Hyman Minsky, teórico sobre instabilidade financeira internacional de pensamento heterodoxo que inspirou a escola desenvolvimentista

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Minsky: o entusiasta do intervencionismo

 

Teórico de pensamento heterodoxo que inspirou a escola desenvolvimentista, ele teve seu auge durante a crise de 2008

 

Obra de professor sobre instabilidade financeira internacional aumentou o interesse 

 

 

Hyman Minsky: o entusiasta do intervencionismo, conhecido por suas ideias de que bancos criam instabilidade inerente no coração do capitalismo. (Foto: St. Louis Post-Dispatch / DIREITOS RESERVADOS)

 

 

Hyman Philip Minsky (Chicago, Illinois, 23 de setembro de 1919 – Rhinebeck, Nova York, 24 de outubro de 1996), professor e economista americano, adepto inveterado do intervencionismo estatal. A teoria minskyana prega que os mecanismos propostos para resguardar a economia dos efeitos da instabilidade dos sistemas financeiros não se limitariam à atuação da autoridade monetária como “emprestadora de última instância”.

 

 

Graduado em matemática pela Universidade de Chicago em 1941, Minsky realizou seu doutoramento em economia na Universidade Harvard, em 1954, onde conviveu com Alvin Hansen (1887-1975), um dos principais discípulos de John Maynard Keynes nos EUA, com Joseph Schumpeter e com Wassily Leontief.

 

 

Durante a vida, Minsky, que foi orientando de Joseph Schumpeter em Harvard, desfrutou de uma fama não mais do que moderada. Com a crise de 2008, ele foi subitamente incensado, por causa de escritos que pareciam proféticos em relação ao que estava acontecendo. Minsky formulou uma certa Hipótese da Instabilidade Financeira, que assevera que a dinâmica interna do capitalismo contemporâneo, no qual o sistema financeiro desempenha um papel preponderante, implica necessariamente a alternância entre turbulência e tranquilidade.

 

 

Períodos prósperos trariam as sementes de seu próprio desmonte por tornar irresponsáveis tanto aqueles que emprestam quanto aqueles que tomam dinheiro emprestado. Necessário para o vigor do capitalismo, o sistema financeiro tenderia por natureza ao excesso. Com o tempo, haveria o surgimento de uma bolha especulativa, uma acumulação desgovernada de dívidas sem lastro – até o momento em que a fragilidade de todo o edifício seria notada. Aí ocorreria uma reversão brusca do ciclo econômico, aquilo que acabou sendo batizado como “momento Minsky”.

 

 

Uma vez iniciado um cataclisma desse tipo, Minsky prescrevia a adoção de remédios como estímulos fiscais e intervenções do Banco Central como “emprestador de última instância”, que dessem algum alento à economia. Insistia também na necessidade de regulamentação dos mercados financeiros. No pós-crise, seu receituário foi debatido nas páginas do Wall Street Journal e da Economist, bem como em relatórios do banco central americano, o Federal Reserve – um deles assinado por Janet Yellen, atual presidente da instituição.

 

 

Mas, perguntava Minsky, como evitar que tudo recomece? Como atacar a suposta doença central do capitalismo, o fato de que nele a estabilidade é iminentemente desestabilizadora? Como diz o título de um de seus últimos textos, o economista tinha “um programa positivo para um capitalismo bem sucedido”. Que consistia, basicamente, em transformá-lo em uma forma de socialismo.

 

 

Minsky afirmou certa vez que o pensamento teórico deveria ser guiado por uma visão, por um “mapa da Utopia”. Ele nunca fez segredo de aonde o seu mapa levava. Seus pais haviam se conhecido durante a celebração dos 100 anos de nascimento de Karl Marx, numa festa organizada pelo Partido Socialista de Chicago. Ele mesmo se engajou muito cedo. E foi num seminário organizado pelo partido, em 1939, que ele decidiu mudar o rumo de seus estudos universitários da matemática para a economia. O palestrante era o polonês Oscar Lange (1904-1965), que preconizava, justamente, a criação de uma espécie de socialismo de mercado em que houvesse controle social e planificação do investimento, mas não da produção de bens.

 

 

Em 1985, Minsky redigiu um ensaio autobiográfico no qual apontou Lange como a maior influência no seu início de carreira, acrescentando que seu programa de pesquisa, apesar de tanto tempo decorrido, ainda se mantinha coerente com as ideias do velho mestre. Ou seja, o mapa da utopia estava traçado desde sempre – ele apenas havia tornado os seus contornos mais nítidos, recorrendo, sobretudo, às obras do inglês John Maynard Keynes, sobre quem escreveu extensivamente e em quem também se amparou para defender um projeto de sociedade em que o Estado fosse grande e “salvasse o capitalismo de suas ineficiências”, tomando em sua mão visível, e pesada, as rédeas das decisões de investimento.

 

 

Minsky reservava ainda outro papel ao Estado: o de “empregador de última instância”. Sua tese era que o governo deveria garantir o pleno emprego, pagando salário mínimo a qualquer um que estivesse apto a trabalhar. A criação direta de postos de trabalho deveria ter precedência, nas políticas públicas, quer sobre programas de assistência social, quer sobre programas de treinamento e especialização dos trabalhadores. A estratégia deveria ignorar o grau de qualificação do desempregado. “Acolha-os do jeito que forem, e adeque os postos às suas capacidades”, dizia Minsky. Essa é sua proposta mais extravagante, e até os entusiastas hesitam em levá-la a sério. A primeira coletânea de seus escritos sobre emprego foi lançada apenas em 2013.

