A primeira Escola de Arquitetura da América do Sul criada desvinculada das Escolas Politécnicas

0
Powered by Rock Convert

A primeira Escola de Arquitetura da América do Sul criada desvinculada das Escolas Politécnicas ou das Escolas de Belas Artes

A Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais – EA UFMG foi fundada por um grupo de idealistas em 1930, tendo sido federalizada em 1949, sendo a primeira Escola de Arquitetura da América do Sul criada desvinculada das Escolas Politécnicas ou das Escolas de Belas Artes. Podemos entender que sua fundação deu-se ainda sob a influência do movimento moderno, que começa a se impor no país após a Semana de Arte Moderna de 1922. No campo da arquitetura, vão ser especialmente importantes as mudanças realizadas por Lúcio Costa quando assumiu a direção da Escola Nacional de Belas Artes, na década de 1930, mudando seu corpo docente e orientação de ensino, incluindo modernista no júri do Salão Nacional de Belas Artes. Estes acontecimentos foram seguidos de imediata reação dos arquitetos tradicionalistas, principalmente aqueles ligados ao neocolonial, e isto transformou a luta pelo controle das instituições públicas num fato importante durante a década de 30. Nesta ocasião, a política cultural, após a revolução de 30, passou das luxuosas mansões paulistas, do período áureo da café, para os corredores e salas das repartições culturais. Esta realidade, de uma nova arquitetura, no caso mineiro, pode ser observada já na produção dos alunos que a escola formava em suas primeiras turmas.

Neste período, durante o Estado Novo de Getulio Vargas, movimentos de nacionalismo e identidade nacional eram criados e reforçados. Neste contexto Getúlio Vargas em 1934, convidou o mineiro Gustavo Capanema para assumir o Ministério da Educação e Saúde, que tratava também das questões da cultura. Tendo em vista suas afinidades com a questão da tradição brasileira, considerando suas referências de origem de um estado com expressivos registros da arquitetura colonial urbana, assim como suas amizades com mineiros “letrados”, fez de Capanema um ministro cercado pelos intelectuais modernistas, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Lúcio Costa, dentre outros, que possuíam idéias avançadas para o tempo em que viviam. (CAVALCANT, 2004).

O trabalho desenvolvido por Lucio Costa, também é citado, por sua importância enquanto um dos maiores mentores do modernismo na arquitetura brasileira, assim como, por tradicionalmente ocupar importante cargo no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico e Nacional – IPHAN, e atividades técnicas de relevância na instituição. Lúcio Costa, além de ter sido Diretor da Divisão de Tombamentos, função que de maneira simplificada, podemos dizer que definia quais bens seriam inscritos nos livros do Tombo, por conseqüência, quais localidades o IPHAN iria atuar, delimitando assim, de certo modo parte das atividades dos modernistas na instituição. Lúcio representava também o Congresso Internacional de Arquitetura Moderna – CIAM no Brasil, demonstrando sua forte influência modernista corbusiana (MOTTA, 1987). Lúcio Costa se tornou mais especial neste contexto devido seu passado neocolonial, tendo por orientação do “neocolonial” José Mariano, viajado pelo interior de Minas Gerias. Portanto desde a década de 20, possuía conhecimentos de grande parte do acervo urbano de origem colonial, neste Estado, que possui um dos maiores números de bens e conjuntos urbanos considerados de valor excepcional para a nação brasileira. Estando evidente sua leitura em relação a conexão entre arquitetura colonial e modernista através da publicação do artigo “Documentação Necessária” em 1937, na revista de nº1 do IPHAN.

Neste contexto o arquiteto Sylvio de Vasconcellos, já em 1939, seguiu similarmente caminhos próximos ao de Lúcio Costa. A convite do presidente do IPHAN, Rodrigo Mello Franco de Andrade, foi chefe do Distrito do IPHAN (cargo hoje denominado Superintendente) em Minas Gerais, se responsabilizando pela salvaguarda dos bens culturais do estado até 1969. Foi professor (de 1948 a 1969), e Diretor (1963 a 1964), da EAUFMG, assim como foi um dos principais supervisores e fundadores, do Laboratório de Fotodocumentação, que possui em seu acervo fotográfico o registro e a demonstração da busca por uma construção dos caminhos modernistas através da arquitetura tradicional, neste caso, em especial a do Estado de Minas Gerais.

O Laboratório de Fotodocumentação foi criado no ano de 1954, iniciando o registro fotográfico do acervo arquitetônico e artístico de relevância no Estado de Minas Gerais. O acervo fotográfico do Laboratório de Fotodocumentação foi gerado a partir da delimitação pelo seu Supervisor dos registros da arquitetura e das artes a serem realizados. Sendo assim programadas e realizadas as viagens pelo interior de Minas Gerais e outras regiões do Brasil, com objetivo de formação de acervo para auxílio de ensino e pesquisa em arquitetura, assim com registro documental da realidade e das transformações da arquitetura e das artes no espaço urbano e rural daquele momento.

