Christopher Isherwood, escritor e dramaturgo anglo-americano.

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Christopher Isherwood (26 de agosto de 1904 – 4 de janeiro de 1986), escritor e dramaturgo anglo-americano.

(Fonte: http://www.caras.uol.com.br – 29 de maio de 2009 – EDIÇÃO 813 – Citações)

Quando pela primeira vez o encontrou em St Edmund”s, o internato que ambos frequentaram em Hindhead, no Surrey, Auden descreveu Isherwood da seguinte forma: «a small boy with enormous head and large eyes, carefully copying down the work of the boy at the desk next to his.» A intimidade começou mais tarde.

Wystan Hugh Auden continuou os estudos em Oxford, enquanto Christopher William Bradshaw-Isherwood optou pela “esquerdista” Cambridge. A viagem que fizeram juntos à China, coincidindo com a invasão japonesa, deu origem ao livro Journey to a War, publicado em 1939, no seguimento de outras co-autorias, de que são exemplo os dramas em verso The Dog Beneath the Skin (1935), The Ascent of F6 (1936) e On the Frontier (1938).

Ambos fazem parte da genealogia de escritores que ingleses e americanos reivindicam como seus: Auden e Isherwood, nascidos ingleses, tornados americanos; Henry James e T. S. Eliot, nascidos americanos, tornados ingleses.

O futuro autor de A Single Man (1964) emigrou para os Estados Unidos em 1939. Durante a guerra, trabalhou para o American Friends Service Committee, obtendo a cidadania americana em 1946. Não queria nada com a Europa. Tinha boas recordações da Alemanha anterior à guerra, em especial do período que ali passou (entre 1926-33), parte do qual na companhia de Auden, Herbert List, E. M. Forster e Stephen Spender, mas isso era um capítulo encerrado. Para os vindouros, ficou a placa em sua memória que existe na casa que habitou em Schöneberg.

Depois da morte dos amigos, Spender publicou The Temple (1988), romance autobiográfico, escrito em 1929, sobre a temporada em que todos, aproveitando as possibilidades da grave crise social e econômica da República de Weimar, tiraram proveito da sexualidade instável dos rapazes alemães.

No livro, Isherwood é citado por uma fracção do seu próprio nome: William Bradshaw. De acordo com Spender, já nessa altura Auden se referia ao amigo como o «romancista do futuro». Verdade que, sem a experiência alemã, Isherwood não teria podido escrever Mr. Norris Changes Trains (1935) e Goodbye to Berlin (1939), novelas fundidas em 1945 como The Berlin Stories. (Um projeto mais ambicioso, anunciado como The Lost, não viria a concretizar-se.) Foi a partir dessas novelas que Joe Masteroff e John Van Druten se inspiraram para escrever o guião de Cabaret (1972), o filme de Bob Fosse, com Liza Minnelli e Michael York.

Agora, Isherwood e o cinema voltam a encontrar-se: Tom Ford pegou em Colin Firth, Julianne Moore, Matthew Goode e Nicholas Hoult, transformando A Single Man num filme de sucesso. Firth, premiado em Veneza, é “George Carlyle Falconer”, o professor que perde o amante num trágico acidente de viação.

Com ação centrada em Los Angeles, em Novembro de 1962, logo após a crise dos misseis cubanos, A Single Man distingue-se de Cabaret pela inscrição gay. Nas Berlin Stories, o pano de fundo da ascensão nazi sobreleva a itinerância do sexo. Em A Single Man, a história do triângulo formado por George, Kenny e Jim é de natureza diferente.

Estamos (o livro é de 1964) no paleolítico da cultura gay, então inexistente como conceito. Porém, como nota Edmund White em The Burning Library (1994), a obra de Isherwood, e A Single Man em particular, deram um forte contributo à afirmação do movimento homossexual.

Um dos aspectos mais curiosos do livro radica na amarga rejeição do protagonista ao modelo hétero dos subúrbios americanos de classe média (a título de exemplo, “George” não tem amigos homossexuais). Como seria previsível, o filme amplia o enfoque identitário.

Também do ponto de vista político, A Single Man sinaliza um ponto de viragem na obra de Isherwood. À proclamação dos ideais marxistas, nítida nas peças que fez com Auden nos anos 1930, sobrepõe-se, na fase americana, a deriva do Eu: romances como Down There on a Visit (1962) ou A Meeting by the River (1967), que a crítica ortodoxa tem preterido em favor do epifânico The Memorial (1932), de Lions and Shadows (1938) ou mesmo Prater Violet (1945), que estabelece um contraponto entre a sua experiência de guionista (na Gaumont e em Hollywood) e a apatia do povo e dos artistas austríacos face ao Anschluss nazi. Friedrich Bergmann, o cineasta no centro da intriga, não tem respostas para Isherwood: «Por que não te matas? Como suportas isto? O que é que te faz suportar isto tudo?»

Seguidor dos Upanixades e autor de dezenas de textos sobre Sri Ramakrishna Paramahamsa e a filosofia vedanta (que largamente editou), traduziu do sânscrito para inglês o Vivekachudamani de Adi Shankara. Assim se tornou uma espécie de ave rara da intelligentzia americana.

Se toda a diferença perturba, a de Isherwood nunca se distinguiu pela parcimônia: oriundo das upper-classes britânicas, causticou sem ambiguidades as suas idiossincrasias; assumiu a homossexualidade sem álibis de “bom comportamento”; abandonou o marxismo quando ele estava em alta; exilou-se na Califórnia por oposição aos sofisticados círculos literários da Costa Leste; fez a defesa dos Vedas na sociedade da abundância; por último mas não em último, feito discípulo de Swami Prabhavananda, ajudou-o a traduzir o Bhagavad Gita.