 

 

Como todo socialista, Minsky afirmava que suas preocupações eram a eficiência econômica, a justiça social e a liberdade individual. Há quem diga isso sem acreditar por um segundo nas próprias palavras. Minsky aparentemente pertencia ao grupo mais honesto, mas não menos perigoso, daqueles idealistas que acreditam que a equação socialista pode realmente ser benigna. “O que importa não é se a propriedade é privada, mas que a sociedade seja democrática e humana”, escreveu. Ele assistiu à derrocada da União Soviética e analisou o fenômeno, mas nem por isso perdeu a fé. Em boa parte, porque seus escritos nunca descem do plano da abstração econômica para estudar como, na prática política, a centralização de poder num Estado hiperdimensionado e dotado de poderes de planificação corrói o processo democrático.

 

A partir de releitura da “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, de Keynes, desenvolveu a “hipótese da instabilidade financeira. Para isso, analisou as decisões de investimento dos empresários movidas pelas expectativas de ganhos futuros. A concretização dessas decisões, porém, requer a disponibilidade de recursos financeiros. As fontes de financiamento podem ser internas (lucros retidos) ou externas (crédito bancário, ações etc.).

 

Os recursos externos permitem a expansão dos investimentos além da capacidade das fontes internas, na expectativa de obtenção de receitas superiores aos custos dos financiamentos. Trata-se, no entanto, de uma aposta de alto risco. As receitas esperadas são incertas, mas as dívidas possuem desembolsos predefinidos.

 

A expansão dos lucros sanciona as projeções passadas e realimenta as expectativas futuras. Isso contribui para a redução das margens de segurança dos empresários, que ampliam os investimentos, com maior endividamento.

 

Tangidos pela busca do lucro em um ambiente de expectativas otimistas, os bancos reduzem seus critérios de alocação do crédito e elevam a alavancagem (uso de capital de terceiros para ampliar suas operações). A introdução de inovações financeiras e a sua rápida difusão e imitação por outras instituições facilitam esse movimento expansivo do crédito e da liquidez, em geral, por meio de brechas nas restrições impostas pelas autoridades monetárias.

 

Com a expansão do endividamento, no entanto, as corporações ficam vulneráveis às alterações nos fluxos de lucros, nas taxas de juros e de câmbio etc. Quando as expectativas revertem, as estruturas financeiras construídas durante a euforia revelam-se insustentáveis. Os bancos procuram reestruturar seus portfólios, buscando ativos mais líquidos (títulos da dívida pública). Essa estratégia defensiva pode desencadear uma abrupta contração do crédito e, por conseguinte, falência em diversos segmentos.

 

Para Minsky, portanto, os períodos de instabilidade financeira resultam do aumento da fragilidade das estruturas de ativos e passivos dos agentes econômicos, engendrado durante a fase de prosperidade. O boom econômico, a “exuberância irracional”, o endividamento excessivo, a busca pela liquidez, o pânico são fenômenos endógenos à própria dinâmica de uma economia monetária.

 

A fim de conter essa instabilidade intrínseca, faz-se necessária a adoção de regras para os mercados financeiros, tais como limites à alavancagem dos bancos, à interpenetração patrimonial entre os agentes financeiros e não-financeiros, à exposição a determinados setores e investidores etc. Caso contrário, os movimentos de euforia e de pessimismo tendem a ser exacerbados.

 

Essa dinâmica, descrita em seus livros, tem aparecido de forma recorrente no comportamento dos agentes econômicos e reproduzido nas reportagens dos jornais. Durante o período de crescimento (2002-2006), as famílias e os bancos americanos assumiram cada vez mais dívidas e mais complexas (inovações financeiras).

 

A incapacidade de honrar os compromissos e a desvalorização dos imóveis e dos ativos lastreados nas hipotecas desencadearam o chamado “Minsky moment”, em agosto de 2007. Os investidores começaram a vender as hipotecas e seus preços desabaram, introduzindo uma ampla demanda por moeda. Os bancos centrais foram obrigados a injetar montanhas de recursos para tentar preservar a liquidez dos mercados.

 

Seus dois principais livros, publicados inicialmente por editoras universitárias, trazem a natureza da crise iniciada no mercado americano de hipotecas de alto risco.

 

A obra-prima de Minsky, “Stabilizing an Unstable Economy [“Estabilizando uma Economia Instável”] (…) estava certa. Um longo período de rápido crescimento, baixa inflação, taxas de juros baixas e estabilidade macroeconômica estimulou a complacência e uma maior disposição de assumir risco. A estabilidade levou à instabilidade”.

 

Hyman P. Minsky faleceu em Nova York, em 24 de outubro de 1996.

(Fonte:https://veja.abril.com.br/economia – ECONOMIA / Por Ana Clara Costa – 9 ago 2014)

(Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro – FOLHA DE S.PAULO – DINHEIRO – MERCADO / ARTIGO / Por MARCOS ANTONIO CINTRA DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS – São Paulo, 5 de outubro de 2008)

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