Emanuel Oliveira de Araújo, Professor Emérito da Universidade de Brasília

0
Powered by Rock Convert

Emanuel Oliveira de Araújo ( Santo Amaro da Purificação (BA), 24 de dezembro de 1942 – Brasília, em 15 de junho de 2000), escultor, desenhista, gravador, cenógrafo, pintor, curador e museólogo. Foi Professor Emérito da Universidade de Brasília.

Emanuel Oliveira de Araújo nasceu em 24 de dezembro de 1942 e faleceu na condição de professor titular da Universidade de Brasília, em 15 de junho de 2000. Exerceu o magistério no Departamento de História, entre 1968 e 1971. De 1989 até sua morte, como professor reintegrado. Em 22 de março de 1995, foi aprovado em concurso público para professor titular, havendo recebido nota 10 nas provas de títulos e de argüição.

Os colegas do Departamento de História da Universidade de Brasília submeteram à consideração do Conselho Universitário o pedido de concessão do Título de PROFESSOR EMÉRITO (post mortem) a Emanuel Araújo, com base na excepcionalidade de sua contribuição à Universidade, vista sob três ângulos de sua atuação: como professor, como editor e como humanista. São esses ângulos que nos fazem compreender o mérito que hoje vemos reconhecido pela Universidade de Brasília.

1. Emanuel Araújo, o Professor

A maior contribuição do Professor ao ensino de graduação da UnB foi à área de estudo de História Antiga. Orientado pelo Professor Eudoro de Sousa (helenista maduro, criador e diretor do Centro de Estudos Clássicos da UnB), mergulhou Emanuel nos estudos clássicos, munido dos instrumentos lingüísticos e técnicos necessários à exploração do precioso acervo documental disponível na Biblioteca Central. Era um dos poucos brasileiros a dominar as línguas da região berço da civilização ocidental: grego, latim, hebraico e línguas egípcias. Passou aos que o rodearam no magistério de História Antiga – cuja reorganização esteve a seu cargo – a noção humanística do ensino, que convinha à formação dos alunos de graduação, como também o apego à erudição – indispensável ao especialista nesse campo de estudo. Também importante foi a contribuição de Emanuel Araújo ao ensino da História Colonial do Brasil, disciplina que, como a anterior, submeteu à sua concepção pedagógica de ensino, ao realçar o caráter específico das raízes laicas da cultura brasileira em obra de sua autoria, como adiante se verá.

2. Emanuel Araújo, o Editor

A experiência de Emanuel Araújo como editor é rica: exerceu atividades nessa área na Fundação Getúlio Vargas, Arquivo Nacional, Bloch Editores e outras instituições. Dessa experiência resultaram contributos valiosos, tanto à difusão do conhecimento (como membro das equipes da “Enciclopédia Mirador Internacional” e da “Enciclopédia Ilustrada do Brasil”), quanto à publicação de coleções de documentos (a exemplo das “Cartas de D. Pedro I à Marqueza de Santos”). Contudo, sua maior contribuição à arte editorial consistiu na obra publicada em 1986 com o título “A Construção do Livro: princípios da técnica de editoração”. Trata-se, com efeito, de um complemento prático ao então clássico “Elementos de Bibliografia” de Antônio Houaiss – filólogo com quem Emanuel estabeleceu uma parceria de trabalho e uma amizade. “A Construção do Livro” tornou-se o manual de referência ao trabalho dos editores brasileiros.

Pouco depois de sua reintegração à UnB – após o afastamento por motivos políticos – Emanuel não recusou o convite da Instituição para colocar essa sua experiência e perícia a serviço da Editora Universidade de Brasília/EDU. Foi seu diretor nos anos de 1992 e 1993 e, depois, Presidente do Conselho Editorial – cargo que somente a morte, em 2000, o afastou. Toda a Universidade de Brasília reconhece o êxito de Emanuel Araújo na consolidação da EDU como uma editora universitária moderna, pluralista em seu escopo, acadêmica em sua qualidade e comunitária em seu alcance. Não perderia, ademais, nosso Professor de múltiplos méritos, a oportunidade de imprimir o toque do humanista às linhas de ação da EDU. Basta percorrer o catálogo para verificar quantos títulos de autores clássicos e de estudos clássicos foram lançados.

3. Emanuel Araújo, o Humanista

A formação humanista de Emanuel Araújo perpassou seu trabalho como professor e como historiador. Por alguns anos, dirigiu um projeto com bolsistas de Iniciação Científica com o título “Os Estudos Clássicos Hoje: continuidade e ruptura na tradição humanista”. Com efeito, Emanuel trazia da antigüidade para a época renascentista, e de lá para o mundo de hoje, as mensagens “cheias de humanidade” que a cultura clássica difundiu através dos tempos. Duas obras do Mestre ilustram nosso argumento de que foi ele um dos raros e grandes humanistas brasileiros do século XX: “O Teatro dos Vícios: transgressão e transigência na sociedade urbana colonial”, publicado em 1993, e “Escrito para a Eternidade: a literatura no Egito Faraônico”, obra póstuma, publicada três meses após a morte do autor.

