Ralph Waldo Emerson, filósofo que defende a independência do homem, a auto-suficiência a liberdade.

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Mister América

Emerson: modelo para os livros de auto-ajuda

Os formidáveis ensaios de Ralph Emerson, trazem o germe de valores do mundo atual

Ralph Waldo Emerson (Boston, Massachusetts, 25 de maio de 1803 – Concord, Massachusetts, 27 de abril de 1882), pensador e poeta americano, que costuma abastecer os organizadores de dicionários de citações.

Toda a banalidade e estultícia ficam ainda mais evidentes se confrontadas com a densidade e genorosidade de Emerson.

Haverá quem ache curiosa a comparação entre um dos arautos do modrno idelaismo e autores espertalhões. Mas no ensaio intitulado “Autoconfiança”, pode-se verificar o quanto Emerson levava a sério o que mais tarde se transformaria em gênero subliterário: “Eternamente bem-vindo de deuses e homens é o homem que sabe ajudar-se a si próprio.” Muito mais do que uma pérola de efeito, a afirmação constitui a chave para a compreensão da filosofia de Emerson. Uma filosofia que exalta o indivíduo e menospreza as leis sociais e econômicas que, segundo muitos estudiosos, determinariam a trajetória da humanidade.

A história, para o pensador, não é a simples sucessão de fatos, ordenados em tomos grossos e empoeirados, mas a experiência vivida e revivida de cada um. “Não existe propriamente história; apenas biografia. Cada mente tem de saber a lição inteira por si mesma. O que não divisar, o que não vivenciar, não conhecerá”, escreve Emerson.

A generosidade de Emerson está em acreditar que os homens não são meros consumidores de quinquilharias neste mmundo. Possuem grandeza, têm transcendência – desde que se disponham a crer na sua própria capacidade. O primeiro passo é não ter receio de expressar ideias novas. Como sabe qualquer pessoa esclarecida, que já se deu ao trabalho de examinar o próprio íntimo, muitos pensamentos originais são deixados de lado apenas porque não foram proferidos antes por alguém. A falta de vergonha na massa cinzenta, por assim dizer, seria o grande atributo de luminares como Platão e Milton. Conhecedor da alma humana, Emerson vai direto ao ponto, ao descrever uma situação comum: “Em toda obra de gênio, reconhecemos nossos próprios pensamentos rejeitados: eles retornam a nós com uma certa majestade alienada.”

HERESIA – Os ensaios de Emerson tratam, entre outros temas, de amor, heroísmo e intelecto. Exalam irresistível ardor juvenil, uma de suas maiores qualidades. Há algo de Indiana Jones, de Sociedade dos Poetas Mortos na sua apologia da espontaneidade, na sem-cerimônia no trato com a história e a tradição, na sua negação da “prudência ignóbil, que nunca contribui, nunca dá, raramente empresa e não faz senão a mesma pergunta a respeito de qualquer projeto: aumentará o número de pães?.” Quando ele afirma que “quem deseja ser um homem, tem de ser um dissidente”, o leitor mais atento sente o coração pulsar mais forte.

Emerson é, em certa medida, recuperar anseios aolescentes que pareciam enterrados para sempre. O paralelo com personagens cinematográficos soa como heresia, mas é interessante verificar que Hollywood trabalhou, nos seus grandes momentos, com vários dos temas abordados por Emerson.

De fato, Emerson, considerado um dos protagonistas do “renascimento americano”, ajudou a moldar valores caros à sociedade de seu país, tais como o individualismo anti-conformista e uma certa atitude pragmática perante a vida, que estariam na base do expansionismo ianque. Seja como for, não se pode reduzi-lo à categoria de defensor do “american way of life”, como querem alguns. Se fosse assim, seu pensamento não teria encantado aqueles que, em outras latitudes e épocas, colocam o homem como centro de todo e qualquer sistema filosófico.

