Carlos Castello Branco, o Castellinho, jornalista colunista membro da Academia Brasileira de Letras.

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Castellinho, o jornalista e colunista que melhor traduzia a babel dos políticos

Carlos Castello Branco (Teresina, 25 de junho de 1920 -– Rio de Janeiro, 1° de junho de 1993), jornalista e colunista especializado em política, membro da Academia Brasileira de Letras. Temido e respeitado pelos políticos. A coluna sobreviveu a três Constituições e a treze governos, somando aos presidentes civis e militares a interinidade do deputado Ranieri Mazzilli depois da queda de João Goulart, a Junta Militar sucessora de Costa e Silva e o chabu de Tancredo Neves. Exerceu por 31 anos: evitar que as notícias de Brasília chegassem ao café da manhã alheio ainda embrulhadas na irrelevância e na barafunda do cotidiano político brasileiro. Ao longo dessas três décadas, a Coluna do Castello migrou do miolo do Jornal do Brasil (JB) para o canto esquerdo da página 2. Como se fosse uma linha dorsal, era nela que o noticiário político se pendurava.

Castelinho, como era chamado, formou-se em Direito em Minas Gerais (1943), mas toda sua vida foi dedicada ao jornalismo. Começou nos Diários Associados em 1939 e, depois de exercer cargos de chefia, resolveu dedicar-se à reportagem política, inicialmente no O Jornal (1949), depois no Diário Carioca e, a seguir, na revista O Cruzeiro. Iniciou-se na literatura com Continhos Brasileiros (1952).

Foi secretário de Imprensa no curto governo de Jânio Quadros (1961). Com a renúncia de Jânio, assumiu a chefia da sucursal do Jornal do Brasil, em Brasília (1962 a 1972). Ali nascia a Coluna do Castello, lida, apreciada e temida pelos políticos, pois escrita por um profundo conhecedor dos bastidores do poder e um intérprete arguto da realidade política. Manteve esta coluna até o fim de sua vida

A Coluna do Castello nasceu quase junto com Brasília. Mas amadureceu melhor do que ela. Coligida em livro, daria um cartapácio de pelo menos 8 000 páginas. O maior volume produzido por um só autor sobre essa fase do país. Descontadas as interrupções por férias e as provocadas por uns dias de prisão na deecretação do AI-5 em 1968, um enfarte em 1972, a perda do filho Rodrigo num desastre de automóvel em 1976 e a primeira investida do câncer em 1986, Castello, ao contrário de Brasília, teve uma linha de interpretação da realidade, seguindo os passos cada vez mais erráticos dos políticos brasileiros. Só isso bastava para fazer dela uma referência até para os fatos. O governo Collor pareceu mais perto do fim quando Castello, depois que o presidente tentou justificar-se com a tenebrosa Operação Uruguai, anunciou que ele não tinha mais remédio.

“ESCREVO SEM PENSAR” – A coluna sobreviveu a três Constituições e a treze governos, somando aos presidentes civis e militares a interinidade do deputado Ranieri Mazzilli depois da queda de João Goulart, a Junta Militar sucessora de Costa e Silva e o chabu de Tancredo Neves, internado na véspera da posse. Quem acha que o sucesso da coluna era abastecido por premonições pode, aliás, adotar como argumento o caso de Tancredo. No dia em que ele assumiria a Presidência, sem que houvesse na praça a menor suspeita de crise intestinal, Castello avisava: “Ao longo de sua vida, Tancredo jamais concluiu uma missão”.

Lendo o futuro no passado dos políticos, há muitos anos Castello extraía sua coluna de uma rotina singular para um jornalista especializado em política. Na capital, era um excêntrico. Acordava cedo. Numa profissão atormentada pelo relógio, ele escrevia sempre pela manhã. Abria, antes do porteiro, a sucursal do JB em Brasília. Não procurava políticos. As fontes é que iam beber em seus ouvidos. Antes do meio-dia, a coluna estava pronta. Eram 75 linhas que jorravam da máquina de escrever com regularidade mecânica. Trinta minutos, cronometrados. “Escrevo sem pensar”, dizia Castello. No entanto, o resultado era um texto cuidado apesar da rapidez, claro mesmo quando enveredadas por longas frases de raras vírgulas, fluente até para usar palavras como “prolegômenos” e, sobretudo, capaz de cortar com a elegância de um golpe de florete.

Era esse texto que lhe permitia dormir de tarde, mesmo que desabasse em Brasília o mundo dos políticos. Piauiense estudando Direito em Belo Horizonte com mesada curta, entrou numa redação antes de se formar ainda na década de 30. Vinha, portanto, de uma época em que o jornalismo, por anacronismo empresarial camuflado em charme de profissão liberal, era estiva em horário boêmio. Em 1950, Castello era editor de política do Diário Carioca – o tal que renovou a profissão – e nem por isso estava livre de viver de bicos. Acumulava seis empregos, inclusive o invariável arrimo no serviço público, como procurador do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários. Em 1960, já colunista, foi nomeado por Juscelino Kubitschek procurador do DNER.

HUMOR BRUSCO – Nessa forma de jornalismo antigo ele fundiu um modelo de comentarista político moderno. Dono de memória que nunca parecia esquecer nome ou fato, lembrava-se de tudo na hora de escrever. Lacônico, falava tão pouco que foi capaz de encerrar uma conferência, para uma turma de jornalistas, respondendo com um monossílabo à primeira pergunta do auditório: “Não”. Sua dicção era ruim. “Minha técnica sempre foi essa – ficar calado”, explicava.

