Primeira a ser privatizada, Usiminas

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Primeira a ser privatizada, Usiminas dobrou de tamanho em 20 anos

Responsável pelo crescimento do Vale do Aço após privatização, Usiminas consolida setor, constrói cidade e busca alternativas para continuar se expandindo

Em 24 de outubro de 1991, há exatos vinte anos, o Brasil começava a escrever mais um capítulo de sua história econômica – mas, para o supervisor de transportes internos Lauro Botelho, foi dia normal de trabalho na Usiminas. Enquanto ele cuidava para que máquinas e insumos chegassem aos galpões e altos-fornos, a companhia era vendida na Bolsa do Rio de Janeiro, por um valor próximo ao mínimo estipulado – de US$ 1,74 bilhão. Naquela quinta-feira, marcada por protestos contra a negociação da primeira grande siderúrgica brasileira, era colocado em prática o Programa Nacional de Desestatização, criado por lei no ano anterior.

De lá para cá, o governo vendeu outras indústrias, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN, em 1993); empresas estaduais, como a Light (1996); gigantes mundiais, como a Vale (1997); serviços de telefonia, como o sistema Telebrás (1998) e bancos, como o Banespa (2000) – num processo de desestatização que dura até hoje, com a concessão de aeroportos e hidrelétricas.

“As privatizações permitiram que essas empresas recebessem investimentos com os quais o governo não poderia arcar, num período em que a economia mundial evoluiu muito rapidamente”, acredita Alexandre Chaia, especialista em finanças do Insper.

A Usiminas acompanhou essa evolução. Cresceu a ponto de dobrar a produção, comprou outras siderúrgicas, como a Cosipa, em Cubatão (SP) e tornou-se a maior fabricante brasileira de aços planos. A produção saltou de 4 milhões de toneladas de aço bruto em 1991 para 7,3 milhões de toneladas em 2010. Chegou a ser de 8,7 milhões, antes da crise econômica internacional.

A empresa alavancou produção nacional, que saltou de 20,6 para 32,9 milhões de toneladas no período. Hoje, o Grupo Usiminas responde por 22,2% da produção de aço bruto brasileira. O valor de mercado da companhia agora bate em R$ 17 bilhões. “A Usiminas, a exemplo de outras siderúrgicas brasileiras, apresentou um desempenho melhor após sua privatização, em particular no que tange ao volume de investimentos”, diz o professor Germano Mendes de Paula, especialista no tema da Universidade Federal de Uberlândia.

Logo após a venda, os investimentos privados foram direcionados à otimização do parque instalado e à modernização das linhas de produtos. Na década passada, iniciaram-se grandes projetos, como a construção de uma nova planta de galvanização, o aumento da produção de chapas grossas e o novo laminador de tiras a quente na usina de Cubatão. Agora, a prioridade são investimentos em mineração – ao contrário da concorrente CSN, a Usiminas não é autossuficiente em minério de ferro, um de seus insumos mais importantes.

Em paralelo, a companhia investia em Ipatinga (MG), onde é chamada pelas pessoas apenas de “a usina”. Fundou o aeroporto, hospitais, escolas, shoppings, delegacias, bairros, necrotérios e um time de futebol, o Usipa, que chegou a ganhar do Cruzeiro de Tostão, em 1965, no Mineirão – depois, a Usiminas também ajudaria o Ipatinga a ser campeão mineiro (2005) e a chegar à primeira divisão do Brasileirão. “O crescimento do Vale do Aço se deu depois da privatização”, afirma o aposentado Elias Ferreira, supervisor de laminação de chapas grossas na época da venda da empresa, hoje com filho e genro trabalhando “na usina”.

A opinião de Elias é semelhante à de Lauro, citado no começo do texto – e parece ser a da maioria dos funcionários antigos. Primeiro, veio o susto, com a notícia de que a empresa estável onde trabalhavam seria privatizada. Depois, durante cerca de um ano, houve reuniões quase diárias entre supervisores e equipes para explicar que não ocorreriam demissões, perda de direitos e que os funcionários ainda ficariam com ações subsidiadas da companhia. “O processo foi muito bem feito; quando aconteceu o leilão, a grande maioria era favorável à mudança”, lembra Lauro, hoje vice-presidente da Associação dos Metalúrgicos Aposentados e Pensionistas de Ipatinga. “Por isso, foi só mais um dia normal de trabalho”, conta.

“Para os funcionários, a privatização foi ótima, recebemos vários programas de qualificação e pudemos usufruir das ações sociais da empresa”, diz Luiz Carlos Miranda, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga e um dos principais articuladores – e apoiadores – da privatização, em 1991. “Mas a situação atual da Usiminas preocupa muito a população do Vale do Aço; os trabalhadores se sentem instáveis, não se sentem mais parte da companhia”, diz.

Miranda afirma isso porque hoje, após quase duas décadas de crescimento quase ininterrupto, a siderúrgica passa por um dos momentos mais turbulentos de sua trajetória, iniciada em 1956. Vítima da crise econômica internacional e de incertezas quanto a seu controle, a companhia tem colecionado notícias desfavoráveis.

