Foi a primeira banda só com mulheres a assinar contrato com uma gravadora

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O Fanny no começo dos anos 70, com Alice de Buhr, Nickey Barclay, June Millington e Jean Millington — Foto: Divulgação/Site oficial

O Fanny no começo dos anos 70, com Alice de Buhr, Nickey Barclay, June Millington e Jean Millington — (Foto: Divulgação/Site oficial)

O Fanny foi a primeira banda só com mulheres a assinar contrato com uma gravadora, nos anos 70. O quarteto teve hits na parada da revista “Billboard” e recebeu elogios de David Bowie e dos Beatles. Mas June Millington, vocalista e guitarrista do grupo, conta ao g1 que ouvia um único comentário:

“O melhor elogio que a gente recebia, e ouvimos centenas de vezes, eram homens chegarem até nós e dizerem: ‘Olha, nada mal para garotas’.”

Contando todas as formações, o Fanny existiu entre 1964 e 1975. Todas elas cantavam, se revezando nos vocais principais. Uma das características marcantes do grupo era esse jogo de vozes potentes e afinadas.

A formação clássica tinha a baterista Alice de Buhr, a tecladista Nickey Barclay e duas irmãs: June e a baixista Jean Millington.

O perigo de ser uma mulher do rock

 

June se mudou para os Estados Unidos com a família, em 1961, vinda das Filipinas. Eram tempos bem difíceis para ser uma pioneira do rock. Quando perguntada sobre isso, ela usou a palavra “perigoso” quatro vezes.

“Claro que quando eu comecei a tocar guitarra elétrica logo depois que nos mudamos para cá não havia lugar que você pudesse ir para conseguir informações… você tinha que perguntar às pessoas.”

“Para uma jovem, era perigoso, porque os homens sabiam dessas coisas e então quando eu pedia ajuda a eles, eles simplesmente achavam que eu estava dando em cima deles. Então, era perigoso e eu aprendi a lidar com meus medos ou com o que as pessoas estavam pensando.”

Para ela, homens no geral “não conseguiam aceitar o fato de que alguém estava se mudando para o bairro deles”. “Eles simplesmente odiaram a ideia, mas isso não nos impediu, claro, porque aqui estou eu falando com você agora e estamos em 2022, né?”

Escola de rock para garotas

Não impediu mesmo. Em 2022, aos 74 anos, June segue fazendo a parte dela para encorajar garotas e fazer com que mais e mais meninas se sintam à vontade para tocar guitarra, baixo, bateria e formar uma banda.

Em 1986, ela fundou o Institute for the Musical Arts, nos Estados Unidos. A instituição sem fins lucrativos ajuda garotas que buscam ser profissionais da música. Ela e a equipe fazem um trabalho de mentoria, mantêm um arquivo com gravações de mulheres na música e dão apoio logístico a essas jovens roqueiras.

“Queria dar um espaço seguro para as meninas conseguirem essa informação e é por isso que chamamos aqui de ‘reino mágico’ porque é um lugar seguro e cheio de magia com todos os tipos de equipamentos e dois estúdios de gravação.”

June adoraria vir ao Brasil e fazer um workshop, mas não tem nada previsto ainda.

Para Bowie, elas eram ‘maravilhosas’

O Fanny teve duas músicas no top 40 das mais ouvidas da “Billboard”: “Charity Ball” e “Ain’t that peculiar”, uma cover do Marvin Gaye (ouça trecho no vídeo do topo).

A banda teve apoio de músicos de grupos como Steely Dan e Steppenwolf. Mas o maior fã era David Bowie. Ele já falou bem delas várias vezes, mas o elogio mais famoso foi para a revista Rolling Stone, em 1999. O Bowie falou assim:

“Elas eram uma das melhores bandas de rock de seu tempo. Elas eram extraordinárias: escreviam tudo, tocavam como umas f.., eram colossais e maravilhosas, e ninguém nunca falou tanto delas. Elas são tão importantes quanto qualquer outra pessoa que já tenha sido importante, em todos os tempos; só que não era a época certa para elas.”

“Bem, é interessante. Ele era um fã de verdade”, reconhece ela. “Um dia, em Liverpool, Bowie nos convidou para uma festa em sua cobertura no hotel em que estávamos. Subimos até lá, a porta estava aberta e juro por Deus que parecia um filme. Era como um set de filmagem. Eram umas pessoas bebendo e conversando e fumando e tudo mais. Bowie tinha um senso, um gosto e refinamento e isso ecoava em tudo que ele fazia.”

