Gilberto Freyre, sociólogo e um dos maiores intelectuais contemporâneo brasileiro.

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Um pensador de raça

Freyre: em Casa-Grande & Senzala, uma obra-prima sobre a formação do povo brasileiro

 

Gilberto Freyre (1900-1987), foi escritor brasileiro que mais homenagens recebeu de universidades da Europa e dos EUA. Nascido em 1900, Freyre escreveu 67 livros, sendo Casa Grande & Senzala, de 1933, a sua maior obra. O livro se tornou um clássico sobre a formação da sociedade brasileira.

 

Gilberto de Mello Freyre, sociólogo e um dos maiores intelectuais contemporâneo brasileiro. “O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne.” Escrito em 1933, este trecho descritivo dos primeiros dias de um país que no futuro se chamaria Brasil faz parte de um livro inovador no estilo literário e no método de estudo, polêmico, e que serviu de divisor de águas no registro da história da formação do povo brasileiro. Com Casa-Grande & Senzala, o sociólogo Gilberto Freyre foi o primeiro a expor e exaltar a cultura brasileira como um produto de miscigenação entre o branco europeu, o negro africano e o índio. Um dos mais brilhantes antropólogo e o único a retratar com tamanha inteligência e clareza o perfil do brasileiro. Em seu texto, origor acadêmico convive tranquilamente com o humor.

 

 

Há vários anos longe da vida acadêmica, Freyre deixou 63 livros publicados e um grande debate sobre suas ideias. Apesar da obra farta em títulos, ficou conhecido pelo primeiro livro, o primoroso Casa-Grande & Senzala. Outros, como Sobrados e Mocambos, foram apenas coadjuvantes de uma carreira marcada pelo brilhantismo intelectual e frequentes auto-proclamações de genialidade. Vaidoso como um pavão, Freyre achava um absurdo ser comparado a qualquer intelectual contemporâneo brasileiro – ele acreditava não ter concorrentes à altura. Sua irreverência e descontração, marcas sentidas em seus livros, permitiram-lhe que se deixasse fotografar nu ao lado de alguns alunos, num banho de cachoeira em 1935. Era homenageado com frequência por universidades estrangeiras, mas, no Brasil, nos últimos anos, sua obra era considerada ultrapassada por uns, elitista por outros. Para rebater tais críticas, invocara a “ação da patrulha marxista dentro das escolas brasileiras”. Instigante e surpreendente, suscitou elogios e críticas ao longo de toda a sua vida, mas Casa-Grande & Senzala permanece como um livro fundamental para o entendimento do que vem a ser essa coisa tão vaga e ao mesmo tempo tão concreta: o povo brasileiro.

 

 

QUITUTE – O livro abordou, ainda na década de 30, temas atualmente recorrentes na história e na sociologia – o cotidiano e os hábitos dos homens do povo, de pessoas comuns, no mesmo tipo de pesquisa seguido pela história das mentalidades. Com um estilo muito particular e nada acadêmico e, sobretudo, com um agudo senso de observação, transformou seu longo e documentado estudo numa obra de agradável leitura, em que descreve com detalhe a vida de senhores de escravos, desde o modo como se relacionavam até suas preferências sexuais e culinárias.

 

 

“Com a europeização da mesa é que o brasileiro tornou-se um abstêmio de vegetais; e ficou tendo vergonha de suas mais características sobremesas – o mel ou melado com farinha, a canjica temperada com açúcar e manteiga. Só se salvou o doce com queijo”, escreve Freyre a certa altura. Até mesmo num único prato, popularíssimo no Nordeste, é possível sintetizar uma teoria: “Na tapioca de coco, chamada molhada, estendida em folha de bananeira africana, polvilhada de canela, temperada com sal, sente-se o amálgama verdadeiramente brasileiro de tradições culinárias: a mandioca indígena, o coco asiático, o sal europeu, confraternizando-se num só e delicioso quitute sobre a mesma cama africana de folha de bananeira”.

