Alfred Gilman, foi agraciado, juntamente com o seu compatriota Martin Rodbell, com o Nobel de Fisiologia ou Medicina, pelo descobrimento das proteínas G e de seu papel na transmissão de caracteres nas células

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Alfred Gilman  (Foto: San Antonio Express-News/ Divulgação)

Alfred Gilman
(Foto: San Antonio Express-News/ Divulgação)

 

Alfred Goodman Gilman (New Haven, Connecticut, 1° de julho de 1941 – 23 de dezembro de 2015), farmacologista e bioquímico americano, foi uma das maiores mentes científicas dos últimos 50 anos e era conhecido principalmente por sua descoberta das proteínas ligadoras de nucleotídeos guanina (proteínas G). Sua grandeza extendeu-se igualmente na liderança científica, orientação de jovens cientistas e uma perseguição implacável de descobertas científicas.

Foi agraciado, juntamente com o seu compatriota Martin Rodbell, com o Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1994, pelo descobrimento das proteínas G e de seu papel na transmissão de caracteres nas células. As proteínas G são um intermediário vital entre a ativação dos receptores na membrana plasmática e as ações na célula.

Rodbell havia demonstrado, na década de 1960, que o GTP estava envolvido na sinalização de células. Foi Gilman quem realmente descobriu as proteínas que interagiam com o GTP para iniciar as cascatas de sinalização no interior da célula.

Alfred nasceu em 1º de julho de 1941, em New Haven, Connecticut, no mesmo ano em que seu pai, Dr Alfred Gilman, e Dr Louis Goodman (de quem Alfred herdou seu segundo nome) publicaram a primeira edição do proeminente livro “Goodman and Gilman’s The Pharmacological Basis of Therapeutics”. Anos depois, Alfred continuaria o trabalho do pai  como associado e editor senior do famoso livro durante quatro edições subsequentes. Alfred com frequência passava tempo no laboratório de seu pai no Albert Einstein College of Medicine, onde assistia a experimentos. A educação pré-escolar de Albert aconteceu na Taft School em Watertown, CT, que na época era uma rigorosa escola preparatória para meninos. Ele uma vez observou que, mesmo não gostando do rigor da experiência, esta com certeza o ensinou duas coisas: como aprender e como fumar. Reconhecendo os riscos, ele apreciou realizar ambas para o resto da vida.

Alfred recebeu seu Bacharelado em Ciência (summa cum laude) da Yale University em 1962 e seu grau de Doutor em Medicina e Filosofia (MD-PhD) da Case Western Reserve University em 1969 sob orientação de Theodore Rall, que trabalhou com Earl Sutherland e foi fundamental na descoberta da Adenilato Ciclase e AMP cíclico. Foi no laboratório de Rall que Alfred começou seu interesse por toda a vida em transdução de sinal. Na época, uma importante e excelente pergunta neste campo era como um sinal extracelular, como um hormônio, liga-se ao seu receptor extracelular e gera uma resposta de segundo mensageiro dentro da célula. Depois de receber seu MD-PhD, Alfred sabia que seu destino seria seguir uma carreira em ciências biologicas, tentando responder aquela questão. Ele foi então para o NIH realizar sua pesquisa de pós-doutorado no laboratório do ganhador do prêmio Nobel, Marshall Nirenberg. Lá ele deixou sua primeira grande marca no mundo da transdução de sinal desenvolvendo um ensaio altamente simples e sensível para mensuração de AMP cíclico, o segundo mensageiro descoberto por Sutherland e Rall. Uma notável realização que separou-o de seus colegas na época ocorreu quando Nirenberg comunicou o artigo descrevendo o ensaio do AMPc ao Proceedings of the National Academy of Sciences, com Alfred como seu único autor.