Falando, seu humor era brusco. Foi apresentado ao presidente Castello Branco com uma pergunta formal: “O senhor sabia se somos parentes?” Castello, direto: “Cada vez mais próximos, Marechal”. Escrevendo tinha todas as licenças da língua portuguesa para furar reputações a sangue-frio. No começo do regime militar, pegou o esquerdismo de dom Helder Câmara assim: “Recebido ontem pelo presidente Castello Branco em Brasília, dom Helder relacionou sua atitude avançada em matéria política com o tom imposto à vida pública pelo senhor João Goulart. Quando se servia vodca e cachaça, não podia servir laranjada”. Trinta anos depois, pegou à unha a mina de mediocridade do governo Itamar Franco: “O presidente da República vai consolidando a impressão histórica de que, pelos traços da sua personalidade, seria alguém incapaz de trocar a porta da botica de sua cidade pelo comando de reuniões cuja agenda e cujos participantes se voltassem para um outro tipo de responsabilidade”. O presidente Fernando Collor, foi seu estagiário no Jornal do Brasil. Há dez anos, no Dicionário Histórico e Biográfico Brasileiro, quem-é-quem da política nacional entre 1930 e 1983, o verbete “Castello Branco, Carlos” ocupa uma página e meia. “Franco, Itamar” levou a metade.

PEDIDO DE DEMISSÃO – Castello tinha um fraco pelo amigo José Aparecido, nomeado ministro das Relações Exteriores. Fora isso, a coluna escondia suas afeições. O presidente José Sarney era íntimo. Quando no Planalto, Sarney nomeou a mulher de Castello, Élvia, para o Tribunal de Contas da União e lhe apadrinhou a eleição à Academia Brasileira de Letras, na cadeira número 34 em 1982. Mas, em 1987, quando Sarney andava às turras com a Constituinte, Castello escreveu que estava na hora de encurtar o mandato e chamar eleições diretas. Apoiou o golpe contra João Goulart. Mas na cassação de Juscelino Kubitschek, meses depois, decretou: “A revolução sectarizou-se definitivamente”.

Na ditadura, em 1971, Castello teve em Roberto Medici, filho e secretário do presidente, um fã, no chefe do Gabinete Civil, João Leitão de Abreu, uma fonte de informação quase cativa, e no ministro da Indústria e do Comércio, Pratini de moraes, um parceiro semanal de sua mesa de pôquer. Mas foi justamente nesse governo que pediu duas vezes demissão ao jornal, debaixo de pressões para que amaciasse a coluna. No dia 1° de junho, Itamar declarou em nota oficial que em Castello “a palavra sempre militava a favor da nação”. Quinze dias antes, mandara ao Jornal do Brasil uma carta denunciando a má vontade do colunista.

Mal sabe o presidente Itamar Franco o que dele dizia Carlos Castello Branco no dia 19 de março, véspera da operação. “Ele está pior do que eu, e eu estou com câncer”, comentou com amigos no Leblon para tentar a cirurgia que, na melhor das hipóteses, lhe daria dois anos de sobrevida. Era a véspera da nomeação de Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda. O governo parecia atolado numa daquelas suas confusões terminais. Cheirava à tinta a sala do apartamento de Castello, que voltava ao Rio de Janeiro depois de morar em Brasília desde a fundação da cidade.
A coluna que manteve por décadas no Jornal do Brasil é um marco do jornalismo político. Seu acervo encontra-se no Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa.

Luto nos bastidores

Foi póstumo o último serviço do jornalista Carlos Castello Branco aos leitores do Jornal do Brasil. Sua morte ocupou onze páginas inteiras da edição deo dia 2 de junho, tratamento fúnebre reservado a personagens históricas. E expulsou para o fundo do jornal o noticiário sobre a xaropada governamental do dia – uma reforma ministerial que naquele momento transitava pela oferta de uma Pasta dos Remédios ao PP do governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz. Morrendo de enfarte, num calvário de complicações hospitalares, depois de uma operação de câncer na faringe e na língua, Castello foi reconduzido pelas homenagens fúnebres a reocupar por mais um dia o lugar que, em vida, exerceu por 31 anos. Seu enterro contou com a presença dos governadores Antonio Carlos Magalhães, Leonel Brizola e Hélio Garcia, além de Sarney. E não foi porque Castello agradasse indiscriminadamente os políticos. Mas porque, nos últimos anos de carreira no jornalismo, ficaria mais ou menos do tamanho de seus personagens. Aos 72 anos, a coluna pasara a fazer parte de seu metabolismo.

(Fonte: Veja, 12 de maio de 1976 – Edição n° 401 – DATAS – Pág; 77)
(Fonte: Veja, 9 de junho de 1993 – Edição n° 1291 –- ANO 26 -– N° 23 – Memória/ Por Marcos Sá Corrêa – Pág; 92/93)
(Fonte: www.180graus.com/cultura – É O ESPECIAL PIAUÍ 251 ANOS – 07/10/2010)

 

 

ELEITO: dia 4 de novembro de 1982, no Rio de Janeiro, o jornalista Carlos Castello Branco, 62 anos, para a cadeira número 34 da Academia Brasileira de Letras. Recebeu 21 votos, enquanto Mário Quintana obteve dezessete e o terceiro concorrente, Abdias do Nascimento, nenhum.

(Fonte: Veja, 10 de novembro de 1982 – Edição 740 – DATAS – Pág: 133)

 

 

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