Sublinhando com ênfase que a sua escrita é um exemplo do «melhor inglês narrativo do período» (anos 1930-40), Jorge de Sena fez a síntese lapidar: «estilo vivo e inteligente, inquietação de espírito, desilusão do mundo, sexualidade perturbada, gosto do fantástico e do grotesco, e uma amargura íntima e profunda que não há ioguismo que dissolva.» (cf. A Literatura Inglesa, 1963) Sexualidade “perturbada” era como, para amolecer censor, se designava a homossexualidade.

Natural de Wyberslegh Hall, no Cheshire, Christopher William Bradshaw-Isherwood nasceu a 20 de agosto de 1904. Como vimos, conheceu Auden muito cedo. Spender, com quem mais tarde viajou pela Alemanha, e Edward Upward, com quem escreveu The Mortmere Stories (contos apenas publicados em 1994), são amizades coevas. All the Conspirators, o primeiro romance, foi publicado em 1928.

Nessa altura já ele havia escrito People One Ought to Know, colectânea de poemas impressa em 1982. De facto, os poemas são de 1925, coincidindo com a temporada que Isherwood passou em casa de André Mangeot. (A edição inclui os desenhos feitos por Sylvain, o filho do violinista.) Não há notícia de reincidência poética.

A bibliografia é extensa e diversificada, muito marcada, nos anos europeus, pelas preocupações políticas. É notório o interesse pela ficção, o teatro e o memorialismo. Christopher and His Kind, a autobiografia de 1976, é um testemunho decisivo. Noutro registo, a biografia dos pais, Kathleen and Frank, publicada em 1971, não deixa de ser reveladora.

Edward Morgan Forster foi uma das amizades que fez em Berlim. Apesar da diferença de idades (o autor de A Passage to India, 1924, e Aspects of the Novel, 1927, era 25 anos mais velho do que Isherwood), frequentaram juntos os bordéis masculinos da cidade, divertindo-se na companhia de jovens operários alemães, tendo encontrado André Gide numa dessas surtidas. Para mais detalhes, consultar Der Puppenjunge (1926) de John Henry Mackay. O advento de Hitler pôs termo à movediça Camelot em que se transformara a capital alemã. Isherwood e Auden deixaram a Alemanha em 1933. Em 1939, antes da partida definitiva para os Estados Unidos, passaram uns dias em Sintra.

Pouco depois da chegada à América separaram-se. Auden permaneceu em Nova York, no n.º 7 de Middagh Street, em Brooklyn Heights.

No mesmo prédio viviam Carson McCullers e Erika Mann, Benjamin Britten e Peter Pears, Jane e Paul Bowles. Auden e Golo Mann ficaram “pendurados”.

Parece que todos se divertiam à brava, mas Isherwood preferiu ir com o fotógrafo William Caskey (com quem passou a viver) conhecer os países do Caribe.

O resultado da viagem está documentado em The Condor and the Cows (1949). No regresso, os dois estabeleceram-se em Los Angeles, tendo privado durante vários anos com Aldous Huxley, David Hockney e Igor Stravinsky.

Foi lá que, no dia de São Valentim de 1953, Isherwood conheceu Don Bachardy, então ainda com 18 anos. Bachardy, artista plástico, tornou-se um retratista de sucesso. Os dois viveram juntos até à morte de Isherwood, em 1986. São co-autores de Frankenstein: The True Story (1973) e October (1983). O casal foi imortalizado num quadro de Hockney, Christopher Isherwood and Don Bachardy, [ao alto]bem como num filme que Tina Mascara e Guido Santi estrearam em 2008: Chris & Don: a Love Story.

Ou seja, um decalque do que se passou com Auden depois de Isherwood o ter trocado por Caskey. Vejamos: Chester Kallman também tinha 18 anos quando conheceu Auden, também viveram juntos até à morte deste, e são co-autores dos libretos de várias óperas, entre elas The Rake”s Progress (1951) de Stravinsky e Elegy for Young Lovers (1961) de Henze. Num caso como noutro, a diferença de idades era gritante: Isherwood tinha mais 30 anos que Don Bachardy, e Auden mais catorze que Chester Kallman.

Quando a morte o surpreendeu, a 4 de Janeiro de 1986, Isherwood tinha 81 anos e cancro na próstata. Nessa altura, já ninguém se lembrava da mística (e das tropelias) do Auden Gang, de que ele fora um dos vértices. Neste momento, a obra passa por um processo de reavaliação, à margem dos preconceitos de tribo: os intelectuais que viam nele um hippie; os gays que têm dificuldade em lidar com a heterodoxia; a sociedade heterossexual que o olhava de viés. Em Portugal estão traduzidos O Memorial, Adeus a Berlim, O Mundo no Crepúsculo, Um Homem no Singular e Encontro à beira do rio, o último romance, injustamente subavaliado (o incesto entre irmãos continua a ser um tabu). Jonathan Fryer e Peter Parker são dois dos seus biógrafos. Baudelaire, o primeiro dos modernos, teria gostado de saber que ele traduziu os Journaux Intimes. Tudo visto, Isherwood é um continente por explorar.

(Fonte: daliteratura.blogspot.com/2010/02/christopher-isherwood – Eduardo Pitta – Fevereiro 19, 2010)

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