Introduziu no Brasil o primeiro ensino de Cálculo Tensorial e Cálculo Vetorial

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Theodoro Ramos e os primórdios da Física Moderna no Brasil

 

Theodoro Ramos (São Paulo, 26 de junho de 1895 – Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 1937), engenheiro e matemático brasileiro, esteve relacionado a fundação da Universidade de São Paulo.

 

Em 1923, um jovem engenheiro e matemático, de apenas 28 anos, realizou a primeira pesquisa sobre a Relatividade Geral e a Teoria Quântica no Brasil. Esse personagem, Theodoro Ramos, daria depois importantes contribuições para o desenvolvimento da Ciência no Brasil, tendo sido o primeiro diretor da Faculdade de Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP criada em 1934. Para entender melhor o contexto no qual se situa o trabalho de Theodoro vamos rememorar, de forma breve, a situação da Física no início do século 20.

 

Em 1911, Ernst Rutherford, para explicar o comportamento de partículas alfa, espalhadas ao incidirem em placas finas de ouro, propôs um modelo para o átomo no qual os elétrons circundam um pequeno núcleo de carga positiva. Baseado nele, dois anos depois, Niels Bohr introduziu a ideia da quantização das órbitas eletrônicas. O sucesso desse modelo atômico configurou-se na descrição precisa das linhas do espectro do hidrogênio atômico e na comprovação experimental da existência de estados atômicos discretos (Frank e Hertz, 1914). De acordo com a teoria de Bohr, as frequências das linhas espectrais do hidrogênio.

 

Em 1915, Arnold Sommerfeld, e de forma independente William Wilson, introduziu as regras gerais de quantização. Elas estabeleciam quais grandezas físicas seriam quantizadas em um sistema periódico, como, por exemplo, a energia e o momento angular, cristalizando o que se convencionou chamar posteriormente de “Velha Teoria Quântica”.

 

Já em 1887, Michelson e Morley haviam descoberto que a chamada linha Hα (correspondente à transição n = 3 → n = 2 na linguagem de hoje) do espectro do hidrogênio apresentava uma estrutura interna, pois apareciam duas linhas muito próximas.

 

Naquela época, este fato não tinha despertado muito interesse, pois ainda não existia nenhuma explicação quantitativa para as linhas do espectro. Usando as regras de quantização, Sommerfeld obteve o mesmo resultado de Bohr (En= -Rhc/n², em que n é o número quântico principal), mas os estados eram degenerados, isto é, para um dado n, havia várias órbitas diferentes que eram especificadas pelo momento angular quantizado L = hk/2π, com k = 1,2,… n. Ele utilizou, então, a Teoria da Relatividade Restrita de Einstein – através da fórmula m = m0 /(1-v²/c²)1/2 para a massa do elétron – e, para o átomo com um núcleo de carga Ze, na qual α= 2πe²/hc é a constante de estrutura fina. A transição entre os estados quânticos (2,2) e (2,1) estava caracterizada pelo número de onda κ = 1/λ = R²α2Z4/24=0,365 cm-1 (para Z = 1).

 

Este resultado foi comprovado por Frederich Paschen, em 1916, que utilizou hélio ionizado no experimento, e considerado uma vitória para a quantização dos níveis de energia e para a teoria da relatividade restrita. No mesmo ano, em carta para Sommerfeld, Einstein manifestou grande entusiasmo: “Sua pesquisa sobre os espectros está entre as mais belas investigações em Física. Somente através dela as ideias de Bohr tornaram-se convincentes”. No entanto, nem todos os pesquisadores obtinham os mesmos resultados nas suas medidas, pois o efeito era pequeno e havia fatores externos que perturbavam a experiência, como o alargamento devido ao efeito Doppler e o uso de descargas elétricas que afetavam os níveis de energia. Os opositores da Teoria da Relatividade argumentavam também que o resultado não poderia ser visto como uma confirmação da validade geral da teoria, uma vez que apenas a relação da dependência da massa com a velocidade da partícula fora usada na dedução do resultado.

 

O surgimento da Teoria da Relatividade Geral, no final de 1915, veio introduzir outro motivo para as discussões e debates entre os opositores e os defensores da Teoria da Relatividade e da Teoria Quântica. De fato, Relatividade Geral permitiu calcular corretamente a precessão do eixo da órbita de Mercúrio; no entanto, os cálculos realizados usando-se apenas a Teoria Restrita se mostram incorretos por um fator 1/6. Além disso, a Relatividade Geral alcançou enorme sucesso após a comprovação da deflexão da luz pelo Sol, em 1919, conforme previsto por Einstein. Alguns cientistas passaram a debater sobre a necessidade ou não de se utilizar a Teoria da Relatividade Geral para o sistema atômico, alegando que este é, em muitos aspectos, similar ao modelo planetário. Surge então o problema de se analisar o espectro do átomo de hidrogênio partindo-se diretamente da Teoria da Relatividade Geral.

 

O trabalho que Theodoro desenvolve em 1923 visou abordar exatamente este problema. Ele recebeu o título A Theoria da Relatividade e as Raias Espectraes do Hydrogenio, tendo sido apresentado na sessão da Academia Brasileira de Ciências de novembro de 1923 e publicado na Revista Polytechnica. O artigo viria a ser reproduzido no primeiro número dos Anais da Academia em 1929 quando o assunto já estava superado. Em linhas gerais (os detalhes serão publicados na Revista Brasileira de Ensino de Física), Theodoro Ramos usou a regra da quantização de Sommerfeld para um sistema formado por um elétron em órbita em torno do núcleo, ligado à ele pela força de Coulomb, e verificou a influência da curvatura do espaço-tempo sobre o sistema. Ele reproduziu o resultado anterior de Sommerfeld para as frequências das transições eletrônicas e encontrou as contribuições, muito pequenas, provenientes da Relatividade Geral. Concluiu: “Paschen em suas experiências achou para o afastamento do “doublet” do hidrogênio um valor ligeiramente inferior ao que foi calculado por Sommerfeld. A experiência confirma, pois, uma correção tendo o mesmo sentido da que achamos; a ordem de grandeza é, porém, diferente”. A ordem de grandeza é, de fato, muito diferente: da ordem de 10-9!

