“Tu sabes do que me ocupo quando não estou pensando nem fazendo política? Eu durmo”

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21 de junho de 2004 – Leonel Brizola, político brasileiro, ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, falece no Rio de Janeiro. Brizola foi também prefeito de Porto Alegre, deputado estadual e deputado federal. Nasceu em Carazinho em 22 de janeiro de 1922.

Caudilhismo, populismo, nacionalismo: as ideias e os conceitos em que acreditava o político foram sepultados antes dele.

O engenheiro Leonel Brizola, em 1992, numa manifestação de seu partido, o PDT. Ao lado, Lula no velório, no qual foi vaiado por brizolistas: os aliados acabaram em lados opostos
Enquanto o engenheiro Leonel de Moura Brizola, líder do PDT, recebia as últimas homenagens fúnebres, antes de ser enterrado no mesmo cemitério de Getúlio Vargas e João Goulart, em São Borja, no Rio Grande do Sul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava em Nova York, no salão do Hotel Waldorf-Astoria, falando a uma platéia de investidores e empresários americanos. Lula estava vendendo o Brasil – num sentido bem diferente do que atribuía a esse verbo o gaúcho Leonel Brizola. Na distância que separa os dois sentidos, morreram três ismos que convulsionaram a história brasileira: o caudilhismo, o populismo, o nacionalismo. Todos eles sepultados bem antes do político que insistia em revivê-los – ou melhor, que os acreditava vivos. Todos eles sepultados pela racionalidade e pela modernidade.

Um homem com idéias fora do lugar, ou fora de época, tanto faz, era assim o Brizola dos últimos dias, dos últimos anos, da última década, para falar o mínimo. Um anacronismo que esperneava. Mas que isso não manche sua reputação pessoal. Brizola sempre esteve muitas notas acima das frugais médias de inteligência e honestidade dos seus pares. A esse respeito, pode-se pegar emprestada uma frase da conservadora Margaret Thatcher, ex-primeira-ministra da Inglaterra, que comentou assim a morte de um líder trabalhista, antípoda seu: “Você pode estar totalmente errado em política, sem ser um tolo ou um canalha”.

A vivacidade de Brizola está bem ilustrada pelas frases corrosivas que dirigia a seus adversários (veja quadro). A acentuar essa mordacidade, havia a inflexão peculiar e os “eles” demasiadamente palatais (excessivos até para um gaúcho), que muitos brasileiros nascidos nos anos 60 se compraziam em imitar, tão logo se viram diante do Brizola recém-tornado ao palco político, depois da anistia de 1979, que o tirou do exílio no Uruguai. Aliás, para essa geração, hoje na faixa dos 40 anos, a volta à normalidade institucional, com debates acalorados pela televisão, foi também uma sobreposição de sotaques, inflexões e vocabulários algo humorísticos. Havia Jânio Quadros. Havia Lula (há Lula). E havia Brizola.

Ao morrer no último dia 21, ele contava 82 anos. Em 1998, aos 76, depois de uma das várias derrotas eleitorais que sofreu, Brizola ouviu o conselho para que se retirasse da política. “Serei como um cavalo inglês: só vou morrer na cancha”, respondeu. A promessa foi cumprida: antes de sofrer o infarto que o mataria, ele se preparava para anunciar sua candidatura à prefeitura do Rio de Janeiro. Brizola governou o Rio de Janeiro, o Estado, duas vezes, de 1983 a 1987 e de 1991 a 1994. Foi no Rio de Janeiro, a cidade, que vingou com exuberância o adjetivo “brizolista”, um subproduto dos ismos citados no primeiro parágrafo, assim como “getulista” e “janguista”. Foram brizolistas que vaiaram Lula no velório do líder do PDT, acusando-o de “traidor”. Traidor do quê? Dos tais ismos, evidentemente, visto que Lula, na Presidência, não é o mesmo da campanha de 1998, quando tinha Brizola como vice de chapa. O presidente petista segue uma política monetária ortodoxa e prossegue no projeto de abertura econômica do país.

