Carlos Penna Botto (1893-1973), almirante, foi um dos mais brilhantes oficiais de sua geração.

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Carlos Penna Botto (1893-1973), almirante, foi um dos mais brilhantes oficiais de sua geração. O mais persistente e notório cruzado do anticomunismo no Brasil aparecia nos jornais ao lado de intermináveis telegramas sobre a paz do Vietnam, assinada no dia 27 em condições que ele certamente desaprovou. Contudo, excluída essa infelicidade cronológica, Penna Botto, que desde 1964 estava relativamente desaparecido do cenário político, se não chegou a ver o país de seus sonhos, viu pelo menos alguns de seus pensamentos – que sempre pertenceram a uma grande faixa de militantes políticos – transformados em doutrina.

O almirante viveu sucessivamente as experiências simples do militar que não se envolve em política, cometeu as ingenuidades do oficial que se envolve com políticos e acabou encastelando-se num agressivo e melancolicamente inocente anticomunismo. Como oficial, escreveu dezenas de livros sobre guerra no mar e, em 1955, comandante-chefe da Esquadra, num gesto de grande ousadia política, recebeu a bordo do cruzador “Tamandaré” o presidente Carlos Luz, deposto horas antes pelo ministro da Guerra, general Henrique Lott. O cruzeiro do “Tamandaré” pretendia por o governo a salvo o tempo suficiente para um possível desembarque debaixo dos aplausos de um contragolpe. Contudo, Lott, que se dizia defensor do mandato do presidente eleito Juscelino Kubitschek, ameaçado por uma trama palaciana, tornou-se senhor da situação e a epopéia do “Tamandaré” acabou numa viagem entre o Rio de Janeiro e São Paulo.

O senhor da Cruzada – O almirante, que tomou a posição que lhe ensinava a honra militar, passou para o ostracismo das comissões e em 1958 foi para a reserva.

Durante algum tempo foi visitado por políticos agradecidos. Com o tempo, esses mesmos políticos faziam novas amizades na área mais rentável da oficialidade da ativa e, aos poucos, Penna Botto desiludia-se de seus companheiros, mas não de seus princípios.

Finalmente, livre de oportunistas e de superiores vingativos, edificou sua Cruzada Anticomunista e nela foi senhor absoluto. Dispondo de alguma fontes de suprimento, imprimia cartazes, publicava panfletos, fazia exposições e, nos bons tempos, organizava até comícios. Depois de 1964, quando a questão que tanto o apaixonava deixou o campo político para se instalar na esfera policial, a Cruzada começou a declinar enquanto seu senhor envelhecia. Nos últimos anos, ela chegou a deixar o Edifício São Borja, no Rio de Janeiro, indo para a casa do próprio Penna Botto. Enquanto isso, seus livros desapareciam das livrarias e até mesmo das estantes da Biblioteca Nacional.

Durante toda a sua carreira, Penna Botto nunca praticou o menor gesto pessoal que justificasse a acusação de oportunismo que lhe era atirada pelos inimigos comunistas. Mesmo comparado com o senador Joseph McCarthy, patrono do irracionalismo anticomunista na década de 50 nos Estados Unidos, Penna Botto resulta uma edição bem menos eficiente porém muito mais honesta.

A Revolução, que nos seus primeiros anos ofereceu generosos estribos a pessoas que não conseguiam apresentar outras credenciais além de um profundo ódio aos esquerdistas, nunca deu assento a Penna Botto e nem há registros ostensivos de que o tenha pedido.

Onde está o erro? – No dia de sua morte, o almirante era uma figura do passado. Contudo, uma rápida pesquisa em torno de seus livros e entrevistas revela um aspecto inquietante em sua doutrina.

Quase todas as vezes em que propôs soluções contra os males do comunismo na política interna, a crônica da atualidade parece lhe dar uma certa auréola de profeta. No entanto, todas as vezes que opinou sobre questões internacionais, o juízo da história mostra que o almirante estava catastroficamente equivocado. Eis alguns trechos de artigos e declarações do almirante Penna Botto:

– O Comércio com a Rússia Soviética significa também conivência vergonhosa com o cruel sistema de trabalho forçado, de trabalho escravo, ali existente. Esse sistema mantém em estado de servilismo cerca de 16 milhões de infelizes, homens e mulheres, espalhados por mais de 150 campos de concentração. A aceitação de mercadorias russas, produzidas por escravos que trabalham sob chicote, é sobremodo desumana. Fere os preceitos da moral cristã e traz como consequência o reconhecimento da legitimidade dos processos cruéis empregados. (1955)

– A Terceira Guerra Mundial – na sua forma aberta e declarada contra a Rússia Soviética -, a vir a lume a qualquer momento, terá fatalmente de colher o Brasil no seu vértice. (1952)

– No Brasil, um país onde o comunismo foi posto fora da lei, militares comunistas, provadamente comunistas, continuam no exercício ativo, alguns em funções de comando. (1952)

– Não consintamos em publicações de caráter comunista feitas em jornais, livros e revistas. Impeçamos a infiltração comunista nas organizações estatais. Evitemos que marxistas, quaisquer que sejam as suas tonalidades, exerçam funções administrativas ou técnicas no governo do país. (1952)

– Só no Estado de Minas Gerais o Exército apátrida é seguramente avaliado em 18 000 guerrilheiros armados, concentrados na sua maior parte no chamado Triângulo Mineiro. (1952)

– A liberdade de palavra depende da finalidade e da intenção de quem a usa. (1955)

– O comunismo derruba igrejas, profana altares, ordena que se olhe para baixo, na direção da vida material, condena a espiritualidade e endurece os corações. (1955)

– Os maiores centros de propaganda marxista e de espionagem são representados pelas embaixadas, legações e consulados da Rússia Soviética e dos países por ela subjugados. (1955)

– Sou adversário do general Charles de Gaulle por suas atitudes criptocomunistas dos últimos anos. (1969)

– Aproveitando-se da atual situação favorável, Formosa deve invadir a China Continental. (1969)

– Apelo ao papa para que se digne reagir espiritualmente contra a infiltração esquerdista e mesmo comunista na religião. (1969)

– Peço aos Estados Unidos para que acabem com a guerra no Vietnam, conquistando vitória integral. (1969)

– Apelo aos Estados Unidos e à Organização dos Estados Americanos para que ponham termo, manu militari, à cabeça de ponte comunista estabelecida por Fidel Castro em Cuba. (1969)

Penna Botto morreu dia 28 de janeiro de 1973, de derrame cerebral, aos 80 anos, no Rio de Janeiro.

(Fonte: Veja, 7 de fevereiro, 1973 – Edição n.° 231 – DATAS – Pág; 13 – ANTICOMUNISMO – Pág; 20/21)

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