Sebastião Camargo, fundador de uma das maiores empreiteiras do Brasil, a construtora Camargo Corrêa.

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Sebastião Camargo, o polêmico empreendedor com três anos de estudo que construiu um dos maiores grupos econômicos do país, sempre em sintonia com os ocupantes do poder

Sebastião Ferraz de Camargo Penteado (Jaú, 25 de setembro de 1909 – São Paulo, 26 de agosto de 1994), empresário paulista, fundador de uma das maiores empreiteiras do Brasil, a construtora Camargo Corrêa. O empreiteiro era também diretor-presidente da holding Morro Vermelho, grupo constituído por trinta empresas distribuídas por por diversos setores da economia. Segundo a revista Forbes, ao longo de sessenta anos Sebastião Camargo construiu um império pessoal avaliado em 1,8 bilhão de dólares, o que o fez frequentar, nos últimos anos, a lista dos homens mais ricos do mundo. Era um exemplo clássico do self-made man à moda brasileira. Estreou no mundo dos negócios como transportador de terra, na cidade de Apiaí, no interior de São Paulo. Tinha quatro carroças e o 3º ano primário. Foi longe. “Sempre procurei me cercar de profissionais competentes, gente muito melhor do que eu”, costumava dizer.

Sebastião Camargo, forjado nas dificuldades de quem viveu no interior — ele era de Jaú –, tinha essa visão, criou sua empreiteira, fundada em 1938, consolidou-se pelo gigantismo dos projetos da era do Brasil grande – entre eles, a Transamazônica, a usina de Tucuruí, a barragem de Ilha Solteira e a Ponte Rio-Niterói. Sebastião Camargo apreciava cachimbos, bons uísques e manejava como poucos o jogo das influências políticas. Em 1993, ao ser diagnosticado o câncer no pâncreas do empresário, a família Camargo Corrêa viveu um período turbulento: suas três filhas lançaram-se numa acirrada disputa pelo controle do império. Falou mais alto a vontade do fundador. Com a sua morte, assumiu a direção do grupo o executivo Pietro Bianchi, funcionário de confiança de Sebastião Camargo. Sebastião Camargo morreu dia 26 de agosto de 1994, de insuficiência respiratória, em São Paulo, aos 84 anos.
(Fonte: veja, 7 de setembro de 1994 – ANO 27 – N.° 1356 – Edição 1356 – DATAS – Pág; 108)

Amigo dos militares e centralizador, ele construiu do nada um império econômico de R$ 16 bilhões
Fundada pelo legendário Sebastião Camargo em 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, a empresa transformou-se nas décadas seguintes em um dos principais nomes da construção pesada, de onde provinham mais de 90% de suas receitas até meados dos anos 1990. Levam sua assinatura algumas das principais obras da engenharia nacional à época do regime militar, como as hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí, a ponte Rio-Niterói, as rodovias Transamazônica e Bandeirantes, o Metrô de São Paulo e a usina nuclear Angra 1, entre outras.

a Camargo Corrêa é uma das maiores potências empresariais brasileiras. Com uma receita estimada de R$ 16 bilhões em 2008, figura entre os 25 maiores grupos do país. É também um dos maiores empregadores, com mais de 60 mil funcionários em sua folha de pagamento.

Quando o dinheiro para investimento do Estado acabou e as encomendas do setor público escassearam, a empreiteira paulista soube se reinventar. Embarcou com tudo na onda das privatizações patrocinadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso e passou para o outro lado do balcão. De fornecedora, transformou-se em concessionária dos serviços privatizados, entre eles a via Dutra e a mesma ponte Rio-Niterói que entregara em 1974, além da distribuidora de energia elétrica CPFL. Ao mesmo tempo, a Camargo Corrêa aprofundou sua participação em áreas que nada tinham a ver com sua vocação original.

É o caso dos setores de calçados e têxtil, com a incorporação de nomes estrelados como Alpargatas e a Santista Têxtil. Como investidor, o portfólio do grupo não é menos vistoso: detém participações significativas na americana Alcoa, número um do setor de alumínio no mundo, e na siderúrgica Usiminas. No setor financeiro, é um importante acionista da Itaúsa, a holding que controla o banco Itaú-Unibanco.

A reinvenção do grupo aconteceu já sem a presença do patriarca Sebastião Ferraz de Camargo Penteado, morto em 1994, aos 84 anos de idade. Chamado de “China” pelos conhecidos, por causa dos traços orientais de seus olhos, Camargo protagonizou uma das trajetórias mais bem-sucedidas e controvertidas do mundo dos negócios no Brasil. Filho de um modesto fazendeiro de Jaú, no interior de São Paulo, foi obrigado a interromper os estudos no terceiro ano primário, com a morte do pai. Para ajudar no sustento da família, começou a transportar terra retirada de construções de estradas numa carroça puxada por um burro. Aprendeu as técnicas de terraplanagem e se transformou num pequeno empreiteiro. Em 1939, conheceu o advogado Sylvio Corrêa e com ele fundou uma pequena construtora na capital paulista – a Camargo Corrêa & Cia Ltda. Em 1940, a dupla resolveu ousar, comprando um trator Caterpillar, um dos primeiros do gênero a operar no Brasil, o que ajudou a impulsionar os contratos.