“O Teatro dos Vícios” pode ser lido normalmente e ao avesso – como o próprio autor aconselhava em colóquios informais. Por certo, o livro retrata os vícios da sociedade luso-tropical erigida neste lado do Atlântico, mas expõe, por outro lado, o que há de mais autêntico na matriz cultural da nação brasileira. Esse conteúdo aparece por trás do texto, de forma mais velada. Tornou-se explícito, contudo, em outro estudo magistral sobre o período colonial: “A Construção do Brasil” (Lisboa: Cosmos, 1997), de autoria do Historiador português Jorge Couto. Ambos os livros descrevem as raízes da cultura portuguesa – lançadas à época colonial –, raízes que acabaram por consolidar em cinco séculos o paradigma da civilização brasileira.

Com efeito, essa civilização dos trópicos nasceu rompendo com os códigos. Enquanto na Europa a intolerância ensangüentava o continente com as guerras de religião e o puritanismo reprimia além dos instintos o próprio sentimento humano, no Brasil vingava a cultura laica, profana, humanista – conforme o conceito de Giordano Bruno.

Era aqui o lugar privilegiado do espaço americano onde se realizava o sonho de Tomas Morus: a fuga para a liberdade individual. A cultura laica, herança portuguesa e base da civilização brasileira, tirava inspiração do humanismo renascentista para sepultar princípios e valores da sociedade coercitiva européia. Dava valor ao que vinha de dentro do homem, na mais cristalina linhagem da moral universalista que promoviam os humanistas da renascença. Transigir e transgredir era virtude mais do que vício. Era romper com as servidões da arcaica sociedade medieval e com o imperialismo ético da religiosidade.

A cultura laica servia como tempero dos valores: nenhum valor – fosse religioso, ideológico, político ou étnico – haveria de impor-se sobre outros de forma excludente. Por ser laica, essa cultura neutralizava fundamentalismos e nivelava pelo traço do humano, simplesmente. Inaugurava a era da tolerância, que abria caminhos para o encontro dos povos e das civilizações. Apontava para o ideal da convivência das diferenças. O fruto mais visível da cultura laica implantada no Brasil, à época colonial, foi a tolerância. E essa apresentou, com o tempo, prevalência comparável àquela virtude do antigo código moral que o convertia em código da intransigência. Tolerar demais levou o Brasil à convivência de todos os contrários: miséria e riqueza, prazer e sofrimento, sabedoria e ignorância, honestidade e corrupção. A tolerância ao extremo fez do Brasil uma nação das mais injustas. Desvirtuou a matriz da cultura laica, que vencera a coerção, e erigiu em seu lugar uma sociedade permissiva, insensível, indiferente. Desvirtuada, a tolerância brasileira explica os vícios da sociedade como a intolerância explicava a guerra de religião.

O estudo de Emanuel Araújo conserva, pois, sua atualidade. Sugere a busca do equilíbrio: injetar mais riqueza na miséria, mais educação na ignorância, mais honestidade na conduta pública, mas responsabilidade individual diante da questão social. E prosseguir acionando a matriz da cultura laica, que no Brasil foi capaz de domar outros paradigmas culturais como o indígena, o africano, o alemão, o italiano, o árabe, o japonês, o polonês, o chinês e tantos outros. Dar, a medida de equilíbrio, àquela tolerância que foi capaz de construir uma sociedade culturalmente plural e etnicamente heterogênea, uma verdadeira civilização: alegre, aberta, sem presunção de superioridade e sem complexo diante de outras matrizes culturais.

“Escrito para a Eternidade” – 480 páginas de recuperação de preciosas mensagens de sabedoria dos antigos egípcios – é um legado deixado pelo erudito Historiador aos leitores brasileiros. Nesse livro, nada de tradução de outras traduções, mas somente de textos originais da literatura faraônica (5500 a 343 a.C.). Textos que passam à língua portuguesa, em primeira mão, os valores daquela grande cultura, ou seja, seus esquemas de pensamento, de sentimento e de moral. Textos que somam à herança greco-romana da civilização ocidental o contributo desta outra raiz mediterrânea.

O livro reúne amostras de seis formas de expressão literária do antigo Egito: literatura fantástica – em que o homem assume faculdades inusitadas; literatura aventuresca – em que o homem se revela na condição de estrangeiro; literatura dramática – em que o homem dá asas ao imaginário e representa; literatura crítica – em que o homem pensa sua própria condição ou os condicionamentos de sua vida; e literatura gnômica ou de ensinamento – em que o homem passa a instrução, a doutrina, a correção ou a educação.

A introdução de Emanuel Araújo ao livro e as introduções aos capítulos dão provas de extraordinária erudição e de sensibilidade humana. As traduções são impecáveis. O mérito do Professor e de sua obra póstuma é excepcional. Emanuel Araújo realça a posição da UnB no conjunto das Universidades brasileiras quanto à existência de um distinto humanista em seus quadros. Dela recebe o Título de PROFESSOR EMÉRITO (post mortem), que também homenageia aquela que foi sua colega e companheira, Sônia de Lacerda.

(Fonte: http://www.unb.br/unb/titulos/emanuel –
Professor Amado Luiz Cervo – Departamento de História da UnB – Brasília, 6 de dezembro de 2002)
(Fonte: Veja, 22 de setembro de 1976 – Edição n° 420 – ARTE – Pág; 122)

Powered by Rock Convert
Share.