Jean Boghici, foi um dos maiores colecionadores de arte do país e pioneiro no mercado de arte brasileiro

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Em seu acervo, Boghici reunia obras de Modigliani, Lucio Fontana, Rodin, Alexander Calder e dos brasileiros Guignard, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral e Antonio Dias, entre outros - (Foto: Leo Pinheiro/ / O Globo)

Em seu acervo, Boghici reunia obras de Modigliani, Lucio Fontana, Rodin, Alexander Calder e dos brasileiros Guignard, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral e Antonio Dias, entre outros – (Foto: Leo Pinheiro/ / O Globo)

 

Jean Boghici (Romênia, 1928 – Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, 31 de maio de 2015), lendário marchand e galerista, foi um dos maiores colecionadores de arte do país e pioneiro no mercado de arte brasileiro

Colecionador de arte romeno radicado no Brasil, tinha uma das mais importantes coleções de arte brasileira.

A extensa coleção de Boghici, que remonta aos anos 1960, continha telas emblemáticas do modernismo brasileiro, o antigo técnico de rádio começou a carreira de marchand quando ganhou um prêmio num programa da extinta TV Tupi ao acertar respostas sobre Vincent van Gogh.

A partir daí, fundou a tradicional galeria Relevo e começou a amealhar obras de nomes da estatura de Rubens Gerchman e Antonio Dias, influenciando marchands em todo o Brasil a prestar atenção a seus trabalhos.

Jean Boghici, clandestino em um navio francês, após em anos em fuga ao lado de amigos judeus. Jean foi um dos pioneiro no mercado das artes, dono de um acervo considerado um dos mais importantes do Brasil no século XX.

Nascido às margens do Rio Danúbio, na Romênia, em 1928, Jean Boghici chegou ao Brasil clandestino em um navio francês, em 1948. O Rio foi o destino final de uma aventura que começou anos antes, em Bucareste, quando Boghici largou a faculdade de Engenharia para acompanhar um grupo de amigos judeus em fuga.

Romeno radicado no Brasil desde 1949, fugido do pós-guerra, Boghici se tornou amigo de artistas como Di Cavalcanti e Guignard, e fundou uma das primeiras galerias de arte do Rio, a Relevo, aberta em 1961 em Ipanema. Como colecionador, ajudou a formar pelo menos duas das maiores coleções brasileiras, como as de Gilberto Chateaubriand e Sergio Fadel, trazendo obras de artistas internacionais.

Como marchand, Boghici era um nome de peso no mundo das artes plásticas, e se tornou conhecido, fora desses limites, por conta do incêndio que destruiu, em 2012, parte de sua coleção particular, que estava no apartamento em que vivia com a mulher, em Copacabana. As principais perdas foram as telas Samba (1925), de Di Cavalcanti, e Floresta Tropical (1938), de Guignard.

Na época, ele deu declarações otimistas, apesar de dizer que a sensação era de que “uma bomba de Hiroshima” tivesse atingido seu apartamento. Lamentou mais a perda de sua gata do que das obras.

– Queimou, qual o problema? Vai ficar tudo bom de novo. Já tive esse problema na década de 1970, perdi vários quadros e fiquei doente praticamente. Na época, fiz uma bela exposição e foi uma vingança contra o destino. Vamos fazer exposição muito bonita para me vingar.

A “vingança” da vez foi uma abrangente exposição montada por ocasião da abertura do Museu de Arte do Rio, sete meses depois do incêndio, intitulada O Colecionador, com quadros representativos do modernismo, do surrealismo, da pintura primitiva, da abstração informal, da abstração construtiva, da nova figuração, da pintura russa e da pintura. Esses eram os maiores interesses de Boghici em termos de movimentos artísticos. O que havia sido queimado entrou no catálogo.

Com 136 obras, de nomes como Tarsila, Lygia Clark, Di Cavalcanti, Brecheret, Kandinsky e Rodin, entre outros grandes artistas dos últimos séculos, a mostra recebeu 258 mil pessoas de março a setembro de 2013.

— Sempre gostei de eletrônica e construí um rádio de ondas curtas. Um dia, sintonizei Churchill dizendo que uma cortina de ferro soviética cairia sobre o meu país. Achei melhor fugir dali — lembrou ao GLOBO, em entrevista concedida em 2012.

Partiram a pé em direção à Hungria, atravessando regiões devastadas pela guerra, escondendo-se de patrulhas russas. A cena de uma carroça cheia de corpos empilhados nunca o abandonou. Depois de meses de travessia, chegaram à Áustria. Ali, ele passaria dias entre a vida e a morte por conta de uma infecção dentária. Recuperado, trabalhou em uma mina de carvão, antes de se estabelecer, novamente como estudante, em Paris, onde trocou a eletrônica pelo encanto das artes plásticas:

— O exílio me levou a um contato profundo com a arte. Conheci grandes artistas e virei um flâneur. Mas nem sonhava em viver disso.

Em Paris, Boghici tornou-se amigo do escritor americano James Baldwin, que planejava vir ao Brasil estudar negritude. Baldwin acabaria desistindo da viagem minutos antes do embarque. Seduzidos pela aventura, Boghici e o amigo Henri Stahl pularam para o navio e se esconderam no barco salva-vidas. Só deixaram o esconderijo quando o calor da costa africana fez com que os passageiros se misturassem no convés. Ao chegarem ao Brasil, sem passaporte ou dinheiro, dormiram na areia da Praia de Copacabana.

