista célebre ao jornal “O Pasquim”, a atriz escancarou suas posições sobre amor e sexo. Leila foi a primeira brasileira, por exemplo, a, grávida, exibir orgulhosa a barriga num biquíni. Isso era algo inédito numa época em que as grávidas, quando iam à praia, usavam uma “cortininha” sobre a barriga.

O fulminante reinado de Leila Diniz – cinco anos, desde  “Todas as Mulheres do Mundo”, filme de 1967 – abriu-se com o sorriso que ela exibia então, numa entrevista: “Serei feliz se chegar aos quarenta anos com a mesma curiosidade de hoje, descobrindo este mundo feliz, muito feliz”. Tinha 22 anos e uma história para contar. Dois anos antes, era uma professora primária que ia de ônibus dar aula num subúrbio carioca.

Moça de classe média, com três irmãs (Lígia, uma delas, é atriz) e um irmão, fugira de casa uma vez, aos catorze anos, e, depois da volta, mudou-se definitivamente aos quinze, com permissão dos pais. Adorava crianças, contava-lhes histórias de bichos. Até o nascimento de sua filha Janaína, em novembro de 1971, uma de suas maiores mágoas era não conseguir ter filhos.

Ganhava pouco, foi ser modelo de propaganda. Tomou Coca-Cola, recomendou sabonetes, escovou os dentes. Um dia, em 1965, apareceu no Rio de Janeiro e na sua vida de garota-propaganda um cineasta sueco, Arne Sucksdorf, que tentava filmar uma história sobre garotos pobres. Ela ligou-se à equipe como uma espécie de babá. Depois vieram peças de teatro infantil e dois filmes obscuros, “O Mundo Alegre de Helô” e “Jogo Perigoso”.

Seu marido, na época, era Domingos de Oliveira. Ela lembrava que os dois não tinham um tostão e encerrava sua história falando de “Todas as Mulheres do Mundo”, um dos maiores sucessos do cinema brasileiro e dirigido por Domingos, do qual já estava separada.

Disse Leila Diniz: “Fiquei muito confusa. Era tanto jornalista, tanta gente a pensar que você sabe tudo só porque faz sucesso… Mas isso dá vontade de melhorar mais. O sucesso assusta, mas também abre  o apetite.”

 

Porta-voz – De  Leila Diniz soube-se então toda a extensão do seu apetite, e não exclusivamente para o sucesso. Explorou até onde teve forças “este mundo feliz, muito feliz” e passou a ser vista, com evidente exagero, como mais uma vedete que abusava dos palavrões para ser notada. Foi uma época em que se pedia a ela, antes de qualquer outra pessoa, opiniões sobre assuntos como virgindade, casamento, religião e amor livre. Era invariavelmente contra os três primeiros e a favor do último. Dizia que o seu grande pavor era um dia acordar e descobrir que estava sozinha no mundo, sem ninguém para conversar.

Desta época para cá, Leila Diniz pouco mudou – mas suas palavras e atitudes, mais do que o seu nome, fizeram dela talvez a mulher mais popular do país. Morava sozinha, ela e seus canários (antes do nascimento da filha), mas não suportava ficar sem muita gente em volta. Disse então Leila Diniz: “Sem palavrão não há diálogo”.

 

Humilhada – Em novembro de 1969, quando “O Pasquim” publicou sua célebre entrevista, as páginas estavam salpicadas de asteriscos, único recurso gráfico encontrado para mostrar que debaixo de cada um deles havia uma palavra que a censura suprimira. Aí, mais do que nunca, passaram a exigir de Leila uma imagem de mulher livre.

Ela sentiu-se “cheia” com isso, calou-se por algum tempo, e, embora não precisasse explicar nada a ninguém, acabou sendo julgada num programa de televisão em São Paulo, “Quem Tem Medo da Verdade?” Foi chamada de vagabunda para baixo. E saiu em prantos do estúdio.