 

Trabalhos similares dedicados a esta questão apareceram na mesma época, entre os quais o de George Jaffé (1922), Theodor Wereide (1923) e a tese de doutoramento do matemático mexicano Sandoval Vallarta no MIT (1924). Em todos os artigos, a conclusão é a mesma: para o caso de massas e cargas típicas dos átomos, as correções provenientes da relatividade geral eram desprezíveis. As órbitas eletrônicas calculadas usando essa teoria eram muito aproximadamente iguais às obtidas pela relatividade especial. O artigo extraído da tese de Vallarta e submetido à publicação apenas em agosto de 1924 é o que apresenta maior semelhança com o de Ramos. É quase certo que Theodoro Ramos não conhecia os trabalhos de Jafée, Vallarta e Wereide, pois estes foram publicados em revistas às quais cientistas brasileiros dificilmente tinham acesso. Acreditamos que, se o trabalho de Theodoro Ramos tivesse sido submetido a uma revista com maior penetração internacional, ele seria citado hoje nos textos que tratam da história da Física Moderna.

 

Em 1923, Ramos publicou ainda o trabalho Sobre a Theoria da Estrutura do Espectro das Raias do Hydrogenio na Revista Polytechnica. Nele, mostrou que a adição de um potencial do tipo 1/r2 ao potencial coulombiano reproduzia o valor encontrado por Sommerfeld para a transição (2,2) →(2,1). No entanto, pode ser mostrado que seu resultado só é válido no caso particular das transições (n,k) → (n,k).

 

No sentido de trazer ao leitor alguns elementos biográficos sobre este personagem da Ciência brasileira vamos apresentar um breve relato de sua vida.

 

Theodoro Augusto Ramos (São Paulo, 1895 – Rio de Janeiro, 1935) formou-se em Engenharia Civil na Escola Politécnica do Rio de Janeiro em 1916. Nessa época os professores que se distinguiam na Física Experimental e na Física Matemática eram Henrique Morize e Amoroso Costa, respectivamente. Ali obteve o título de Doutor em Ciências Físicas e Matemáticas, em 1918, com a tese Sobre as Funções de Variáveis Reais que é considerada um momento importante da pesquisa matemática no Brasil. Em 1919, assumiu o cargo de professor substituto na Escola Politécnica de São Paulo, com a tese Questões sobre Curvas Reversas. Somente em 1926, foi nomeado professor da cadeira de Vetores, Geometria Analytica, Geometria Projectiva e suas applicações à Nomographia. Em 1932 foi transferido para a cátedra de Mecânica Racional precedida de Calculo Vetorial, onde permaneceu até o final de sua curta existência.

 

Além de matemático renomado (publicou vários artigos originais na área, uma raridade na época), Theodoro Ramos teve múltiplas atividades.
Publicou em Paris o livro Leçons sur le Calcul Vectoriel (1933) e proferiu uma série de interessantes conferências no Rio de Janeiro sobre a Mecânica Quântica (reproduzida na Revista Brasileira de Ensino de Física.

 

Fez parte da comitiva que foi à Europa em 1934 contratar pesquisadores (para a Física convidou Gleb Wataghin, por indicação de Enrico Fermi) para a recém criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, da qual foi o primeiro diretor. Na esfera da educação, foi membro por muitos anos do Conselho Nacional de Educação e participou da reforma do ensino de Engenharia em 1931. Exerceu cargos públicos, em doses mínimas, tendo sido inclusive Prefeito de São Paulo por três meses em 1933. Um depoimento interessante sobre ele emerge de uma carta escrita em dezembro de 1933 pelo jovem Mário Schenberg, então com 19 anos, para seu antigo mestre no Recife, Luis Freire: “Domingo tive uma longa conversa com o Theodoro, o que me permitiu formar uma ideia acerca de sua personalidade atual. O Theodoro
é notabilíssimo por sua vasta cultura no campo da Mecânica e da Física Moderna; aliás, tive a impressão de estar um pouco alheia do à Mecânica
Pura e dedicar-se especialmente à Física dos Quanta. Sobre alguns pontos de vista não pude aceitar suas ideias [questões acerca da natureza das teorias físicas e o arcabouço lógico matemático]. A não ser nesses pontos, achei admiráveis suas ideias sobre a lógica e outras questões da Física que abordamos”.

 

Foi um dos primeiros a introduzir em uma Escola de Engenharia o ensino do Cálculo Vetorial, importante ferramenta matemática e muito empregada nos estudos de Física Teórica, Mecânica e Geometria Analítica, e o primeiro a introduzir em uma Escola de Engenharia, no Brasil, o ensino de Cálculo Tensorial (1929).

Faleceu na cidade do Rio de Janeiro, no dia 5 de dezembro de 1935.

(Fonte: http://www.sbfisica.org.br/fne/Vol5/Num2/v5n1a10 – HISTÓRIA DA FÍSICA NO BRASIL)

Nelson Studart DF/UFSCar Rogério C.T. da Costa
IFSC/USP Ildeu de Castro Moreira IF e COPPE/UFRJ

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