Pedro Álvares Cabral, navegador português, o descobridor do Brasil

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Um ilustre desconhecido

Pedro Álvares Cabral (Belmonte, 1467 ou 1468 – Santarém, c. 1520), navegador português, o descobridor do Brasil

Não teve, tampouco, seu nome incluído na mais fantástica celebração das conquistas marítimas portuguesas, Os Lusíadas, de Luís de Camões. Enquanto as grandes navegações do final do século XV e início do XVI transformaram Vasco da Gama, Bartolomeu Dias e Fernão de Magalhães em heróis, Cabral morreu no ostracismo.

Ele empreendeu uma das mais importantes navegações portuguesas, voltou a Lisboa festejado pelo rei e subitamente desapareceu das crônicas, morrendo por volta de 1520, quase no anonimato, numa casa modesta em Santarém, ao norte de Lisboa. Na lápide tumular, nenhuma referência a qualquer de seus feitos.

Mau humor – Durante séculos cultivou-se a ideia de Cabral como um personagem menor na história das navegações. Dono de um caráter irascível, famoso por suas crises de mau humor (credita-se às febres intermitentes, provocadas pela malária contraída ainda aos 17 anos, quando lutava no Marrocos), Cabral desentendeu-se com todo mundo que importava em seu tempo. A começar pelo próprio rei, passando por aquele que se acredita ter sido o maior de todos os navegadores portugueses, Vasco da Gama. No quesito “sorte madrasta” entra a verdadeira tragédia em que se converteu sua viagem à Índia, a mesma em que o Brasil foi descoberto.

O navegador partiu de Lisboa com destino à Índia com treze navios e retornou com apenas seis. Os azares renderam má fama a Cabral. O resultado: logo depois de voltar de sua viagem, o navegador encrenqueiro e desafortunado partiu para um exílio voluntário em Santarém e caiu no esquecimento. Para piorar, as novas terras que ele batizara como Ilha de Vera Cruz não teriam serventia para Portugal durante várias décadas. Os portugueses tinham mais interesse na Ásia do que na América. Quem encontrou o caminho marítimo para a Índia, de onde provinham as especiarias que rendiam lucros à coroa, foi Vasco da Gama, justamente o maior adversário do nosso descobridor.

Criados juntos na cosmopolita corte lisboeta de então, Cabral e Gama tiveram formação muito parecida. Ambos estavam animados pelo forte espírito português que se sucedeu a cinco séculos de domínio muçulmano do país. Era natural que os dois exploradores disputassem o comando das grandes armadas. Em uma minuta de 1499, que preparava a expedição que viria a descobrir o Brasil, consta o nome do comandante-mor da frota: Vasco da Gama.

Mais tarde, esse nome seria riscado e substituído pelo de Cabral, naquele tempo conhecido como Pedro Álvares Gouveia. Apenas ao primogênito de cada família era dada a honra de usar o sobrenome paterno e Pedro Álvares era o segundo filho. Foi só na carta que dom Manuel escreveu aos reis da Espanha, em 1501, que o sobrenome “Cabral” foi associado ao descobridor do Brasil.

Desgraça – O auto-exílio de Cabral em Santarém, logo após realizar sua maior façanha, possivelmente foi produto da antiga rivalidade com Vasco da Gama. Enquanto o navegador ainda percorria águas indianas, depois de descobrir o Brasil, a corte lisboeta já organizava uma nova frota a ser comandada por Cabral. Com catorze navios, seria ainda maior do que a enviada para confirmar a existência das terras brasileiras. Mas Vasco da Gama ficou encarregado de organizar a expedição, desta vez destinada apenas à Índia.

