Aristófanes, o gênio da comédia grega, considerado o maior representante da comédia antiga

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Aristófanes: antipopulismo

Aristófanes (447 a.C. – 385 a.C.), foi um dramaturgo grego, o gênio da comédia grega. É considerado o maior representante da comédia antiga.

Aristófanes é o escritor perfeito. É original. É engraçado. Acima de tudo é corajoso. Ataca impiedosamente todo o sistema de poder da sociedade ateniense: pedagogos, magistrados, militares, políticos, filósofos, poetas, religiosos, dramaturgos. Ninguém fica de fora.

É o maior ensinamento de Aristófanes: o escritor nunca poupa ninguém. Mas ele tem muito mais a ensinar. Por exemplo, que a literatura é um instrumento de debate de ideias. Em suas comédias, sempre se verifica o confronto entre duas teorias contrapostas, num duelo dialético em que a ordem estabelecida invariavelmente acaba sendo derrotada pelo talento crítico.

Aristófanes mostra que o escritor é livre para dizer o que bem entende, sem se preocupar em oferecer uma solução prática aos problemas que levanta. Impossível entender o verdadeiro significado da literatura sem ter lido Aristófanes.

Aristófanes viveu de 447 a 385 a.C. Ou seja, o período da guerra do Peloponeso, entre Atenas e Esparta, iniciada em 431 e concluída apenas três décadas mais tarde, com a ruína do império ateniense. Foi, provavelmente, o evento mais traumático da História da humanidade, e Aristófanes, melhor do que ninguém, em três de suas principais obras “As Vespas”“As Aves”“As Rãs”, uma de suas últimas peças, (escreveu 44, mas só sobreviveram onze), onde soube interpretá-lo. Ele era contrário à guerra.

Era, portanto, contrário ao regime que a havia provocado, a democracia de Péricles e Clêon. Clêon é um dos alvos preferidos dos deboches de Aristófanes, o que demonstra a coragem, o escritor é um irresponsável, demole instituições, mas não precisa colocar nada no lugar.

Porque uma coisa é atacar um político no auge de seu poder, outra coisa é atacá-lo quando este já não representa nada. No caso de Clêon, Aristófanes atacou-o em seu melhor momento, depois de clamorosas vitórias atenienses no campo de batalha.

Tucídedes, o historiador contemporâneo de Aristófanes que narrou os vários episódios da Guerra do Peloponeso. Aquela foi uma época particular. No decorrer de poucos anos, morreram Péricles, Heródoto, Eurípedes, Sófocles e Sócrates.

E, com a derrota de Atenas, cancelou-se definitivamente a maior civilização jamais criada pelo homem. Aristófanes não era um espectador passivo dessa decadência. Ele revelou suas causas e denunciou seus responsáveis através do único instrumento de que podia dispor: o humor.

Com o humor, Aristófanes ridicularizou as principais instituições democráticas de que os atenienses se orgulhavam. Uma dessas instituições era o sistema judiciário, na época inteiramente baseado nos júris populares. É o tema de As Vespas. Na peça Bdeliclêon (o nome significa aquele que tem nojo de Clêon”) aprisiona seu pai em casa porque este se tornou uma espécie de maníaco de julgamentos.

Passa o dia no tribunal, usando seu poder de voto para condenar implacavelmente todos os réus. A fim de sedar esse espírito justiceiro do pai, Bdeliclêon desafia-o para um duelo verbal, encenando a paródia de um julgamento no qual um cachorro acusa o outro de ter-lhe roubado um pedaço de queijo.

A paródia tem o efeito de demonstrar que os júris populares não passavam de uma mistificação. Os atenienses imaginavam exercer a justiça de maneira direta, mas, na realidade, eram manipulados pelo poder político, que podia direcionar simpatias e antipatias conforme lhe convinha.

Por causa desse seu fervoroso anti-populismo, Aristófanes foi acusado de fazer o jogo da tirania. Em As Vespas, ele responde à acusação: “Se alguém compra um peixe-agulha em vez de um linguado, o vendedor do linguado logo diz: ‘A cozinha desse homem cheira à tirania’.” Aristófanes não é a favor da tirania.

Ele não é a favor de nada. Só é contra. Contra a demagogia, termo cuja conotação negativa deriva justamente de suas obras. Desse ponto de vista, não pode haver escritor mais atual do que Aristófanes. Em sua época, assiste-se ao triunfo da demagogia e da manipulação popular.

 

DESAFIO

 

O desgosto de Aristófanes por Atenas culmina com As Aves, em que os dois protagonistas, Pistêtairo e Eulelpides, abandonam a cidade e fundam uma espécie de utopia nos céus, entre as aves. A estratégia guerrilheira dos dois heróis é esfaimar os deuses, interceptando a fumaça dos sacrifícios praticados na terra. Com isso, passam a dominar todas as esferas do poder.

Diversos terráqueos tentam juntar-se a eles, mas são rechaçados a sopapos: um sacerdote, um poeta adulador, um adivinho, um fiscal corrupto, um astrônomo incompetente, um legislador. Aristófanes não se preocupa em descrever a cidade utópica. Como sempre, está mais interessado em negar o existente do que em oferecer alternativas concretas.

Essa incapacidade de conceber universos ideais também se manifesta em As Rãs. Na falta de dignos representantes da arte trágica, o deus Dioniso dsce ao reino dos infernos com o intuito de ressuscitar um poeta morto. Para estabelecer qual é o melhor poeta entre o velho Ésquilo e o novo Eurípedes, Dioniso promove um desafio em que um poeta deve apontar os defeitos do outro.

Eurípedes, claro, é derrotado e uma das vítimas preferidas das chacotas de Aristófanes, não sendo poupado nem mesmo um ano depois de sua morte. Mas o que realmente importa é que nem o vencedor Ésquilo se sai muito bem. Porque Aristófanes não dá moleza a ninguém. É sua lição.

(Fonte: Veja, 7 de agosto de 1996 – ANO 29 – Nº 32 – Edição 1456 – LIVROS/ Por DIOGO MAINARDI – Pág: 127/128)

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