A primeira obra a combinar instrumentos acústicos e música eletrônica

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O Festival de Darmstadt, unanimemente considerado a porta da música de vanguarda mas que fez parte do “esforço de guerra psicológico” que os americanos implantaram na Alemanha do pós-nazismo. A idéia era “redirecionar a vida musical alemã para a internacionalidade’.
O repertório musical dos primeiros festivais de Darmstadt é mais interessante do que as discussões áridas sobre economia de guerra. O primeiro festival, em 1946, foi feito maciçamente anteriores ao início da 2ª Guerra Mundial. É como se o período 1939-1945 não tivesse existido, pelo menos musicalmente. O objetivo era mostrar a música que os nazistas haviam proibido, mas a contradição aparece sem tardar. Ali está a música de Carl Orff, tão intimamente ligada ao nazismo. A presença de Orff no mesmo festival que apresenta uma parceria do arqui-modernista Paul Hindemith com o comunista Bertold Brecht é incongruente? Certamente, mas os anos de pós-guerra eram pintados com diversos matizes de cinza. As cores fortes das ideologias ficaram para mais tarde.
Os rumos de Darmstadt começaram a mudar em 1948, quando o franco-polonês René Leibowitz, teórico da música serial e dos rigores modernistas mais rigorosos, é chamado como professor de composição do evento. O festival daquele ano começou inocentemente, com uma ópera de Mozart. Mesmo aí dois fatos chamam a atenção, novamente pela incongruência.
Pela primeira vez Olivier Messiaen, o deflagrador da vanguarda, comparece com uma composição de Werner Egk são tocadas. Werner Egk! O compositor dos nazistas surge entre os vanguardistas de primeira hora. Na infância de Darmstadt, o colaboracionismo de compositores com regimes autoritários parece não importar muito – Orff e Egk, por isso eram presenças bem-vindas.
Em 1949, o Festival de Darmstadt comemorou os 75 anos de Arnold Schoenberg, mestre do atonalismo e da música serial. É naquele ano que o nosso Hans-Joachim Koellreutter compareceu para uma conferência: A música dodecafônica no Brasil. César Guerra-Peixe, único compositor brasileiro a ter uma obra sua tocada nestes primeiros anos de Darmstadt, também aparece em 1949. E já outras novidades batiam à porta para além da “música dos 12 sons”. A música eletrônica surge no festival de 19520. Um ano depois é a vez da musique concrète francesa, através dos seus artíficies principais, Pierre Schaeffer e Pierre Henry.
Enfim, o grande momento de concretização da música de vanguarda dos anos 1950, sua monumentalização, ocorreu no festival de 1952. No dia 13 de julho, Messiaen apresentou os eus Quatro Estudos de Ritmo, protótipos do serialismo total que teria uma vida curtíssima mas que então se apresentava como autêntico futuro musical. No dia 19, Pierre Boulez estreou sua segunda sonata para piano. No dia 20, é novamente a vez de Messiaen com suas monumentais Vinte Reflexões sobre o Menino Jesus, a um só tempo cristãs e vanguardistas.
Um dia depois, duas estréias para fazer história: Kreuzpiel, de Karlheinz Stockhausen, e Música em Duas Dimensões, de Bruno Maderna, a primeira obra a combinar instrumentos acústicos e música eletrônica. A vanguarda estava de pé. A esta altura, o apoio oficial norte-americano já tinha sumido. Desde o festival de 1949, relatórios apontavam mudanças “preocupantes” nos rumos do festival de Darmstadt. Da inocente amostragem de obras banidas pelos nazistas, Darmstadt tinha se tornado destruidora de mitos e instauradora de novas estéticas distantes de qualquer modelo abençoável pelo apoio oficial.

(Fonte: Zero Hora, sábado, 22 de março de 2008 – Ano 44 – N°15. 545 – CULTURA – Música – Por Celso Loureiro Chaves – Pág; 7).

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