Vasco da Gama selecionou os marinheiros e escolheu os capitães de sua confiança. Ainda por cima, nomeou o irmão de sua mãe, Vicente Sodré, para comandar cinco dos navios da esquadra. Sodré vigiaria a entrada do Mar Vermelho e o Golfo Pérsico, vias de acesso dos árabes ao Oriente. Enquanto isso, os outros nove navios, sob o comando de Cabral, seriam abastecidos com especiarias. Mas Cabral não aceitou dividir o comando da nova expedição com o tio de Vasco da Gama. Passados quatro meses de impasse, em dezembro de 1501 a recusa oficial foi encaminhada. Nesse momento, Cabral caía em desgraça.

A explicação para a atitude suicida está no relato de um dos maiores cronistas portugueses, João de Barros, para quem o descobridor do Brasil era homem de “muitos primores de honra”. O significado mais forte da palavra “honra” estava associado à ideia de um sentimento de dignidade com brios. Cabral tinha motivos para não aceitar dividir o comando da expedição.

Não foram pequenos os serviços prestados por ele a Portugal. Sua expedição de 1500 foi a primeira de caráter comercial a chegar à Índia. Vasco da Gama chegou antes, levou a fama, mas conseguiu apenas se indispor com o governante de Calicute, a mesma cidade que Cabral canhoneou quando esteve por lá. Só quando Cabral estabeleceu a feitoria em Cochin, no sul da Índia, é que a rota se tornou lucrativa.

Tais façanhas, no entanto, não comoveram o rei. Cabral mudou-se para Santarém no final de 1502 e não recebeu mais notícias da corte. No ano seguinte, compareceu a uma reunião da Ordem de Cristo, a organização religioso-militar que financiava as grandes navegações. Há quem aponte o fato como uma tentativa de reaproximação, já que dom Manuel presidia o encontro. Não surtiu efeito. Anos mais tarde, Cabral escreveu ao rei pedindo a “renovação dos privilégios de fidalgo” – em outras palavras, desejava abandonar o exílio voluntário e servir a Portugal novamente. Recebeu uma resposta encorajadora, em que o monarca dizia que a carta do navegador “lhe fez prazer”. Mas nada aconteceu.

O rei brioso – Em 1514, Afonso de Albuquerque, governador da Índia e tio de Isabel de Castro, mulher de Cabral, escreveu ao rei pedindo que ele pusesse fim ao afastamento do navegador. Teceu grandes elogios ao descobridor, a quem chamou de “mui bom fidalgo”, “merecedor de honras”, e referiu-se a “sua bondade e cavalaria”. Apesar das recomendações de um dos homens mais importantes do império português, Cabral morreria dali a alguns anos sem voltar ao mar.

Não se sabe exatamente o que fez dom Manuel abandonar um de seus mais importantes navegadores, a quem havia recebido com festejos no retorno da expedição de 1500. Talvez o rei fosse tão brioso quanto o próprio Cabral e nunca tenha aceitado a recusa do navegador em participar da nova expedição à Índia. A hipótese de que Cabral não passava de um nobre de poucos talentos é refutada pelos fatos.

O descobridor foi apontado para comandar aquela que, até 1500, foi a maior armada já saída de Portugal. A frota que Vasco da Gama comandou até a Índia, entre 1497 e 1499, não tinha mais que quatro navios. Dificilmente se colocaria tamanho aparato sob as ordens de alguém que não fosse extremamente respeitado, inclusive como navegador – embora não existam provas de viagens marítimas suas anteriores ao descobrimento do Brasil. Não se colocaria a vida de 1500 homens nas mãos de alguém sem experiência.

Sem título nobiliárquico, a família de Cabral tinha terras, o que significava riqueza suficiente para frequentar a corte. Aos 10 anos, Cabral e o irmão mais velho mudaram-se para Lisboa. Lá, aprendeu a manejar armas e a montar. Estudou geometria, astronomia, geografia, aritmética e latim. Passou a adolescência e o início da vida adulta no Castelo de São Jorge, aquele de onde os turistas têm uma visão de Lisboa. Isso fez com que Cabral se inscrevesse no círculo íntimo do rei, o que certamente colaborou para sua indicação como comandante da expedição à Índia. Nada, porém, comprova que tenham sido essas credenciais as únicas responsáveis por sua escolha para o comando da grande armada. Os Cabral estavam muito longe em prestígio e fama, por exemplo, dos nobilíssimos Bragança, que chegariam ao trono português mais tarde.