Também no Rio de Janeiro, a cidade, floresceu o adjetivo “antibrizolista”. O antibrizolista ressente-se de um fato inconteste: o alastramento das favelas, inclusive no cartão-postal da Zona Sul, e a ascensão dos traficantes de drogas durante o governo de Brizola. Não se trata de coincidência. O brizolismo nutriu-se diretamente dos bolsões de pobreza cariocas, por meio de duas medidas: o fim das remoções de favelas e a proibição de que a polícia fizesse incursões nos morros favelizados, sob a alegação de que os seus habitantes sofriam muito com a violência policial. Pois os pobres favelados deixaram de ser atormentados pela polícia, para penar sob os traficantes. Sem repressão, em pouco tempo, os traficantes armaram-se pesadamente e os morros se transformaram em fortalezas. Sem ameaça de remoção, as favelas incorporaram construções de alvenaria e multiplicaram-se. Quando Brizola assumiu o governo, em 1983, havia 377 favelas no Rio de Janeiro – número que pulou para 520 ao fim do seu primeiro mandato. O brizolismo matou o urbanismo, para ganhar a simpatia imediata dos humildes.

Alimentar-se da pobreza significa a necessidade de perpetuá-la. Getúlio Vargas – de quem Brizola se julgava herdeiro, numa linha de sucessão interrompida por seu cunhado, João Goulart (herdeiro a contragosto) – era “o pai dos pobres”. Mas como haveria Getúlio de continuar a ser pai se um dia não existissem mais pobres? Tal é o veneno do caudilhismo, do populismo, do nacionalismo que impede a ventilação econômica, ideológica e intelectual. Eles são ismos que constituem uma trágica versão latino-americana, ou mais precisamente platina, da qual os gaúchos receberam os bafejos por obra da geografia – uma trágica versão do universal, literária e politicamente, “é preciso que tudo mude para continuar como está”. Os caudilhos, os populistas, os nacionalistas pregam a mudança, mas, para que se conservem, tudo deve permanecer como sempre foi. Ou pior, como mostra a gestão de Brizola no Rio de Janeiro.

Não que Brizola fosse um cínico (ou tolo, ou canalha). Ele morreu acreditando piamente no seu ideário. Acreditava quando, entre 1959 e 1963, governou o Rio Grande do Sul, deixando a marca do incendiário que encampou empresas estrangeiras e promoveu invasões de terra. Acreditava mais no seu ideário do que propriamente em democracia quando, em 1961, se entrincheirou na “Cadeia da Legalidade”, para garantir a posse de João Goulart, depois da renúncia de Jânio Quadros. E também foi a crença no seu ideário que o levou a cometer erros descomunais no Rio. Leonel Brizola jamais desconfiou de que pudesse estar errado. Manteve-se coerente até o fim. Numa coerência que se transformou em pecado e morte. Morte política.

Brizola, o frasista

“Estou pensando em criar um vergonhódromo para políticos sem-vergonha, que ao verem a chance de chegar ao poder esquecem os compromissos com o povo”
Em 1984

“Lula pode ser um bom ministro, depois governador e, daqui a uns dez ou doze anos, o melhor de todos os candidatos a presidente”
Antes do início da campanha presidencial de 1989

“Cá para nós. Um político de antigamente, o senador Pinheiro Machado, dizia que a política é a arte de engolir sapo. Não seria fascinante fazer agora a elite brasileira engolir o Lula, sapo barbudo?”
Em 1989, depois de fechar o apoio à candidatura de Lula à Presidência

“O PT é a UDN de tamanco e macacão”
Em 1990

“Esse Lula é um bobalhão”
Em 1987

“Pra gaúcho esse Viagra é overdose!”
Sobre a virilidade gaúcha, em 1998

“Serei como um cavalo inglês: só vou morrer na cancha”
Aos que sugeriam que ele abandonasse a política depois da derrota eleitoral em 1998

“O PT é como uma galinha que cacareja para a esquerda, mas põe os ovos para a direita”
Em 2000

“Garotinho é um animador de auditório. É ou não é? Ééééé…”
Imitando Silvio Santos para criticar o então governador fluminense, em 2000

“O Lula, que veio para reformar, está sendo reformado”
Comentando a contratação de um marqueteiro para orientar o petista, em 2001

“Garotinho é como uma bola, não tem lado e é oco por dentro”
Sobre seu ex-aliado, em 2002

“Tu sabes do que me ocupo quando não estou pensando nem fazendo política? Eu durmo”
Em 2002, quando completou 80 anos

(Fonte: http://www.correiodopovo.com.br – ANO 116 – Nº 264 – Cronologia – 21 de junho de 2011)
(Fonte: Veja, 30 de junho, 2004 – ANO 37 – N° 26 – Edição n° 1860 – BRASIL – MEMÓRIA/ Mario Sabino – Pág; 52/53 e 54)

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