João Pessoa, foi um político regional que virou mito nacional

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A figura e o papel de um político regional que virou mito nacional

Foi um dos principais vultos da história do Estado

João Pessoa (Umbuzeiro, 24 de janeiro de 1878 – Recife, 26 de julho de 1930), político paraibano

Ele morreu em 1930, aos 52 anos, quando exercia o cargo de presidente (governador) da Paraíba. Assassinado por um desafeto político no interior de uma confeitaria do Recife, num obscuro episódio passional mesclado de intrigas políticas e rixas entre famílias de coronéis do sertão, sua morte mudou muita coisa.

Mudou, por exemplo, o nome da capital estadual, trocado de Paraíba para João Pessoa. Mudou a bandeira do Estado, cujas cores passaram a ser o preto e o vermelho, simbolizando o luto e o sangue da morte de João Pessoa; sobre a bandeira foi gravada a palavra NEGO, proferida por João Pessoa no momento em que, às vésperas das eleições presidenciais de 1.º de março de 1930, ele se negou a apoiar o candidato situacionista Júlio Prestes, aderindo à chapa oposicionista de Getúlio Vargas, como candidato à Vice-Presidência.

Sobretudo, a morte de João Pessoa mudou os rumos da História do Brasil. Seu cadáver foi a bandeira dos descontentes que meses depois, em outubro, deflagraram a revolução para derrubar o governo de Washington Luís, encerrando o ciclo da Primeira República. Curioso é que João Pessoa, situado na oposição ao governo federal, não era adepto dos revolucionários. “João Pessoa vivo foi uma voz contra a revolução. Mas João Pessoa morto foi o verdadeiro rearticulador do movimento revolucionário”, escreveu o jornalista Barbosa Lima Sobrinho, autor do livro “A Verdade sobre a Revolução de Outubro – 1930.”

Um dos principais vultos da história do Estado, nasceu na cidade de Umbuzeiro, na fazenda Prosperidade, pertencente ao seu primo Carlos Pessoa Filho. Por incrível que pareça, grande parte da política paraibana se alimentou de fatos, brigas ou acordos ocorridos no tempo de João Pessoa. Os políticos da Paraíba ainda conservam traços de um estilo anterior à Revolução de 1930: a perseguição política por intrigas familiares.

A divisão da família entre “perrepistas” (do Partido Republicano) e “liberais” (do Partido Liberal) se conservou por muito tempo. O MDB da Paraíba foi engrossado por todas as famílias inimigas daquelas que se anteciparam no apoio à Arena. Até já entrou no anedotário a forma como o ex-senador Rui Carneiro, falecido em 1977, resolveu ingressar no MDB; faltava uma assinatura para registrar o partido e ele alistou-se ao ver que seus adversários já estavam na Arena.

Hoje na política paraibana não existem mais grupos “liberais” ou “perrepistas”, mas “apenas rixas entre famílias que participaram da Revolução de 1930.” As desavenças são familiares, não ideológicas. A entrada de João Pessoa na história como revolucionário teve origem numa tragédia puramente local e não nos supostos serviços prestados à Revolução. Muitos consideram a bandeira da Paraíba “divisionária”, pois não representa os sentimentos do povo em sua totalidade, já que é basicamente a antiga bandeira da Aliança Liberal.

O escritor Ariano Suassuna, filho de um antigo adversário de João Pessoa (João Suassuna, ex-presidente do Estado na década de 20), preparou um livro a favor de João Dantas, que entrou para história como assassino de João Pessoa, onde relatou uma mobilização das famílias inimigas para mostrar que João Pessoa foi um governante autoritário e intransigente.

Num levantamento de todos os decretos assinados por João Pessoa, concluiu-se que ele foi contra os interesses das oligarquias dos coronéis sertanejos, pois tentou fazer uma reforma agrária para ajudar os camponeses explorados nos latifúndios.

O autoritarismo de João Pessoa, que teimava em governar sozinho, de estilo personalista contrastava com a praxe dos governantes de então, que mantinham alianças com os “coronéis”, numa espécie de simbiose entre o poder instituído e o poder privado.

Ele próprio se beneficiou, em primeiro momento, da estrutura. Advogado que fez carreira no Rio de Janeiro, onde chegou a ministro do Superior Tribunal Militar, João Pessoa alcançou o governo paraibano, em 1928, por indicação de seu tio Epitássio Pessoa, mentor da política do Estado e ex-presidente da República.

Só que, recebido como um continuador do epitacismo, acabou exercendo um estilo de governo antioligárquico. Em pouco mais de um ano, de fato, João Pessoa pôs os “coronéis” em polvorosa, cobrando impostos, instituindo o pedágio nas estradas, substituindo prefeitos, delegados, juízes e promotores. Afrontava, em suma, o gosto e o interesse de cada cacique regional.