Em 1971, Alfred começou seu próprio laboratório no departamento de farmacologia da University of Virginia em Charlottesville. Ele direcionou toda sua atenção para compreender os componentes moleculares do transdutor que ativava a adenilato ciclase para sintetizar AMPc dentro da célula, em resposta a ativação de receptores na membrana celular. Trabalhos anteriores realizados por Martin Rodbell mostravam que a guanosina trifosfato (GTP) era um ingrediente essencial para a transdução de sinal. O laboratório de Gilman empregou uma linhagem celular mutante que era deficiente na atividade de transdução, e em 1978 o laboratório purificou o componente faltante de células normais. O componente purificado era uma proteína com múltiplas subunidades chamada Gs, a primeira do que se tornaria a família de proteínas ligadoras de GTP. Sob ativação de um receptor trasmembranar, uma subunidade da Gs mostrou-se capaz de trocar GDP por GTP, se dissociar do receptor dentro da célula e ativar a adenilato ciclase – o paradigma básico do fluxo de informações em muitos outros eventos de sinalização mediados por hormônios.

O sucesso precoce de Alfred o levou a ser recrutado por forças indômitas (Donald Seldin, Kern Wildenthal, Michael Brown e Joseph Goldstein) para o “University of Texas Southwestern Medical Center” em Dallas em 1981, onde com 40 anos foi nomeado chefe do Departamento de Farmacologia (posição que ele manteve durante 25 anos). Ele revigorou o departamento semeando-o com dois antigos estagiários, Elliot Ross e Paul Sternweis, que realizaram descobertas fundamentais sobre as proteína G e seus mecanismos. Em seu próprio laboratório, Alfred continuou com uma marcante progressão no trabalho que, durante as próximas décadas, elucidou praticamente todas as etapas da via de sinalização da proteína G. O impacto de sua descoberta na biologia básica e na medicina foi transcendente, e levou a inúmeras honras, como sua eleição à Academia Nacional de Ciências (1985), à conquista do prêmio Albert Lasker de Pesquisa Médica Básica (1989) e o prêmio Nobel em Fisiologia e Medicina, o qual ele compartilhou com Martin Rodbell (1994).

Portanto, Alfred era um cientista excepcional, mas como seus colegas mais jovens que o conheciam de perto, nós estaríamos sendo muito negligentes em uma contabilização completa e adequada de sua vida se parássemos aqui. Além da excelência científica, ele também construiu um dos melhores departamentos de ciência básica no país – um lugar academicamente rigoroso, altamente produtivo e divertido. Como administrador e líder, ele era absolutamente sem igual, merecendo a distinção não trivial de ser respeitado pelo setor administrativo da universidade bem como pelo corpo docente, colegas e estudantes do departamento.

De fato, quando ambos os autores deste artigo eram bolsistas de pós-doutorado procurando por empregos, sabia-se que o departamento de farmacologia na UT Southwestern era o lugar para estar – um viveiro de ciência básica de boa qualidade, administrado com integridade, e dirigido por um respeitado cientista altamente confiável. As coisas eram feitas, as promessas eram cumpridas e um jovem investigador poderia simplesmente focar na tarefa de construir seu próprio programa de pesquisa.

O sucesso do departamento refletia profundamente as qualidade de Alfred tanto quanto cientista como pessoa. Ele construiu o departamento sobre certos princípios fundamentais. Acima de tudo estava a máxima, em suas próprias palavras, “contratar apenas pessoas excelentes”. O modo de falar é sutil porém importante. Não era suficiente ter meramente uma ascendência impressionante ou ser um astro na ciência; era também necessário ser bom comunicador, demonstrar cidadania, estar disposto a ensinar e contribuir para a qualidade de vida dentro do departamento. Alfred se recusava firmemente a pesar qualidade científica contra caráter, como se deficiências em uma pudessem ser contrabalaceadas com excesso da outra. Aparentemente, este princípio foi herdado de sua mãe, uma mulher de considerável força e influência sob o jovem Alfred.

