Sambista mereceu um lugar de destaque na história da música popular brasileira.
Wilson Baptista (Campos, 3 de julho de 1913 – Rio de Janeiro, 7 de julho de 1968), um gênio do samba, compositor é autor de sambas antológicos que foram sucesso na voz de João Gilberto, Paulinho da Viola e Aracy de Almeida.
Wilson Baptista era um criador de personagens perspicaz. Flamenguista doente, Wilson Baptista era do tipo que frequentava treinos e mantinha amizade com jogadores do time, como Zizinho. Dedicou alguns sambas à paixão futebolística, como este “Memórias de um torcedor” – a voz que popularizou a música foi a de Aracy de Almeida, então o primeiro verso ficou no feminino: “Eu ontem vim da Gávea tão cansada, com a cabeça inchada, pois o Flamengo tornou a perder…”.
Wilson Baptista veio ao mundo em 3 de julho de 1913, nasceu em Campos. Deixou a vida boêmia de que tanto gostava no dia 7 do mesmo mês, em 1968.
Fugiu para o Rio de Janeiro em trem cargueiro. Envolveu-se com a malandragem do Centro. Compôs melodias belas, marchas politizadas, sambas irreverentes.
Fez sucesso nas vozes de Francisco Alves, Aracy de Almeida, Moreira da Silva, João Gilberto, Paulinho da Viola. Envolveu-se numa polêmica com Noel Rosa.
Mesmo com mais de 500 sambas, ele ficou marcado como vilão de Noel Rosa.
Em 1956 a peleja entre Noel Rosa e Wilson Baptista, antes restrita a rodas de samba, virou disco. “Polêmica” reuniu as réplicas e tréplicas musicais de uma “briga” – com todas as aspas – que começou por causa de uma mulher. Neste samba, em gravação de Jorge Veiga, o momento em que Baptista pegou mais pesado: “Entre os feios és o primeiro da fila, todos reconhecem lá na Vila”.
Mário Lago chegou a defini-lo como alma de cão de mistura com um compositor de gênio. Mas Paulinho da Viola reverteu um pouco o jogo, ao declarar na TV que adorava Baptista além de gravar várias, como Meu mundo é hoje (Eu sou assim/quem quiser gostar de mim…), talvez a letra que melhor retrate sua personalidade.
O que se notava era que os compositores de família viam ele como um amigo de marginais e até de traficantes.
Nos seus últimos anos de vida, o Brasil estava indo para o lado do bolero, da bossa. Nelson Cavaquinho e Cartola tiveram nova chance um pouco depois da morte dele, graças ao Zicartola, ao Opinião. Esses artistas são lembrados, mas nos anos 1940 o Wilson fazia mais sucesso. Nossa história musical é mal contada.
Ao compor, ele conseguia falar com a alma feminina. Conseguia reproduzir a resposta das mulheres para as barbaridades dos homens.
Wilson brilha, porque tem samba sobre tudo! Ele era um cronista, tem vários personagens divertidos.
Baptista é o autor do hino machista Emilia (Quero uma mulher que saiba passar e cozinhar…), as letras sobre independência feminina são várias, como Boca de siri (Se encontrar o meu moreno por aí/ faça-me o obséquio/boca de siri) e Mundo às avessas (Ele que faz o feijão/A mulher é que comanda o pelotão).
O compositor teve três filhos com companheiras diferentes, mas acabou a vida só. Nas letras de sambas, disse que morreria sem levar arrependimento e que sambista grande não deve desaparecer.
Morreu na contramão, sem atrapalhar o tráfego, mas também sem a atenção que merecia. Se lamenta que Baptista tenha morrido antes de um momento de revalorização do samba.
No ano do centenário, a atenção a seu legado só faz crescer.
(Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura – CULTURA/ Por Helena Aragão – RIO DE JANEIRO – Publicado: 2/07/13)
Wilson Baptista, o mestre esquecido do samba
Foi um compositor genial negligenciado pela história
Pensador da malandragem
O moço de chapéu de lado, cabelos ondulados de Glostora, fatiota batida e o gingado manemolente era deliberadamente isso mesmo, o malandro carioca dos anos 1930. Ninguém mais do que o compositor Wilson Baptista (1913 – 1968) encarnou essa estética e assumiu a sua defesa em sambas de melodias sincopadas de se dançar em gafieiras e letras bem-humoradas com personagens de minioperetas como a Nega Luzia, que recebeu o Nero e queria botar fogo no morro.
Malandros havia muitos na flamante noite da primeira metade do século passado na então Capital Federal. Brotavam dos morros da área central da cidade e se realizavam no entorno da Praça Tiradentes e da Lapa de prostitutas, gente da noite, malandros, intelectuais, jornalistas, músicos, escritores e turistas. Por ali circulavam Orestes Barbosa, Vadico, Ataulfo Alves, Noel Rosa, Nássara, Herivelto Martins, Donga e Francisco Alves e Wilson, gente que compunha (ou cantava) para as peças dos teatros da redondeza.