De esquerda – Por tudo que João Pessoa fez, a Paraíba chegou a 1930 em contra si apenas Minas Gerais e o Rio Grande do Sul. Interessado em tornar a Paraíba independente dos outros Estados, sobretudo da hegemonia econômica regional de Pernambuco, ele criou sobretaxas às importações.

Ficou conhecido como “João Porteira”, pois mandou construir porteiras ou cancelas em todas as estradas interestaduais, exigindo a cobrança dos novos impostos. O bloqueio tributário por terra era uma forma indireta de desviar a entrada de mercadorias para o porto de Cabedelo e deslocar o poder econômico do sertão para a capital. Há quem veja em tais manobras de João Pessoa uma brilhante tentativa pessoal de realizar uma revolução estrutural em sua região.

Muitos se referiam a João Pessoa como um homem de ideias de esquerda. Mesmo que não fosse exatamente assim, é verdade que a eclosão da “revolta de Princesa” representou a mais séria consequência do anticoronelismo que construiu a fama e a tragédia de João Pessoa.

E foi em plena luta contra o “território livre de Princesa”, municiado até pelo Palácio do Catete, do Rio de Janeiro, através do Estado de Pernambuco, que João Pessoa viajou ao Recife para negociar uma carga de armas. Às 17 horas do dia 26 de julho de 1930, sentado com amigos numa mesa da Confeitaria Glória, ele foi alvejado por seu inimigo pessoal João Dantas – depois assassinado na prisão (um suicídio, segundo a versão oficial).

O crime tem pontos obscuros até hoje. Pessoa e Dantas eram rivais familiares, mas não se conheciam pessoalmente. João Dantas matou João Pessoa depois que A União, o jornal oficial do governo paraibano, publicou cartas íntimas de Dantas a uma amante. As cartas haviam sido recolhidas pela polícia paraibana numa invasão ao escritório de Dantas no Recife. Consta, entretanto, que João Pessoa teria ficado indignado com o sequestro dos papéis e sua posterior publicação. Daí, há quem veja nesses episódios uma trama urdida por assessores de Pessoa para acirrar os ódios.

João Pessoa foi vítima de uma armadilha articulada por seus auxiliares, interessados em arranjar uma vítima para deflagrar a Revolução de 1930 e conseguir a ajuda dos militares. João Pessoa – “um mamulengo nas mãos dos seus auxiliares” -, que ao levarem a política tributária de João Pessoa ao extremo, seus auxiliares tentavam criar-lhe vários inimigos, para que um deles acabasse por assassiná-lo. Pior ainda, o complô teria o apoio de Getúlio Vargas.

Manoel Dantas, seu irmão fugiu da Paraíba em 1930 e só voltou em 1954 para um paciente trabalho de pesquisa sobre a participação de seu irmão nos antecedentes da Revolução de 1930. Manoel Dantas jogou à época a responsabilidade dos fatos de 1930 na Paraíba a José Américo de Almeida (1887-1980), a quem considera o “verdadeiro cabeça da Revolução, um homem inteligente, cidadão brilhante, mas um político vingativo, tarídor, desleal, agressivo e perverso.”

José Américo de Almeida, foi influente escritor, o ex-secretário da Segurança da Paraíba que em 1930, após o assassinato de João Pessoa, foi o líder da Revolução de Outubro no Estado. Em 1945, José Américo tornou-se um dos mais decisivos conspiradores da queda da ditadura de Getúlio Vargas, ampliando e consolidando uma dimensão nacional sempre reverenciada.

 

“E isso”, afirmou Manoel Dantas, “foi o próprio José Américo quem confirmou, inocentemente, ao citar no seu livro, ‘O Ano do Nego’, uma conversa que Getúlio Vargas teria dito com um seu parente no Rio Grande do Sul antes de João Pessoa morrer. Nessa conversa ele diz que Getúlio perguntou ao seu primo quem substituiria João Pessoa à altura, caso ele viesse a desaparecer, e o parente respondeu: ‘José Américo’.”

Manoel Dantassustenta suas teses e afirma ter João Pessoa morrido de um balaço de calibre 38, enquanto o revólver de seu irmão João Dantas era de calibre 32, acaba perguntando: “Como Getúlio Vargas poderia achar que João Pessoa poderia morrer?”

Morto João Pessoa, seu corpo foi levado para o Rio de Janeiro, a capital da República transformada em cenário de inflamados discursos que meses depois levariam a oposição a empunhar as armas para tomar o poder. A obra governamental de João Pessoa não vingou. As porteiras e cancelas nas estradas para os vizinhos são um dos poucos vestígios de sua gestão.

Todos os decretos por ele assinados não foram cumpridos. A única grande obra sua que chegou ao fim foi o porto de Cabedelo, concluído em 1932 pelo secretário de Obras da Paraíba, o então tenente Ernesto Geisel.

 

 

(Fonte: Veja, 8 de fevereiro de 1978 – Edição 492 – ESPECIAL – Pág: 52/54)

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