O registro das cidades tradicionais mineiras, das imagens raras das primeiras arquiteturas de Belo Horizonte desde o acervo da recém construída capital até o topo do modernismo com a Pampulha, realizado pelo Laboratório de Fotodocumentação, sob a supervisão de Sylvio de Vasconcellos, representa uma raridade, se levarmos em consideração, além das imagens, seu roteiro de elaboração, que ocorreu dentro de um universo de ensino tão específico.

No roteiro executado para registros da arquitetura e arte pelo Laboratório de Fotodocumentação, estabeleceu-se regras e definições dos temas relacionados à arquitetura nacional e suas especificidades temáticas. Dentre os inúmeros temas abordados pela equipe, tratava-se de esclarecimentos e necessidades colocados pelos professores, e estava contemplado o item evolução e desenvolvimento da arquitetura brasileira, que resultou nas inúmeras publicações realizadas pela Escola de Arquitetura da UFMG. As publicações ilustradas foram indispensáveis como meio permanente de propaganda e força cultural. Nelas foram gradativamente reproduzidas também obras de arte pertencentes ao patrimônio artístico nacional. Foram publicados estudos técnicos, críticas especializadas, pesquisas estéticas, e amplo material da arquitetura e artes em Minas Gerais e parte do Brasil.

A partir desta realidade, entendemos que o trabalho do Laboratório de Fotodocumentação, pode ser visto como um estudo técnico, e uma produção especializada. As fotografias do Laboratório tomam a história na forma de um desenvolvimento temático criterioso, o pensamento organiza-se em compartimentos, onde os planos universal e particular se sobrepõem, deixando em aberto suas interligações. O acervo apresenta papel simbólico, onde se pretende determinar o papel correto para a pesquisa histórica em arquitetura, e por desdobramento a política adequada de ensino da arquitetura brasileira.

Na estruturação do acervo, é colocado o destaque para o estudo da arquitetura e das artes de origem colonial, apontando os caminhos existentes quanto aos estudos deste tema até então, e na seqüência define um programa básico de pesquisa, que é demonstrado através das publicações realizadas pela Escola de Arquitetura. Neste sentido o acervo aponta foco na arquitetura, enfatiza as particularidades da arquitetura portuguesa no Brasil, que representa resultado das condições do meio a qual está inserida, material construtivo disponível, e o resultado de uma produção a partir até mesmo de uma mão de obra não especializada. Demonstrando assim a necessidade de voltar o estudo da arquitetura ao século XVIII, XIX e XX, ampliando-se os registros não apenas às obras religiosas e oficiais, mas às casas populares, e até mesmo à questão social do surgimento das “favelas”. Demonstrando a importância do tratamento em igual importância da arquitetura em sua amplitude.

Utilizando-se desta estrutura, o Laboratório de Fotodocumentação contempla em seu acervo fotográfico a arquitetura tradicional mineira e brasileira, em uma categoria, como uma unidade, eliminando divergências quanto ao valor artístico dos monumentos em geral, assim como da arquitetura contemporânea daquele momento. Demonstra através da fotografia, a arquitetura tradicional, e como ela pode justificar a necessidade da adoção da arquitetura moderna no Brasil. Com ocorre, por exemplo, com a argumentação de Lúcio Costa, em seu artigo publicado na revista nº1 do IPHAN “Documentação necessária”, onde ele utiliza-se do exemplo da trajetória histórica ao longo dos séculos desde os séculos XVII ao XX, da relação dos vãos com as paredes, para justificar a continuidade da arquitetura moderna, neste caminho, com seus panos de vidro. Esta argumentação trás legitimidade para a arquitetura moderna daquele instante.

Entretanto o acervo documentação pela EAUFMG não faz restrição ao ecletismo, registra a arquitetura de Belo Horizonte intensamente, em seus vários estilos. Entretanto há uma expressiva valorização do colonial urbano e rural, do popular, não sendo descartada as demais formas e estilos arquitetônicos. É utilizada a oportunidade, da circulação de uma produção científica e de ensino impressa em uma escola da universidade federal, para demonstrar que o modernismo, compactua e respeita o tradicional e o complementa, não deixando porém de demonstrar a realidade da cidade e da arquitetura existente.

(Fonte: http://www.forumpatrimonio.com.br/laboratorio)
(Fonte: Veja, 6 de fevereiro de 1980 – Edição N° 596 – ARTE/ Por Marco Antônio de Menezes e Sylvio de Vaconcellos – Pág; 88/89)

Powered by Rock Convert
Share.