No primeiro semestre, ela amargou queda de 78% no lucro líquido, em relação ao ano passado. No segundo, quando o resultado normalmente é melhor, reduziu a previsão de vendas. Isso após um péssimo 2009, quando a Usiminas começou o ano demitindo 700 trabalhadores e a siderurgia brasileira teve produção 23% menor que no ano anterior. Na Bovespa, as ações da siderúrgica registram a segunda maior volatilidade dos últimos 12 meses. Agências de análise de risco rebaixaram a classificação dos papéis da gigante mineira.

Focada no segmento de aços para a indústria pesada, a Usiminas ainda não viu seus principais clientes se recuperaram da turbulência internacional. Além da queda na demanda , a companhia – que exportou 21,5% da produção do ano passado – sofre com o “real forte” e fragilidades estruturais, como o fato de não ter controle sobre os custos das matérias-primas, principalmente energia e minério de ferro. Mas o que preocupa a população de Ipatinga é outra questão.

A empresa convive com especulações de que estaria sendo comprada por concorrentes, como a CSN – autossuficiente em energia e ferro – e a Gerdau. Após agressivas aquisições de ações, o empresário Benjamin Steinbruch, controlador da CSN, tornou-se dono de pelo menos 10% do capital da Usiminas. Para uma fonte da prefeitura de Ipatinga, parceira de longa data da siderúrgica, que não quis se identificar pelo momento turbulento, a empresa “está praticamente vendida”. “Os investimentos que ela anuncia estar fazendo na cidade não estão acontecendo, o momento político é muito ruim”, conta.

“Para os funcionários, a única opção que não geraria incertezas é se os japoneses [a Nippon Steel, sócia da Usiminas desde a fundação]ampliarem a própria participação [atualmente em 13,8%], porque eles têm uma mentalidade de retorno de longo prazo, enquanto qualquer outro sócio só pensaria no lucro imediato”, afirma Luiz Carlos Miranda, que além de presidente do sindicato é deputado estadual. “A esperança do povo de Ipatinga é que a Usiminas volte a ser o que era”, resume Lauro Botelho.

Pancadaria no Rio
A privatização aconteceu durante um vendaval que soprava as siderúrgicas nessa direção. Nos anos 1980, empresas estatais somavam 70% da capacidade de produção mundial de aço, número que despencou para 52% ao final de 1992 – hoje, é menor que 30%. O desejo de se livrar de parques deficitários, além da perda do caráter estratégico do aço, motivavam vendas mesmo em países com economias fechadas, como Alemanha Oriental (que negociou oito companhias na época), República Checa e até aberturas parciais de capital na China.

A América Latina seguia as lufadas do capital privado. A desestatização avançava sobre parques na Argentina, México e Chile. A participação estatal no setor, somado todo o continente, caiu de 52% em 1990 para 7% ao final de 1993. Mas, no Brasil, o processo foi cercado de polêmica. Usiminas e CSN motivaram 19 processos cada na justiça, tentando impedir ou adiar os leilões. O presidente da empresa na época, Rinaldo Soares, (falecido em abril deste ano), descreveu os protestos contra a venda como “cenas de pancadaria nas ruas do Rio”, numa entrevista à revista da Bovespa.

Entre os pontos nevrálgicos estavam a avaliação financeira da empresa e o fato de que o governo aceitou títulos desvalorizados como pagamento – as chamadas moedas podres. “Em geral, a população, no Brasil e em demais países, sempre acha que o preço foi barato, mesmo quando a empresa é ruim, o que não era o caso da Usiminas”, afirma Germano. “Dentre as críticas que possam ser endereçadas à privatização das siderúrgicas brasileiras, talvez a mais importante não seja relacionada à avaliação financeira, mas à modelagem, com a venda do controle majoritário de uma só vez”, acredita.

No leilão, foram vendidos mais de dois terços do capital votante, comprados por Bozano Simonsen (7,6%), Outros Bancos (20,6%), Vale (15%), Previ (o fundo de pensão de funcionários do Banco do Brasil, 15%), Outros Fundos de Pensão (11,1%) e Distribuidores (4,4%). A Nippon já detinha 13,8% das ações ordinárias na época – o grupo era sócio do governo desde a época da fundação da siderúrgica. O restante (16% das desses papéis) foi vendido somente em setembro de 1994.

Então se seguiram os investimentos, o crescimento e, agora, a fragilidade. A recuperação do setor, se ocorrer, pode ser lenta. “Para o próximo ano, as expectativas são de crescimento moderado da demanda interna de produtos siderúrgicos, com cenário internacional pouco favorável, em termos de preços e volume a ser exportado”, afirma Germano. “O câmbio atual preocupa em muito não apenas a indústria siderúrgica, mas todo o parque industrial brasileiro”, explica.

“Se o momento da Usiminas não está tão bom, não é apenas a empresa que deve se preocupar, mas o Brasil”, resume Elias Ferreira.

Nenhum executivo da Usiminas se dispôs a falar com o iG para esta reportagem, mesmo após a troca de dezenas de telefonemas e emails que detalhavam a abordagem. O Instituto Aço Brasil, ao qual a empresa é afiliada, também recusou o pedido de uma entrevista sobre o tema “privatização”. Em Ipatinga, o portal também não foi recebido por um porta-voz da companhia.

(Fonte: www.economia.ig.com.br/empresas – Pedro Carvalho, iG São Paulo – 24/10/2011)

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