Foi na corte que Cabral conheceu Isabel de Castro – ela sim, pertencente a uma das famílias mais importantes de Portugal. O casamento não pode ser considerado um golpe do baú, embora fosse movido por interesses, como era comum naquela época. Pelo contrário. Há registros de que o próprio Afonso de Albuquerque, tio de Isabel, se teria preocupado em aumentar o dote da sobrinha, o que tornaria o casamento ainda mais interessante para Cabral. É uma evidência de que ele era um fidalgo respeitável. A data provável do matrimônio é 1503.

A vida do casal em Santarém limitou-se aos cuidados com as propriedades, o tempo dividido entre a casa na cidade e as quintas. Tiveram seis filhos. Cabral morreu possivelmente em 1520, aos 52 anos, talvez em consequência da malária contraída na África, e seu túmulo, está na Igreja da Graça, em Santarém, sem que tenha realizado coisa alguma digna de registro nas últimas duas décadas de vida. Enquanto isso, seu rival Vasco da Gama recebia o título de “dom” e era consagrado “almirante”.

 

Tragédia em alto-mar

 

Em 9 de março de 1500,  Pedro Álvares Cabral deixou Lisboa, comandando uma armada de treze navios. O destino era a Índia. No meio do caminho, desviou-se para uma terra que já se sabia existir e que viria a ser o Brasil. Em meados de 1501, apenas seis navios retornaram da empreitada.

1 – Em 23 de março, não havia tempestade e o mar estava calmo. O navio comandado por Vasco de Ataíde desapareceu misteriosamente. Suspeita-se que a nau tenha sumido em meio a uma intensa cerração, muito comum nas proximidades de Cabo Verde.

2 – Em 22 de abril, a frota de Cabral chegou ao Brasil. Dez dias depois, Cabral ordenou que Gaspar de Lemos voltasse a Portugal para comunicar a descoberta da nova terra. O capitão Lemos levou para Lisboa papagaios, objetos indígenas e quinze cartas – apenas as do escrivão da armada Pero Vaz de Caminha e a do médico João Faras não se perderam. Em 2 de maio, Cabral retomou a viagem para a Índia.

3 – No final de maio, quatro navios afundaram numa tempestade. Os capitães Bartolomeu Dias, Aires Gomes da Silva, Simão de Pina e Luís Pires morreram, com suas tripulações. A embarcação de Diogo Dias desapareceu.

4 – Em setembro de 1500, Cabral chegou a Calicute, onde criaria uma feitoria para o comércio de especiarias. Para impedir o estabelecimento dos portugueses na cidade, muçulmanos e indianos mataram cinquenta homens de Cabral. Em represália, Cabral ordenou o bombardeio a Calicute. Em seguida, o navegador seguiu para Cochin, onde abasteceu os navios com especiarias. Em janeiro de 1501, a armada iniciou o retorno a Lisboa.

5 – Poucas semanas depois da partida da Índia, o navio de Sancho de Tovar, com os porões cheios de gengibre, pimenta e canela, encalhou. Cabral ordenou que a embarcação fosse incendiada para que as especiarias que não podiam ser transferidas para as outras naus, e os detalhes sobre a construção do navio não caíssem nas mãos dos árabes.

6 – Em junho de 1501, Cabral reencontrou o navio desaparecido de Diogo Dias. Perdido, o navegador percorreu a costa oriental da África. Apenas sete de seus 150 tripulantes sobreviveram. Cabral chegou a Lisboa em 21 de julho de 1501. Dos cerca de 1500 homens que partiram, 600 regressaram.

 

(Fonte: Veja, 21 de abril de 1999 – ANO 32 – N° 16 – Edição 1594 – HISTÓRIA/ Fernando Luna – Pág: 82/85)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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