Foi o último perdão que o público lhe deu, se é que ela também precisava de um. Os produtores do programa foram chamados de “exploradores e canalhas” e a imagem de Leila Diniz, meio menina, meio mulher, totalmente feliz e provocando risos de admiração ou de simpatia, consolidou-se para sempre.

 

Espontânea – Se alguém pudesse examinar agora, sob o impacto de sua morte, o que realmente era esta imagem, certamente teria dificuldades não inferiores às de um historiador do futuro. Os treze filmes que Leila Diniz estrelou não dizem tudo o que ela era, embora “Todas as Mulheres do Mundo” tenha chegado muito perto e outros, como “Fome de Amor”, de Nélson Pereira dos Santos, e “Edu, Coração de Ouro”, de Domingos de Oliveira, tenham revelado também uma atriz. O teatro “sério” entrou na sua vida uma única vez, em “O Preço de Um Homem”, com Cacilda Becker, em 1964, e a televisão forneceu pouco mais que amostras para que ela se tornasse mais íntima para milhões de pessoas.

 

O mais vivo e espontâneo de Leila Diniz talvez pudesse ser encontrado num gênero mais popular e mais desprezado, o teatro de revista. Para ela, que não distinguia graus e importância entre “representar Shaskepeare e Gloria Magadan, desde que eu me divirta”, a revista “Tem Banana na Banda” atendia a todas as exigências. Divertida, picante (ou mais do que isso) e esfuziante, “Banana” deixava que sua estrela conversasse diretamente com a plateia e arrancasse dela uma concordância total com as armas que empregava para conseguir o diálogo.

 

Foi o bastante para que logo depois, num espetáculo pobre e vulgar (“Leila, Betty Faria e Asteriscos”), sentisse que nem só a censura e os puritanos são contra o palavrão. Interrompeu o trabalho, parou para pensar e disse: “Vi que todo aquele meu negócio de palavrão, que eu sempre disse nas horas certas e era espontâneo, estava sendo vendido e comercializado. Senti que estava no finzinho e se não abrisse o olho ia ser o fim mesmo”.

 

Era uma mulher sincera e desbocada. Que era mãe de uma menina. Teve muitos amores. Que era a musa de Ipanema, estrela do cinema brasileiro, artista da televisão, vedete do teatro rebolado, letra de música. Era, também, o pesadelo dos censores, que depois de lerem sua escandalosa entrevista ao “Pasquim”, em 1969, chegaram a sonhar com uma lei de censura prévia aos jornais e revistas. Seria a “Leila Diniz”. E “seria a glória”, como ela disse.

Sabia-se de tudo isso, e muito mais, mas não até que ponto ela desempenhava um papel tão importante nos sentimentos de um país.

 

Um acidente de avião na Índia, em junho de 1972, numa extraordinária coincidência entre uma tempestade de areia e uma temperatura de 45 graus, nos céus da Índia, matou a atriz e musa carioca Leila Diniz, estrela de filmes como “Todas as Mulheres do Mundo”, e provocou um abalo de nervos no Brasil, a milhares de quilômetros, demonstrando a força desse seu papel. Três anos antes, Leila havia sido alçada à porta-voz da liberação feminina no país. Desafiando a moral brasileira da década de 60, ela se tornou símbolo da “nova mulher” e uma referência das mudanças na sociedade nos anos 70.

Quando caiu o avião em que Leila Diniz viajava (por outra coincidência: ela voltava mais cedo do Festival de Cinema de Melbourne, Austrália, com saudades da filha), despencou junto com ele uma torrente de angústia, gritos de revolta, insultos cegos contra o destino.

Se os amigos a perderam, também o cinema brasileiro perdia sua única estrela importante, o show business ficava sem a sua personalidade mais forte e as espectadoras das novelas de televisão sem o seu modelo mais invejado.

 

 

(Fonte: http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/atriz-leila-diniz-musa-da-liberacao-feminina-no-pais-morre-na-india-9200205#ixzz3Tudt57Rb – CULTURA – Fatos Históricos – 26/07/13)

(Fonte: Veja, 21 de junho de 1972 – Edição 198 – BRASIL – Pág: 22/23)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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