Euclides Francisco Amâncio, o Bajado, artista plástico, o maior pintor naïf em Pernambuco.

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A paixão do pintor pela folia de Olinda.

O artista plástico Bajado pintou Olinda com amor

Bajado foi, em Pernambuco, o maior pintor naïf – uma arte original e instintiva, produzida por autodidatas que não têm formação culta na área. “Ele era apaixonado por Olinda. Enlouqueceu com o carnaval e expressou seu sentimento pela festa através do seu dom. Noventa por cento do trabalho dele fala de carnaval. Seria importante que o estado criasse um acervo com as obras dele”, opinou a diretora do museu, Célia Labanca.

Em vida, Bajado também reproduziu inúmeras telas sobre o cotidiano, o sofrimento, as emoções e a cultura do povo pernambucano.

A criação de uma acervo também é o desejo da família, que acredita que Olinda deve isso ao artista, que chegou a incorporar o nome da cidade em sua assinatura. A história começou em 1964, quando ele e alguns amigos de profissão inauguraram o Movimento de Arte da Ribeira. “Um dia, ele encontrou redes e rendas do Ceará expostas no Mercado da Ribeira e ficou “arretado”. Ele defendia que o espaço era só para artistas olindenses. Então, ele saiu do grupo e passou a assinar “Bajado, um artista de Olinda”. Ela fazia isso para todo mundo saber que Olinda tinha um artista”, contou Giselda.

Na década de 1970, o italiano Giuseppe Baccaro, que estava visitando a cidade, ficou encantado com o primitivismo das pinturas e quadros a óleo do pintor e acabou virando o divulgador e administrador dos seus trabalhos. A partir de então, começaram a aparecer as primeiras exposições e o pernambucano ganhou o mundo. Apesar da fama, ele sempre viveu humildemente e devoto à Olinda.

Esse amor ferrenho pela cidade era compartilhado pelo cantor Alceu Valença, que convidou o pintor para desenhar o estandarte do bloco Bicho Maluco Beleza, criado pelo compositor. Todo olindense que se preza conhece o hino da agremiação: “Bicho maluco beleza do Largo do Amparo/ Teu estandarte tão raro, Bajado criou/ Usando tintas e cores do imaginário/ Ai, quantas dores causaste ao teu caçador”. “Assim como Bajado, eu também vim do interior de Pernambuco e adotei Olinda, que tem lindos casarios, muita tradição e história”, compara Alceu.

Na atual casa das irmãs Giselda e Iraci, imóvel humilde localizado na 1° Travessa da Rua da Saudade, há seis quadros do pai, todos sujeitos às intempéries do tempo e espaço, sem falar na falta de segurança.

Se olhado de maneira poética, é até prosaica a relação entre o nome da rua e o sentimento que fica no coração de quem conheceu o artista, que nunca se ausentou de Olinda até o dia de sua morte.

Há cem anos, nascia em Maraial, Mata Sul de Pernambuco, Euclides Francisco Amâncio. Na adolescência, mudou-se com a família para Catende, na mesma região. Desde muito pequeno, o menino mostrou talento no desenho. Seja para contar as cenas de um filme aos amigos ou para ganhar dinheiro pintando cartazes de cinema.

Mas foi quando decidiu morar em Olinda, nos anos 30, que Bajado encontrou sua melhor arte, seu verdadeiro lar. E, por outro lado, a cidade que é patrimônio histórico da humanidade e que completa 477 anos, no dia 12 de março de 2012, achou o seu maior cronista em pincel, cor e imaginação.

Imaginação que Bajado, apelido surgido na infância por causa de uma brincadeira, durante um jogo de bicho, tinha de sobra. Herança do cinema, um de suas grandes paixões. Quando criança, não tinha dinheiro para comprar ingresso. Então, vendia pão doce e bolinho de goma feitos pela mãe e avó para o público da sala de projeção.

Quando deixava o local, maravilhado, o menino pegava papel, desenhava e pintava a história que acabara de ver em formato de gibi. Seus filmes preferidos eram de faroeste. De tanto frequentar o local, acabou conseguindo um trabalho como letreista – pintava os cartazes das películas em temporada.