O estilo de gestão de Camargo reproduzia de
alguma forma o ambiente político vivido no país
O primeiro grande salto na trajetória da empreiteira aconteceu na segunda metade dos anos 1950, com a construção de Brasília. A Camargo Corrêa foi a responsável pela construção de várias estradas de acesso à nova capital. Mais do que isso: a participação na epopéia de Brasília permitiu a Sebastião Camargo aproximar-se do presidente Juscelino Kubitschek, dando início a um duradouro relacionamento com o poder, qualquer que fosse o seu ocupante. Essa intimidade com os governantes veio a aprofundar-se a partir de 1964, época em que o “China” assumiu o controle integral do negócio, com a saída do sócio Sylvio Corrêa, cujo sobrenome foi mantido pela construtora e pelo grupo. A Camargo Corrêa transformou-se rapidamente na queridinha dos governos militares. Não por acaso, até 1985 era a líder absoluta entre as empreiteiras brasileiras, posto que então perdeu para a Norberto Odebrecht.

Em 1967, Sebastião Camargo, apesar do primário incompleto, foi agraciado com o título de doutor honoris causa pela Escola Superior de Guerra, a usina ideológica do regime. “Acho que o grande progresso do Brasil foi no governo militar”, disse Camargo, em dezembro de 1990, ao jornal Folha de S. Paulo, numa de suas raras entrevistas.

Sua habilidade em fazer amigos ultrapassou fronteiras. Um deles atendia pelo nome de Alfredo Stroessner, o longevo ditador do Paraguai, companheiro de pescarias de Camargo. Quando, por uma dessas artes do destino, sua empresa não foi classificada para a construção de Itaipu, Stroessner prontamente socorreu o amigo. “Onde está Don Sebastián?”, reclamou, ameaçando cancelar o projeto. A indignação do paraguaio só foi aplacada quando o governo brasileiro fez uma marcha à ré, entregando uma parte da obra à Camargo Corrêa.

A lucrativa identificação com regimes autoritários também valeu dissabores para o fundador da Camargo Corrêa. Em 1971, quando da execução do empresário dinamarquês Henning Albert Boilesen por um comando de esquerda, o nome de Sebastião Camargo figurava numa lista de supostos financiadores da famigerada Operação Bandeirantes (Oban), o braço repressivo do regime militar brasileiro. Ameaçado de fim idêntico ao de Boilesen, o empreiteiro embarcou a mulher, Dirce, e as filhas Rosana, Renata e Regina (que hoje possuem o controle do grupo) para a Europa. Ele próprio permaneceu no Brasil, cercando-se, previdentemente, de um exército de seguranças particulares.

O estilo de gestão de Camargo reproduzia, de alguma forma, o ambiente político vivido no país. Embora costumasse ouvir atentamente seus executivos, não abria mão do controle absoluto da empreiteira. Era exigente no cumprimento de tarefas e obcecado com ordem e organização. Desacostumado a operar num regime diferente, o empresário enfrentou problemas numa de suas primeiras incursões no exterior, a construção da hidroelétrica de Guri, na Venezuela. Uma série de greves promovidas pelos operários venezuelanos atrasou a obra, trazendo prejuízos para a Camargo Corrêa. Depois dessa experiência, Sebastião Camargo resolveu dar um tempo nas investidas pelo exterior.

O processo de internacionalização dos negócios só foi retomado em 2005, ano em que suas obras no exterior geraram receitas de US$ 50 milhões. Com foco na América Latina e na África (Angola e Moçambique, notadamente), a empresa busca recuperar aceleradamente o tempo perdido para as concorrentes Odebrecht e Andrade Gutierrez, que se lançaram ao exterior já nos anos 1980. No ano passado, o faturamento da área internacional da Camargo Corrêa chegou a US$ 700 milhões e a carteira de encomendas já soma US$ 1,2 bilhão. Os bons resultados da nova investida externa, somados à expansão do mercado interno, deram um novo fôlego à construtora no interior do grupo. Sua participação no faturamento total da Camargo Corrêa, que havia caído para 20%, aumentou para 30% em 2008.

A internacionalização dos negócios do grupo não se limitou à construtora. Em 2005, por exemplo, a Camargo Corrêa adquiriu a Loma Negra, maior fabricante de cimento da Argentina. No ano seguinte, foi a vez da Santista Têxtil assumir o controle da espanhola Tavex, uma dos mais valorizados fabricantes mundiais de índigo. Mais recentemente, foi a vez da Alpargatas investir US$ 50 milhões na montagem de uma estrutura para vender as sandálias Havaianas nos Estados Unidos.

No ano em que completa seu 70º aniversário, a cara do grupo é bem diferente daquela deixada por Sebastião Camargo. Não apenas nos negócios, como na gestão. A profissionalização reduziu a interferência familiar – leia-se dos genros Fernando Arruda Botelho, Carlos Pires Oliveira Dias e Luiz Nascimento – no dia-a-dia das empresas. Uma primeira tentativa aconteceu em 1996, com Alcides Tápias, ex-vice-presidente do Bradesco, contratado com a missão de eliminar os feudos criados pelos acionistas na empresa. Ao deixar o grupo para ocupar um ministério no governo FHC, Tápias foi sucedido por um executivo da “casa”, Raphael Nogueira de Freitas, que ficou no comando do Conselho de Administração até 2006, quando foi substituído pelo atual ocupante, Vitor Hallack.
(Fonte: www.revistaepocasp.globo.com/Revista/Epoca/SP – por Clayton Netz – 31/03/2009)

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