 

 

O espanto causado pelos indígenas – constantemente em contato com a água – aos europeus, pouco afeitos a banhos, era apenas umdos conflitos iminentes à mistura de povos tão díspares. Como ocorre, por exemplo, no conflito entre a noção de propriedade privada entre duas raças distintas, um antagonismo claro: de um lado, “o descendente do índio comunista, quase sem noção de posse individual”, e do outro, “o descendente do português particularista que até princípios do século XIX viveu, entre alarmes de corsários e ladrões, a enterrar dinheiro em botija”, afirma Freyre. Ao longo de todo o livro, o brasileiro contemporâneo, o homem de hoje, é apresentado como o resultado de um processo de união racial, processo este esmiuçado pelo autor em seus detalhes mais sutis. Dos detalhes, porém, Freyre deduz um todo cultural – o todo econômico, familiar, sexual e existencial formado pelas relações entre a casa-grande e a senzala.

 

 

CORPO VIVO – Roland Barthes, pensador francês, diz que em Casa-Grande & Senzala Gilberto Freyre atinge “quase a quadratura do círculo de historiadores, o ponto último da investigação histórica” – apresentar “o homem histórico quase sem o desprender de seu corpo vivo”. Trata-se de uma obra tão peculiar que só poderia ter sido escrita, dentro da intelectualidade brasileira, por Gilberto Freyre. Nascido a 15 de março de 1900, em Recife, Freyre já se mostrava auto-suficiente em termos de formação desde a infância, quando se recusava a aprender a ler e a escrever por preferir expressar suas ideias através do desenho e da pintura. Aos 17 anos, embarcava para os Estados Unidos para formar-se em Ciências Políticas e Sociais, partindo depois para a pós-graduação na Universidade de Colúmbia, onde deu início aos contatos com os mais importantes acadêmicos da época. Freyre foi aluno do antropólogo Franz Boas e conviveu com pessoas como o poeta William Butler Yeats e o jornalista H. L. Mencken. No Brasil, foi um dos idealizadores do Manifesto Regionalista em 1925, ao lado dos escritores José Lins do Rego e José Américo de Almeida.

 

 

Politicamente, Gilberto Freyre era antes de tudo independente. Conseguia agradar e desagradar tanto a esquerda como a direita – na época da II Guerra Mundial, pregava o antinazismo e a democratização do Brasil, depois apoiou o golpe militar de 1964. Casado com Magdalena de Guedes Pereira Freyre, Gilberto Freyre tinha dois filhos. Costumava também sacudir a intelectualidade com declarações chocantes, como numa entrevista à revista Playboy em que afirmou ter se envolvido em experiências homossexuais na juventude. Além dos inúmeros títulos universitários que recebeu, Freyre orgulhava-se especialmente de ter sido condecorado, em 1971, como Cavaleiro do Império Britânico pela rainha Elizabeth II, com o título de sir. Como ele próprio fazia questão de afirmar, o que gostava mesmo é de um elogio. São elogios que tem cabimento – mas não para a obra toda ou mesmo para o seu autor. Cabem, isto sim, para Casa-Grande & Senzala. Com sua fantástica mistura de antropologia, etnologia, economia, política, literatura e psicologia, o livro é um marco da cultura brasileira, um monumento da estatura de Os Sertões, de Euclides da Cunha.

Gilberto Freyre morreu no dia 18 de julho de 1987, em consequência de isquemia cerebral, infecção respiratória e insuficiência renal, aos 87 anos. Com sua morte, o país perde o seu mais brilhante antropólogo, e um de seus intelectuais mais inventivos.
(Fonte: Veja, 29 de julho, 1987 – Edição 986 – MEMÓRIA – Pág; 84/85)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Publica-se no dia 2 de dezembro de 1933, uma das obras fundamentais do Brasil, Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freire.
(Fonte: Zero Hora – Almanaque Gaúcho/ Por Olyr Zavaschi – Hoje na História – 2 de dezembro de 2010 – Pág; 70)

 

 

 

 

 

 

AS CARTAS DO MESTRE

Nos arquivos de Gilberto Freyre, a correspondência de um pensador que ensinou um novo modo de olhar o país

(Fonte: Revista Veja, 1° de janeiro de 1999 – ANO 32 – Nº 1 – Edição 1579 – CULTURA – AS CARTAS DO MESTRE / Por Paulo Moreira Leite, do Recife – Pág: 102/105)

 

 

 

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