Primeiro compositor branco de classe média a fazer parcerias com compositores negros

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O lirismo e a picardia das canções de Noel redefiniram os rumos da música brasileira

Noel Rosa (1910-1937), primeiro compositor branco de classe média a fazer parcerias com compositores negros que viviam nos morros ou bairros mais pobres da cidade. Noel foi pioneiro ao realizar a agora tão em voga “conexão entre o morro e o asfalto”. O músico nascido no dia 11 de dezembro, em 1910 no bairro de Vila Isabel contribuiu, na riqueza de seu repertório e na irreverência de sua poesia, para criar a imagem de uma certa malandragem carioca ainda hoje cultivada em muitos bares e equinas da cidade.

Mesmo não sendo lembrado à altura de sua obra, Noel Rosa não se enquadra no time dos sambistas esquecidos pelo povo. Em comemoração ao seu centenário de nascimento, Noel foi enredo da Unidos de Vila Isabel no Carnaval de 2010. Houve uma época em que Noel andou esquecido, em 1942, falava-se muito em Noel Rosa, mas não se conhecia muito a obra dele, era apenas um nome ao qual o bairro estava definitivamente ligado.

A redescoberta da obra de Noel Rosa aconteceu anos depois de sua morte. Em dezembro de 1950 foi lançado pela Aracy de Almeida um álbum com três discos só com músicas do Noel que foi altamente revelador para toda uma geração, não apenas da Vila Isabel, mas de todo o Rio de Janeiro. A partir daí, ele foi sendo descoberto ou redescoberto.

Noel Rosa foi, entre outras coisas, um pioneiro na articulação poética de sua obra literária a favor e dentro do samba. Antes do Noel, a poesia era bastante empolada, com versos dodecassilábicos.

O fato de Noel Rosa ter surgido na década de 1930, auge da era de ouro do rádio, reforçou o potencial transformador de sua música: Noel promoveu uma inovação ou renovação da lírica da música popular, principalmente em relação à canção romântica. Antes de Noel, a canção de amor no Brasil era muito rebuscada. Tentava ser sofisticada, mas era uma letra parnasiana e cheia de metáforas e simbologias.

Como se deu o divisor de águas: Havia um outro tipo de letra em música popular, seu compositor mais expressivo era Sinhô, mas elas eram muito mais carnavalescas, anedóticas, críticas, engraçadas, tratando a mulher sem aquele endeusamento das velhas modinhas. Mas isso acontecia quase exclusivamente no Carnaval. Noel chega com uma poética completamente diferente, mostrando que durante todo o ano era possível, fazer música romântica para mulher, com esse sentido mais malandro, mais moleque e engraçado. Tudo isso está na música que ele fazia sempre, e não apenas no Carnaval. Além disso, ele Ra um versejador muito feliz, com idéias geniais.

Morro e asfalto

Outro aspecto revolucionário da trajetória artística de Noel foi a aproximação entre o morro e o asfalto. Mesmo reconhecendo o pioneirismo de Francisco Alves, cantor de grande sucesso que foi o primeiro a gravar os sambistas negros, Noel foi o primeiro a realmente compor canções em parceria com sambistas do morro. Noel primeiro compositor branco, de classe média e com passagem pela faculdade, ainda que rápida, que se tornou parceiro de mais de dez desses compositores.

Não existia esse intercâmbio social e racial. Ele foi parceiro de Cartola, Ismael Silva, Bidê, Marçal, Heitor dos Prazeres, grandes compositores que viviam isolados em seus nichos.

Noel foi uma alternativa estética ao samba do Estácio, mais marcado, feito para os desfiles desde que a polícia começou a tolerar os blocos carnavalescos na década de 20. Com esses contatos, ele muda completamente e rompe com aquela tradição meio nordestina, caipira, do Bando dos Tangarás, onde começou.

Mesmo nutrindo indisfarçável complexo devido a um defeito facial provocado pelo fórceps no seu nascimento, Noel Rosa teve algumas namoradas, a maioria colegas de copo e de samba nos bares de Vila Isabel. Seu gosto pela vida boêmia e pelo cigarro, aliado a uma saúde frágil e a um corpo franzino, favoreceu o desenvolvimento da tuberculose que o matou. O Noel era um malandro de classe média intelectualizado. Ele abandonou a Medicina para se dedicar à música e à boemia e, digamos, à dissipação que o fez falecer antes dos 27 anos. Esse foi um preço muito alto pago por ele. Mas, de qualquer maneira, por conta dessa vida boêmia ele construiu todo um processo de inspiração que ficou imortal. Noel Rosa morreu no Rio de Janeiro, em 04 de maio de 1937, aos 26 anos, vitimado pela doença.

(Fonte: Revista do Brasil – Março de 2010 – N.° 45 – Cem anos em 26/ Por Maurício Thuswohl – Pág; 30/31)

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