“Quanto melhores eles eram, menos ego eles tinham, mais eles ficavam felizes por serem nossos amigos. Quer dizer, nós conhecemos todos os Beatles.”

Em sessões no estúdio do produtor delas, Richard Perry, elas conversaram com Paul, George, John e Ringo, várias vezes… Não foi a única conexão entre Fanny e Beatles. Elas gravaram uma cover de uma música de Lennon e McCartney: “Hey Bulldog”, da trilha sonora do filme “Yellow Submarine”.

Por que só falar do Fanny agora?

Quando alguém fala sobre as primeiras bandas de rock só com mulheres, os primeiros nomes que vêm na cabeça costumam ser o do Runaways ou do Go-go’s. Nas performances dessa e de outras músicas, ficava claro que elas cantavam e tocavam demais. E essa constatação deixa perguntas: Como é ver tanta gente falando delas agora? Não era para elas terem sido mais faladas nos anos 70 e 80? Por que será que tão dando mais valor a elas só agora?

“Bem, agora as pessoas estão prontas para ouvir boa música autêntica e o fato de que ela era tocada por garotas é impressionante. Mas nós éramos muito boas mesmo. Nós éramos inventivas, totalmente focadas. Queríamos ser estrelas. Quer dizer, você não entra no mundo da música porque não se importa. Então, estávamos muito focadas ​​e acabamos ficando cada vez melhores. Acho que só agora as pessoas estão prontas para nós. A sociedade não estava preparada.”

“Eu nem sei dizer quantos comentários no Facebook ou YouTube ou e-mails tipo de pessoas dizendo “eu não posso acreditar que eu não sabia quem vocês eram”. Eu estava lá. Eu estava viva, certo? Mas a sociedade tinha esse muro que não podíamos quebrar. E acredite em mim, nós trabalhamos duro. Quer dizer, estávamos na estrada o tempo todo. Estávamos gravando ou ensaiando e tocando, sabe? Foi um trabalho duro. Foi realmente um trabalho duro, mas veja só, aqui estamos.”

Em 2018, saiu o primeiro álbum do Fanny após 43 anos. A formação que toca no disco Fanny Walked the Earth reuniu as irmãs June e Jean Millington, a baterista Brie Howard e convidadas de bandas como Bangles, Runaways e Go-Gos. O reencontro com as outras integrantes aconteceu no documentário “Fanny: The Right to Rock”, lançado em 2021.

“Eu me lembro de pensar ‘Caramba, quando tocamos, quando ensaiamos, parece que temos 17 anos’. Porque essa é a idade que eu sinto que tenho dentro de mim, tenho 17 anos. Aqueles foram os anos em que tudo começou a se encaixar para mim, enquanto tocava. Dentro de mim, eu me sentia como se estivesse acordando, sabe?”

E por falar em ter 17 anos, qual nova banda de garotas ou outro nome da nova geração ela indica? A edição de 2021 do Grammy foi a primeira com mulheres dominando a categoria de Melhor Performance de Rock.

Mas June quis citar uma banda não indicada e que é bem mais nova: “Tem algumas coisas boas e cruas como as Linda Lindas, que é uma banda só de garotas.”

O quarteto de Los Angeles formado por garotas entre 11 e 17 anos viu suas performances viralizarem e renderam um contrato com uma gravadora. Elas cantam músicas como “Racist, Sexist Boy” e “Growing up”.

Kurt Cobain, do Nirvana, dizia que as mulheres seriam o futuro do rock. June poderia concordar de primeira, mas ficou relutante ao comentar a previsão do cantor.

“Hmmm, possivelmente, mas eu vou falar o que eu penso… Eu sinto que todo mundo se esqueceu dos vocais de apoio. Todos, até as bandas de mulheres, mesmo aquelas que vêm aqui para nossos acampamentos de rock para garotas. Todas se esqueceram da interação entre o vocal principal e os vocais de apoio.”

“E eu meio que sinto que até isso voltar… quem fizer isso primeiro vai mandar muito bem. Vai ser um marco. Ok, porque tem uma parte da música em que eu sinto que você precisa ter esse ponto de contraponto. Você precisa ter essa interação. Você precisa ter aquela discussão musical que todo mundo sabe quando ouve, mas nem todo mundo sabe o que é, certo? Então, eu não sei, não sei. Espero que seja, quer dizer, eu espero mesmo que seja feminino. Mas eu não sei.”

(Fonte: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/noticia/2022/05/31 – POP & ARTE / MÚSICA / NOTÍCIA / Por Braulio Lorentz, g1 – 

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