Primeira mulher a assinar e ganhar uma disputa de samba-enredo numa grande escola no Rio de Janeiro

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Nascida para sonhar e cantar

 

A consagração nacional de Dona Ivone veio com a gravação de “Sonho meu”, por Maria Bethânia e Gal Costa, em 1978. Foi mais um sucesso com seu principal parceiro, Delcio Carvalho

 

 

Primeira mulher a assinar e ganhar uma disputa de samba-enredo numa grande escola no Rio de Janeiro, a Império Serrano, em 1965 – “Os Cinco Bailes da História do Rio” (com Silas de Oliveira e Bacalhau) -, ela era filha de músicos e prima de Mestre Fuleiro, um dos fundadores da agremiação de Madureira.

Uma das pedras fundamentais do samba carioca, autora de clássicos como “Sonho meu”, “Alguém me avisou” e “Mas quem disse que eu te esqueço”, a compositora Dona Ivone Lara, era venerada por sambistas e chamada de “Rainha do samba” e “Primeira-dama do samba”.

Carioca de Botafogo, de origem humilde, nascida Yvonne Lara da Costa em 13 de abril de 1922, fez sucesso aqui e no exterior – lançou dois álbuns internacionais e fez shows para plateias lotadas na Europa, EUA e África. A carreira foi iniciada tardiamente: fez participações em discos em 1970 e 1974, mas só depois de se aposentar como enfermeira e assistente social, aos 56 anos, gravou o primeiro álbum, “Samba, minha verdade, minha raiz”, em de 1978. Ganhou prêmios como o CD “Nasci para sonhar e cantar”, recebeu o Prêmio da Academia Charles Cros, em Paris, em 2001. Foi homenageada no Prêmio de Música Brasileira 2010, foi enredo da Império Serrano em 2012 e ganhou um sambabook em 2015. Em 1999, foi agraciada com a Medalha Pedro Ernesto na Câmara dos Vereadores do Rio e, em 2016, com a Ordem do Mérito Cultural no Palácio do Planalto.

Sofreu duros golpes, ainda criança: o pai morreu atropelado aos 27 anos, quando ela tinha apenas 3 e a mãe, aos 33, de infarto, quando ela havia completado dez anos. Ficou sob os cuidados de uma tia que não dispunha de recursos, mas conseguiu uma vaga em um colégio interno da Prefeitura, o Orsina da Fonseca, onde estudou até os 17 anos.

Determinada a vencer na vida, apesar da paixão pela música, entrou na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto e trabalhou com doentes mentais, fazendo parte da equipe da doutora Nise da Silveira. Continuou a estudar e se formou como assistente social. “No decorrer dos anos, nada mais aconteceu a não ser eu ter de estudar para ser alguém na vida. Foi quando achei que deveria fazer o meu alicerce para tentar uma vida artística, porque eu sempre gostei de representar, de cantar e de compor”, disse ela.

No colégio, teve aulas de música com Lucila Guimarães, mulher de Villa-Lobos, que ficou admirada com seu dom. Ivone chegou a cantar sob a regência do maestro, que a estimulou a prosseguir na música. Ao deixar o internato, foi morar com os tios, aprendeu a tocar cavaquinho e a apreciar o samba em companhia dos primos Fuleiro e Hélio. “Como minha tia não queria que eu entrasse para o samba, então eu fazia minhas composições e passava para o Mestre Fuleiro e ele falava que eram dele”, revelou. Namorou Oscar Costa, com quem se casou aos 25 anos. Com ele, frequentava a agremiação Prazer da Serrinha, quando conheceu os parceiros Mano Décio da Viola, Aniceto e Silas de Oliveira. Mais tarde, com todo o seu grupo, transferiu-se para a Império Serrano, em 1947, ingressando na ala dos compositores e das baianas.

Participou, por anos a fio, das rodas de samba do Teatro Opinião e, a convite de Adelzon Alves e Sargentelli, da coletânea, “Sambão 70”. Em 1978 – ano de ouro na história da indústria fonográfica no Brasil – consagrou-se  nacionalmente com a gravação de “Sonho meu”, por Maria Bethânia e Gal Costa.

Vale lembrar que muitas das verdadeiras pérolas criadas por essa incansável e modesta compositora (“Adoro fazer melodia, eu sonho com melodia, sou muito intuitiva”) contribuíram para enriquecer o repertório de artistas de renome. Delcio Carvalho, um de seus parceiros mais frequentes e que morreu em 2013, mencionou, em depoimento à revista “Carioquice”, que o samba “Acreditar” era uma introdução da música “Nasci para sonhar e cantar”.

Já “Sonho meu” foi tida como o hino dos deportados. “No show em desagravo ao governo militar no Riocentro, explodiu uma bomba exatamente na hora em que a música estava sendo cantada por todos os artistas no palco”, contou o letrista. Dona Ivone, que gravou 15 discos e compôs mais de uma centena de sambas, aprendeu com naturalidade a compor. Aos 12 anos, arriscou-se a escrever o estribilho do partido-alto “Tiê tiê”. Certa ocasião, comentou sobre isso em entrevista na França: “Comecei a fazer os meus primeiros versinhos para um pássaro que eu ganhei de presente, um tiê. Fiquei muito contente, pois representava para mim a boneca que eu não tinha”.

(Fonte: http://www.jb.com.br/cultura/noticias/2018/04/18 – Jornal do Brasil – CULTURA / NOTÍCIAS – 18/04/2018)

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