Quem lembrou a história foram as duas filhas de Bajado, Giselda Amâncio e Iraci Pereira, 72 e 52 anos, respectivamente. Elas moram em uma casa no bairro do Guadalupe, no Sítio Histórico. Iraci é filha de criação. Quando criança, ela aprendeu a ler e escrever com Giselda. Bajado gostou tanto da menina, que era filha de um amigo seu, que pediu para criá-la. “Eu tinha uns dez anos. Vivia na casa deles o tempo todo. Gostava de ver ele pintar”, lembra Iraci. Carlos Humberto, Carmencita, Edson e Idimion são os outros filhos do artista.

Giselda, que também é pintora, conta que quando Bajado terminou o ensino primário, foi morar com um amigo do pai no bairro do Derby, área central do Recife. “Meu avô queria que ele estudasse artes em um liceu no Recife, mas, quando chegou lá, não fizeram a matrícula dele, que ficou muito chateado.

Um dia, andando na rua, viu um homem pintando o letreiro de uma farmácia. Ai, ele falou para o dono da padaria que ficava ao lado que faria um mais bonito. No outro dia, o português estava com todo o material e meu pai fez uma pintura linda”, relembra.

O pintor não cobrou um centavo pelo serviço, pediu apenas divulgação. Assim, o tal português começou a fazer propaganda e Bajado, a ganhar dinheiro e aprimorar o trabalho. Pintava letreiros, fachadas e interiores de lojas comerciais, restaurantes e botequins.

Olinda entra no roteiro por acaso, em uma visita que ele fez só para conhecer a cidade. “Ele gostou tanto que resolveu ficar. Alugou uma casa e ficou trabalhando como letreirista e tipógrafo de jornais. Aos poucos, foi se interessando mais pela pintura de quadros”, explica Giselda.

Para Regina Coeli, pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, a mudança de cidade proporcionou a expansão artística de Bajado. “Mais que pintar letreiros e cartazes, ele pôde expandir seu talento artístico e sua liberdade de expressão. Através de uma mistura de cores e tintas, ele pôde pintar Olinda com amor, de forma ímpar. Sua cultura, seu povo, sem plágios e sem cópias”, contextualiza.

Bajado pintava quadros desde os 12 anos. Antes, gostava de retratar paisagens, santos, cenários bíblicos e de faroeste. Quando se mudou para Olinda, a cidade virou a temática principal. “O que mais encantou ele aqui foi o carnaval. Tanto é que ele pintou muitos blocos, troças, maracatus, personagens da folia. Também gostava do Alto da Sé e do Largo do Amparo”, enumera Iraci. As cores que mais aparecem nas telas são o vermelho, amarelo e azul.

Da Avenida Joaquim Nabuco, a família mudou-se para a Rua do Amparo. E foi da janela da casa de número 186 que o artista observou e cumprimentou muitas figuras que foram parar nos quadros dele. Essa janela funcionava como uma espécie de moldura das telas. “Ele adorava olhar as pessoas para se inspirar. Quando via algo, subia direto para pintar no eucatex. Ele riscava de lápis e pintava com tinta óleo”, disse Iraci. O imóvel foi lar e ateliê por 37 anos, até a morte do artista, em 1996, aos 84 anos, já cego, em decorrência de um enfarto, agravado pelo hábito do fumo.

A empresária Laiza Vilaça mora no imóvel há quatro anos. Ela transformou os dois primeiros cômodos em sorveteria. Bajado está representado pelo banquinho do antigo ateliê e por um autoretrato rabiscado na parede. “Eu coloquei um vidro para proteger, porque a parede é tombada pelo Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico]. Também comprei dois quadros e um autógrafo dele. Estou reformado o espaço para poder exibi-los. Acho importante preservar a história dele, que foi tão importante para a cidade”, comenta.

Na sede da Prefeitura de Olinda, 41 quadros do artista decoram a sala de reuniões, à qual os visitantes não têm acesso livre – um tesouro reservado a poucos. O Museu de Arte Contemporânea de Olinda (MAC) tem apenas quatro telas de Bajado em seu acervo permanente, que se revezam a cada ano nas paredes do lugar. A exposição “Salve o meu carnaval”, que traz 44 quadros de Bajado, está em cartaz desde janeiro no MAC. São telas que retratam a maior expressão popular da cidade, produzidas entre 1982 e 1985. Elas pertencem originalmente a uma coleção particular e foram cedidas especialmente para mostra.

(Fonte: www.g1.globo.com/ Pernambuco/noticia por Luna Markman – Do G1 PE – 12/03/2012)

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