Raphael Lemkin, foi um advogado polonês que perdeu vários membros de sua família no Holocausto, foi um dos primeiros a buscar um enquadramento jurídico para os crimes cometidos por Adolf Hitler, antes mesmo da Alemanha Nazista ser freada

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A incrível história do homem que criou o termo genocídio

 

Pelos corredores da sede da ONU em Nova Iorque, nos primeiros anos do estabelecimento da organização, um sujeito praticamente implorava a cada um dos delegados e diplomatas de países que dessem ouvidos a ele. Seu apelo era um só: assinar sua petição para criar um tratado internacional que lidasse com um crime que, até então, não tinha nome. Mas que, ao longo da história, havia deixado milhões de mortos.

 

Aquele sujeito era Raphael Lemkin (Bezvodno, Bielorrússia, 24 de junho de 1900 – Nova Iorque, Nova York, 28 de agosto de 1959), um advogado polonês e que perdeu 40 integrantes de sua família no Holocausto.

 

Sua própria vida esteve próxima de um fim quando, em 1939, ele se uniu à resistência e tentou lutar contra a ocupação nazista na Polônia. Ferido, o jovem Lemkin teve de se esconder por meses numa floresta, antes de conseguir escapar e se transformar em um refugiado na Suécia.

 

Fora de perigo, o advogado passou a dar aulas numa universidade em Estocolmo e foi um dos primeiros a buscar um enquadramento jurídico para os crimes cometidos por Adolf Hitler, antes mesmo de o mundo saber se a Alemanha Nazista poderia ser freada.

 

Judeu, Lemkin teve de se mudar para os Estados Unidos como refugiado após a Alemanha invadir a Polônia, e lá passou a lecionar na Duke University e aprofundou seus estudos, que já havia começado a desenvolver enquanto estudante quando ainda era jovem, sobre algo ainda sem nome e cujo termo ele viria a cunhar depois: o genocídio.

 

A história de grandes massacres de populações sempre tinha intrigado o jurista que, anos antes, havia ficado impressionado com o assassinato de um oficial otomano por um armênio, nas ruas de Berlim. Quando o criminoso foi levado diante de uma corte, ele alegou que havia cometido o assassinato para vingar a morte de sua mãe, no massacre do povo armênio.

 

Em 1933, Lemkin decidiu usar uma reunião do Conselho Legal da Liga das Nações, em Madri, para apresentar a ideia de se criar um novo quadro jurídico para tornar crime e proibir “atos de barbarismo e vandalismo”.

 

Para evitar um desgaste com o recém empossado chanceler alemão, Adolf Hitler, o governo da Polônia fez o possível para impedir que Lemkin viajasse até Madri. Mas ele não desistiu e conseguiu encontrar um diplomata que apresentasse a proposta em seu nome.

 

Pelo projeto, uma pessoa que cometesse tal crime deveria ser detida por qualquer governo e levado à Justiça, mesmo que o crime não tivesse ocorrido naquele país. O projeto não convenceu os governos, resistentes a buscar instrumentos que pudessem minar a soberania de outros estados, mesmo sob a justificativa de proteger a vida.

 

Anos depois, e já com sua família executada, Lemkin continuou a buscar uma resposta legal para tais crimes depois de se mudar, em 1941, para a Universidade Duke, nos EUA. E foi lá que, em 1944, ele cunhou um novo termo: genocídio. Para isso, juntou o prefixo grego “genos”, que significa raça, e o sufixo latim “cide”, numa referência à morte. Ou seja: um crime premeditado com um objetivo claro. Não seria apenas um acidente e nem um ato apenas tratado como “aberração”.

 

Lemkin começaria uma campanha solitária para que um instrumento internacional tentasse impedir que os horrores do Holocausto ou qualquer outro massacre voltassem a ocorrer.

 

Sua decisão foi radical: abandonou sua carreira acadêmica e passou a se dedicar à campanha por um tratado internacional que tornasse o genocídio um crime. Viajando de conferência em conferência, ele acabou adoecendo em Paris e teve de ser internado, pessimista sobre a possibilidade de ver seu projeto se transformar em realidade.

 

Mas, em uma enfermaria, ao ler nos jornais que a primeira sessão de uma nova entidade seria realizada, nos EUA, ele fugiu do hospital e embarcou para cruzar o Atlântico de novo. Tratava-se da recém criada Nações Unidas.

 

Com uma pasta, convicção e muita insistência, o jurista passou a perseguir diplomatas para convencer governos a transformar em crime o genocídio, reconhecido por lei.

 

Testemunhas contam que havia uma certa resistência, com muitos questionando de que valeria um tratado sobre um crime ou sua definição num pedaço de papel, diante de homens como Hitler ou Stalin. Mas ele responderia: “apenas o homem tem leis e as leis precisam ser construídas”. De fato, Winston Churchill havia alertado ao mundo que, diante do avanço nazista, a civilização estava “na presença de um crime sem nome”.

 

Lemkin escreveu inúmeros panfletos para distribuir para jornalistas, acadêmicos, ongs e governos. Aos poucos, sua campanha passou a ter a adesão de personalidades importantes e, de acadêmico, o polonês se transformou em ativista.

 

Logo ele descobriu que os governos que poderiam assumir sua campanha não eram os grandes e poderosos, mas justamente aqueles menores que poderiam ser vítimas. Entre os primeiros apoios ao projeto estavam países como Panamá e Cuba.

 

O primeiro uso oficial da palavra ocorreria apenas em 1946, quando a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução para desenhar um tratado para punir o crime de genocídio.

 

Seriam dois anos de intensa negociação. Mas, em 1948, a Convenção contra o Genocídio finalmente foi aprovada. Na antessala do encontro entre governos, Lemkin transformaria anos de tensão e campanhas em apenas uma frase: “muito obrigado”.

 

Aquela era Convenção para a Prevenção do Genocídio, o primeiro tratado internacional de direitos humanos da entidade.

 

Em pelo menos duas ocasiões – em 1950 e 1952 – Lemkin foi considerado para receber o Prêmio Nobel da Paz. Mas o reconhecimento nunca chegou.

 

Sem dinheiro e esquecido, Lemkin morreu no dia 28 de agosto de 1959. Em seu enterro, apenas poucas pessoas. Mas seu legado marcou o direito internacional e, hoje, o crime de genocídio faz parte do Tribunal Penal Internacional.

 

Em 1998, Jean-Paul Akayesu, o ruandês acusado de conduzir a campanha contra os Tutsis, seria a primeira pessoa condenada pelo crime de genocídio numa corte internacional. Em 2004, pela primeira vez, o governo americano usaria o termo, desta vez para tratar do massacre em Darfur.

(Fonte: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/10/24 – COLUNAS / por Jamil Chade / Colunista do UOL – 24/10/2021)

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