Em sua autobiografia, Alfred escreveu “…quando meu pai falava sobre um colega e seu brilhantismo no trabalho, minha mãe ocasionalmente rolava os olhos e comentava sobre as  deficiências da personalidade do colega em questão. Observações pessoais subsequentes me ensinaram que ela quase sempre estava correta. Tentei prestar atenção em ambos os lados deste assunto quando estava construindo o departamento”. Ele permaneceu fiel a esta lição. O resultado foi um departamento incomumente vibrante cheio de pessoas excelentes (no sentido de Gilman), onde as críticas profissionais incisivas eram apoiadas e encorajadas, mas de alguma forma sempre emitidas de uma maneira cordial, respeitosa, e por fim, produtiva.

Outro princípio era que o suporte para jovens cientistas deveria ir muito além de um bom pacote inicial e espaço laboratorial. Alfred fornecia suporte contínuo investindo excedentes dos fundos do departamento, sempre quando disponíveis, em itens de equipamentos coletivos, protegendo jovens colegas dos efeitos destrutivos das demandas não relacionadas à pesquisa, e essencialmente não tendo reuniões de departamento. O tempo era gasto diretamente em conversas com jovens cientistas, tanto formalmente em seu escritório quanto à noitinha no clube da faculdade.

Ele ouvia bem, compreendia com uma rapidez impressionante e não hesitava em dar uma opinião profissional robusta e bem fundamentada caso apresentado a novos dados ou novas ideias. Aquelas opiniões tinham grande influência, inevitavelmente conduzindo o ouvinte até as direções científicas mais interessantes (ao invés das mais óbvias). Contudo, ele também ponderava suas opiniões com extrema humildade. Ele não dizia ao corpo docente no que estar interessado e não fingia entender campos científicos fora de sua experiência. Através de tudo isso, Alfred possibilitava originalidade.

Equilibrar excelência científica com humildade sobre os grandes mistérios da biologia tinha outro efeito colateral produtivo: isso mantinha Alfred insatisfeito sobre suas conquistas científicas altamente elogiadas. Na época pós-Nobel, ele tornou-se profundamente perturbado por uma preocupação de que uma vida focada em bioquímica in vitro – separando componentes específicos de sistemas biológicos e estudando eles isoladamente – não iria revelar-nos como uma célula (ou outro sistema complexo) funcionava. Como ele mesmo falava, “…Isso pode contribuir para absolutamente nada…”.

Em 2000, como o último projeto de pesquisa de sua carreira, ele começou um esforço em grande escala para estudar a complexidade da sinalização celular dentro do contexto de células vivas. A meta era mapear a dinâmica estrutural e funcional da rede de vias de sinalização nas células, com uma série de objetivos bem definidos. O esforço foi cientificamente e socialmente complexo e ensinou mais sobre as dificuldades de tal empreitada do que produziu conclusões definitivas. Mesmo assim, o trabalho ilustrou algo importante; para Alfred, conquistas prévias e grandes prêmios não obscureceram o percurso de sempre focar no próximo problema não solucionado.

Nos estágios finais de sua carreira, Alfred assumiu papéis institucionais de liderança. Em 2004, ele foi nomeado coordenador da UT Southwestern Medical School, e em 2006 tornou-se vice-presidente executivo para Assuntos Acadêmicos e Reitor. Em 2009, Alfred aposentou-se da UT Southwestern para assumir o cargo de diretor científico no Instituto de Pesquisa em Prevenção do Câncer do Texas (CPRIT), um trabalho que ele imaginava que o permitiria usar seu conhecimento científico, integridade e visão institucional para consolidar um dos maiores esforços de pesquisa do país para combater o câncer. Leal aos princípios de Alfred, este esforço foi caracterizado por rigorosa análise científica, formação de uma equipe composta pelas melhores pessoas na ciência, e firmeza nos objetivos de consolidar o melhor trabalho. Qualquer coisa a menos era inaceitável, mesmo se isto significasse, em considerável risco pessoal, sua renúncia da organização quando os princípios básicos fossem violados.

Alfred Gilman faleceu pacificamente em casa após longa batalha contra um câncer pancreático. 

(Fonte: http://cienp.org.br/pt_BR/2016/03/14 – 

David J. Mangelsdorf & Rama Ranganathan

Cell, Volume 164, Issue 4, p589–590 (2016)

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