Benedito Valadares, símbolo da astúcia do político mineiro e do cacequismo da Revolução de 1930.

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Fim de um símbolo

Benedito Valadares (Pará de Minas, 4 de dezembro de 1892 – Rio de Janeiro, 2 de março de 1973), símbolo da astúcia do político mineiro e do cacequismo saído das mochilas da Revolução de 1930. Desde 1970, Valadares estava longe da política, pois sua cadeira no Senado foi ocupada pelo deputado Gustavo Capanema, ministro da Educação de Getúlio Vargas que, aos setenta anos, recebeu o mandato em nome da renovação dos quadros.

Durante quase meio século de atividade política, Valadares construiu um dos mais ricos anedotários políticos do país. Parecia distraído e, graças à falta de atenção dos outros, acabou se tornando, em 1933, governador de Minas Gerais. O presidente Getúlio Vargas pedira aos notáveis do Estado uma lista da qual escolheria um nome. Pediu apenas que incluíssem o obscuro Benedito Valadares e, como os notáveis pensaram que isso fosse uma manobra para lhe dar prestígio, incluíram-no. Deram-lhe o poder, que só deixou em 1945.

Sem nada de bobo – Sua ignorância foi durante muitos anos o exemplo da incopetência do Estado Novo. Contudo, a escolha de alguns de seus assessores mostra que, mesmo tendo saído de Pará de Minas, pequena cidade do interior, não era tão simplório como diziam. Para prefeito de Belo Horizonte indicou um jovem médico, Juscelino Kubitschek de Oliveira (presidente da República de 1956 a 1961). Seu secretário da Agricultura era Israel Pinheiro (governador de 1966 a 1970). Na sua assessoria estava Crispim Jacques Bias Fortes (governador de 1956 a 1960). E, finalmente, para diretor da Penitenciária de Neves, nomeou José Maria Alkmin (ministro da Fazenda no governo Kubitschek e vice-presidente da República de 1964 a 1967).

Como falava baixo e pouco, evitando conceitos e indiscrições, ganhou a fama de silencioso por ter dito: “Estou rouco de tanto ouvir.” Como traía seus aliados com a mesma elegância com que foi traído por todos os seus protegidos, passou a encarnar a falta de escrúpulos políticos por ter descoberto que “a inimigo não se pede nada, nem mesmo demissão.”

Divertia-se com o poder. Como interventor, convocou um secretário do governo para ir fazer pipocas no palácio durante a madrugada. (E o secretário não sabia fazer pipocas.) Como senador, ocupou a presidência da Comissão de Relações Exteriores e durante muitos anos, com todos os governos, foi enviado como observador à Assembleia-Geral das Nações Unidas, mesmo não sabendo uma só palavra de inglês. Em troca, não são poucos os diplomas que lhe devem uma gentileza por ter ajudado a promovê-los ou a removê-los de maus postos no exterior.

O povo percebe – Por vaidade frequentava algumas recepções diplomáticas e numa delas, em Brasília, caiu no lago da Embaixada, mas seus gostos eram mais simples, assim como seu pensamento político era rudimentar. Gostava de comprar frutas nuam pequena loja do Leme e de percorrer sua fazenda de Minas Geraius num velho jipe de carcaça enferrujada. Mesmo ocupando postos importantes na hierarquia do Partido Social Democrático, sua política era feita com poucos discursos e muitas nomeações de delegados, professores de grupos escolares e juízes. Por mais paradoxal que possa ter parecido, cometeu dois romances – “Espiridião” e “A Lua Caiu” -, além de um livro de memórias, intitulado “Tempos Idos e Vividos”. Nele, omite os fatos mais importantes de sua vida política. Mas, explicando as tramas que levaram o país ao golpe de novembro de 1937, quando Getúlio Vargas inaugurou o Estado Novo, escorregou em suas próprias ideias e talvez tenha presenteado os leitores com a chave de seu pensamento: “É interessante observar o ser possível fazer-se uma revolução, às claras, sem o povo desconfiar.”

A paixão pelo poder – De fato, os preparativos do golpe haviam passado despercebidos, mas acreditar que o poder seja capaz de se distrair diante de uma revolução era um sintoma do erro essencial da política de Valadares. Para ele, bem como para muitos de seus colegas de muitas gerações, o poder, a desgraça, as revoluções e os presidentes nascem, vivem e morrem dentro do espaço estreito dos gabinetes. Era capaz de se adaptar a uma ditadura como a Vargas e de ressurgir dela como um perito eleitoral, mas, como sua virtude era técnica, os eleitores representavam apenas um conjunto de professoras, delegados e cabos eleitorais. Um dia perdeu o controle da máquina e sua estrela apagou-se. E de nada adiantaram suas advertências de que a Arena poderia ser derrotada em 1970. Ele simplesmente não era mais necessário.

Mas não se pode dizer que Valadares tenha conhecido o ostracismo. A partir de 1968, ainda no exercício de seu mandato de senador, atingiu o limite de suas forças e aos poucos faltou-lhe a memória. Assim, quando deixou o Congresso, abandonou definitivamente a política e passou a viver entre sua fazenda e o apartamento do Rio de Janeiro.

Valadares morreu em 2 de março de 1973, aos 81 anos, numa casa de saúde do Rio de Janeiro. Isso poderia significar o fim de uma era, mas, como ainda há muitos pajés do Estado Novo na taba política brasileira, é preciso esperar ainda alguns anos para se poder anunciar o fim dessa vigorosa raça a caminho da extinção pelo peso implacável dos anos.

Valadares, deixou uma cidade com seu nome – Governador Valadares – e juntou-se à grande lista de políticos brasileiros que caem no vão que separa duas gerações. Mas, para os que vêem em homens com suas habilidades omonstro da corrupção, Valadares responde com a suprema astúcis dos que só gostaram do poder: depois de doze anos de governo e dezesseis de Senado, tinha dois apartamentos no Rio de Janeiro, 31 alqueires em Minas Gerais e alguns milhares de cruzeiros em letras de câmbio.

(Fonte: Veja, 7 de março de 1973 – Edição nº 235 – MEMÓRIA – MINAS GERAIS – Pág; 19)

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