Mas só Wilson Baptista, cujo nascimento completou 100 anos neste 2013 que já termina, só ele mereceu a distinção de “filósofo do samba”.
Um filósofo underground, diga-se.
Letras rabiscadas em guardanapos de cafés e bares, Wilson cantou a boêmia, os conflitos dos apaixonados, as ilusões do povo, a vadiagem, os azares da jogatina e a ironia de quem erguia construções e não tinha onde morar e assim impregnava seus sambas de vida e cotidiano. Foi ele um dos primeiros a retratar a mulher, no auge da imposição machista:
(…) – Oh! Seu Oscar
Tá fazendo meia hora
Que sua mulher foi embora
E um bilhete deixou
O bilhete assim dizia;
“Não posso mais
Eu quero é viver na orgia”
Este samba, Oh! Seu Oscar, de parceria com Ataulfo Alves, venceu um grande concurso de música popular promovido pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, o tenebroso DIP do Estado Novo, em 1936. Mas ainda assim, seu desfecho é libertário. Esse é um lado desconhecido de Wilson Baptista. O mais conhecido é o de sua polêmica com outro mestre, Noel Rosa. Entre meados de 1933 e o final de 1936, os dois compositores esgrimiram sambas feitos nos cafés da Lapa, a começar quando Wilson compôs um lindo elogio à malandragem, o Lenço no Pescoço, gravado por Sylvio Caldas. Mas havia uma linda morena de um cabaret da Lapa, uma bailarina por quem Wilson e Noel tinham interesse. Como a moça se engraçou com Wilson, Noel fez um samba desancando Lenço no Pescoço e disse “proponho ao povo civilizado/não te chamar de malandro/e, sim, de rapaz folgado”. Noel se alinhava ao Rio moderno, das largas avenidas recém abertas onde antes havia cortiços, casarios e morros do centro da cidade. Noel, porém, era tanto ou mais apaixonado pela malandragem quanto Wilson. O duelo divertido se seguiu e nele Noel presenteou o país com Feitiço da Vila e Palpite Infeliz. O gênio de Wilson não era menor. Só que ele ficou esquecido na história.
Quem recupera sua memória aproveitando a efeméride é o escritor, ator e músico Rodrigo Alzuguir, que apresentou neste Natal a biografia Wilson Baptista, o Samba Foi a sua Glória (Casa da Palavra), já tendo lançado este ano um Cancioneiro Comentado com 105 partituras e, em 2011, um musical e um álbum duplo: O Samba Carioca de Wilson Batista (Biscoito Fino).
Uma preciosidade recuperada no baú por Paulinho da Viola fala muito do modo de vida de Wilson Baptista. Em Meu Mundo é Hoje, ele diz que “assim morrerá um dia / não levará arrependimentos / nem o peso da hipocrisia”. Malandro que faz um verso desses no início do século passado tem o seu valor.
Em outro samba, Chico Brito, um valente do morro, e mais um grande personagem de Wilson, vai preso pelo delegado Peçanha. Isso que no início Chico crescera aluno aplicado no colégio. Wilson remata: “(…) Se o homem nasceu bom / e bom não se conservou / a culpa é da sociedade que o transformou.
— Ele falava nas composições como veículos do pensamento, como no Chico Brito. Usava algo como o Rousseau no samba — diz o biógrafo Rodrigo Alzuguir.
Amigos, músicos, compositores tratavam Wilson como um pensador do samba porque ele dizia que uma obra deve ser suficientemente “forte” e alcançar “personalidade”. Evitava temas religiosos. Compunha batucando na caixa de fósforo, que, aliás, foi o instrumento minimalista de muito sambista do porte de Cyro Monteiro, Lupicínio Rodrigues e Zé Keti. De grande parte de suas 720 músicas, uma imensidão criativa, vendia parcerias de dia para dançar no cabaré à noite e, em alguns casos, revendia a outro interessado que aparecia na Lapa. Se fosse flagrado, fazia na hora uma nova composição e pagava a dívida. Noel Rosa era do mesmo tipo. Houve épocas em que o poeta da Vila tornou-se quase um empregado do cantor Francisco Alves, que lhe emprestava dinheiro mas exigia em troca a parceria.
Nessa vida hedonista, Wilson torrava com mulheres seu parco dinheiro e, no dia seguinte, mal sabia o que havia composto no anterior. Não cuidou da obra, não deixou acervo e nem providenciou quem zelasse pela memória. Também por isso seu nome hoje soa desconhecido.
(Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/noticia/2013/12 – ENTRETENIMENTO/ Por: Jones Lopes da Silva – 28/12/2013)