Ensaios – Primeira Série foi publicado originalmente em 1841, nove anos depois de Emerson ter abandonado a Igreja Unitarista, da qual era pastor. A decisão de ser um “pesquisador sem objetivo e sem passado nos ombros” revelou-se acertada de todos os ângulos. Rendeu-lhe uma autonomia impensável para um pastor protestante e garantiu-lhe popularidade entre os jovens. Graças a ele, a cidade de Concord, para onde se mudou após longa viagem pela Europa, transformou-se em pólo cultural, atraindo estudantes e intelectuais de todas as regiões do país.

A importância de Emerson reside, ainda, no fato de ter adaptado para as necessidades ideológicas dos Estados Unidos correntes filosóficas que surgiam do outro lado do Atlântico Norte. Concord era uma espécie de usina de reciclagem de concepções. A pauta que animava as discussões era ampla o suficiente para abarcar desde os rumos políticos que deveriam ser tomados a assuntos como os sentimentos humanos, tratados sem a ligeireza das parlapatices de salão. O texto sobre a amizade, é um dos pontos altos do livro de Emerson. É de se imaginar o êxtase de seus discípulos quando ele conferiu ao sentimento a qualidade de tonificante espiritual. “Nossos poderes intelectuais e ativos aumentam com nossa afeição. O acadêmico senta para escrever e todos os seus anos de meditação não lhe fornecem sequer um bom pensamento, uma boa expressão, mas basta escrever uma carta a um amigo para que pensamentos gentis se cerquem de palavras escolhidas”, diz o autor.

Por experiência pessoal, Emerson sabia que a afeição é fator determinante na formulação da personalidade. Aos 8 anos, ele perdeu o pai, o reverendo William Emerson, e ganhou uma tutora que teria enorme influência sobre seus caminhos: a tia paterna Mary Moody. Os biógrafos do pensador apontam tia Mary como um dos seus primeiros modelos de anticonformismo e liberdade intelectual. Aos 28 anos, Emerson também descobriria o quanto a falta de afeição pode alterar rotas preestabelecidas – a jovem Ellen Louisa Tucker, com que se casara em 1829, morreu de tuberculose. A perda da mulher, além da saudade natural, trouxe para ele o que se pode chamar de benefício da dúvida. A crise pessoal acirrou em Emerson a desconfiança em relação a dogmas de quaisquer tipos, base de seu pensamento e fonte de seu sucesso.

EXPRESSÃO ASININA – A certeza de que o homem tem um papel que ultrapassa as limitações impostas pelos sistemas vigentes e a oposição ao materialismo, que começou a vicejar no século XIX, fez com que Emerson criasse o Transcendental Club, em 1836. O tal clube tinha uma função estratégica evidente – foi um modo de concentrar poder de fogo para que ele e seus amigos ocupassem posição de destque na classe dos formadores de opinião.

Funcionou, mas a tática teria sido inútil se o seu pensamento não tivesse demonstrado vigor e entusiasmado milhares de jovens. Anos depois da publicação desses ensaios, Emerson continua atual, com o perdão do lugar-comum. Não poderia ser diferente com um pensador que diz às pessoas para tentarem encontrar a saída para os dilemas de suas vidas dentro de si mesmas. E quando isso vem escrito numa linguagem que não subestima os leitores, a delícia é suprema. A segunda bateria de ensaios de Emerson, publicada em 1844, vem devidamente acompanhada por uma apresentação do autor. É imperdoável que a edição da primeira série não tenha merecido dedicaçaõ do leitor.

Emerson é uma leitura necessária, até que deixemos de vender nossa opinião a quem não detenha toda a verdade. Até que deixemos de espantar, na maioria das ocasiões, o que ele chama de expressão asinina, assim descrita: “Há uma experiência mortificante, em particular, que jamais deixa de ter curso também na história geral; reporto-me ao rosto abobalhado de louvor, o sorriso forçado que encorpamos em companhias perante as quais não nos sentimos à vontade, em resposta à conversa que não nos interessa. Os músculos, movidos não espontaneamente, mas por uma teimosia baixamente usurpadora, tornam-se rijos em volta do contorno da face, provocando uma sensação das mais desagradáveis”.

(Fonte: Veja, 18 de janeiro de 1995 – ANO 28 – Nº 3 – Edição n° 1375 – LIVROS/ MARIO SABINO – Pág; 94)

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