Sem visto, Boghici foi morar em Belo Horizonte, onde conheceu Guignard, autor de “Floresta tropical”, uma das preciosidades de sua coleção perdidas no incêndio na casa do romeno, em 2012. De volta ao Rio, trabalhou como vitrinista e iluminador na boate Vogue. Um dia, tomava cerveja no Bar Gôndola, antigo reduto de artistas no Arpoador, quando foi abordado por um produtor da TV Tupi.

— Eu havia sofrido um acidente de moto e estava de muleta, mal cuidado, barbudo. Acho que por isso o cara me achou parecido com o Kirk Douglas interpretando Van Gogh em “Sede de viver” — contava.

A semelhança rendeu a Boghici uma chance de participar do programa “O céu é o limite”, de J. Silvestre, no qual respondia a perguntas sobre o pintor holandês, que era seu grande ídolo. Foram quatro meses de celebridade ao lado de especialistas em Cleópatra, Chaplin e Hemingway. Por um bom tempo, pessoas o chamavam de Van Gogh nas ruas.

— Foi uma grande sorte. Com o dinheiro ganho, deu para comprar um apartamento, um carro e pagar as dívidas — reconheceu.

A fama na TV o levou a ser convocado por uma fundação cultural para procurar tesouros da arte popular no Nordeste. Partiu de jipe em direção ao Brasil profundo, salvaguardado por uma carta do presidente Jânio Quadros: “Recomendo às autoridades darem todo apoio ao Sr. Jean Boghici”. Durante os meses de viagem, conheceu figuras como Mestre Vitalino e o folclorista Câmara Cascudo. Em 1960, Boghici abriu sua primeira galeria, a lendária Relevo, com uma exposição do também romeno Emeric Marcier. Ali o marchand iniciaria o seu longo processo de garimpo à procura de trabalhos esquecidos de artistas modernistas. Por preços ínfimos, arrematou várias obras importantes de Tarsila do Amaral, Portinari, Guignard e Volpi, além da tela “Samba”, de Di Cavalcanti.

Como curador, Boghici dedicou-se a lançar novos nomes. Na mostra “Opinião 65”, revelou artistas neofigurativos como Antonio Dias, Rubens Gerchman, Carlos Vergara e Wesley Duke Lee. Tornou-se amigo de todos eles. Segundo Vergara, a mostra foi um marco para uma geração que despontava nos anos 1960.

— O Boghici foi um visionário, fundamental naquele momento. Ele acreditou em artistas que estavam na vanguarda, na contramão — disse Vergara em entrevista ao GLOBO em 2012.

Obras de Di Cavalcanti expostas na mostra "O colecionador: arte brasileira e internacional na Coleção Boghici", no Museu de Arte do Rio (Foto: Alexandre Durão/G1)

Obras de Di Cavalcanti expostas na mostra “O colecionador: arte brasileira e internacional na Coleção Boghici”, no Museu de Arte do Rio (Foto: Alexandre Durão/G1)

INCÊNDIOS MARCANTES NA TRAJETÓRIA DE BOGHICI

Também na década de 1960, o marchand viveu um romance de seis anos com Lygia Clark, com quem colaborou:

— Quando era jovem, construía planadores. Usei essa habilidade para desenvolver, com aros de bicicleta, as dobradiças da série “Bichos” de Lygia.

Em 1978, um incêndio trágico marcou a vida do romeno, quando o Museu de Arte Moderna pegou fogo, durante uma grande exposição dedicada à obra de Joaquín Torres García. Organizador da mostra, concretização de um antigo sonho, o marchand viu algumas telas preciosas do pintor uruguaio se perderem.

Quase 35 anos depois, um novo incêndio voltaria a destruir parte do precioso acervo do romeno. Cerca de 90% foram salvos, mas o quadro “Samba” (1925), de Di Cavalcanti, foi destruído. Avaliada em R$ 50 milhões, a tela era, para alguns críticos, a obra-prima do modernismo brasileiro.

— Estava comigo há mais de 50 anos. Claro que é um belo quadro com todos os predicados, bem brasileiro, mas tem outros muito bons que não desfrutam de tanta fama — ponderou, na época. — Lamento o que aconteceu, mas saí fortalecido para lutar contra o cruel destino. No momento, estou na minha casa temporária, tomando um uísque, porque não sou de ferro, e observando a sensacional coleção de livros que tenho aqui.

 

Em 2012, parte do acervo de Boghici foi destruído em um incêndio no apartamento dele e da mulher, a francesa Geneviève. Seis meses depois, cerca de 140 peças da coleção foram destaque dentre as primeiras exposições do Museu de Arte do Rio (MAR).

Entre as obras, estavam algumas assinadas por Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Brecheret, Guignard, Vicente do Rego Monteiro, Rubens Gerchman, Antonio Dias, Calder, Lucio Fontana, Morandi, Kandinsky, Max Bill e outros 70 artistas.

Jean Boghici participou da ArtRio (Foto: Mylène Neno/G1)

Jean Boghici participou da ArtRio (Foto: Mylène Neno/G1)

Jean Boghici morreu em 31 de maio de 2015 aos 87 anos, vítima de embolia pulmonar. Boghici estava internado há 45 dias no Hospital Samaritano, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro.

(Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/noticia/2015/06 – ENTRETENIMENTO – NOTÍCIA – 01/06/2015)

(Fonte: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/06 – ARTE – CULTURA – RIO DE JANEIRO – 01/06/2015)

(Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais – CULTURA – ARTES VISUAIS – POR O GLOBO – 01/06/2015)

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