O primeiro parque do Brasil

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Livro conta história da arte pública do Rio, a maior do País

Museóloga e arquiteto fazem o inventário de 570 obras criadas a partir do século 18, espalhadas pela cidade

RIO
A primeira estátua do Rio foi a de d. Pedro I, inaugurada com grande festa em 1862 por d. Pedro II na então Praça da Constituição, no centro. O historiador José Murilo de Carvalho aponta que a evocação pública e monumental da imagem de d. Pedro I promovida pelo governo na ocasião tinha como objetivo calar o culto à memória de Tiradentes, símbolo do movimento republicano. Três décadas depois, no início da República, a praça recebeu o nome de Tiradentes. Mas a figura do imperador montado em seu cavalo de bronze continuou lá.

Essa é uma das histórias lembradas pela museóloga Mariana Varzea no livro Arte Ambiente Cidade, da Editora Uiti, que será lançado na terça-feira. Ela e o arquiteto Roberto Ainbinder catalogaram 570 obras criadas a partir do século 18. Mariana afirma que o Rio, reconhecido pela beleza natural, abriga a maior coleção de arte pública do País.

Espalhado por praças, ruas e jardins, esse acervo monumental, muitas vezes esquecido e abandonado, ganhou um inventário. O livro é baseado na dissertação de mestrado da museóloga, que garimpou informações sobre autor, material, data de inauguração, localização e contexto histórico das obras.

Mariana conta que os primeiros monumentos surgiram da necessidade de se construir um sistema de abastecimento de água para os moradores do Rio colonial. “As marcas que essa história deixou são os chafarizes e equipamentos urbanos ligados ao abastecimento.”

O primeiro é o Aqueduto da Carioca (Arcos da Lapa), inaugurado em 1750. Pouco depois, na década de 1780, o escultor Mestre Valentim, filho de um fidalgo português e de uma africana, é contratado pelo vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa para projetar diversos chafarizes e o Passeio Público, primeiro parque do Brasil. “São alegorias de ideias iluministas de bem-estar, civilidade, higienização e progresso, que deveriam transformar a capital colonial em uma cidade com identidade própria.”

HERÓIS DE BRONZE
Os “heróis de bronze” surgem no século 19, após a chegada da família real, para demarcar a transformação política. “Com eles, uma forma de escrever e perenizar a história do poder dominante.” Na República, as primeiras homenagens têm como temas a Guerra do Paraguai (general Osório, na Praça XV, em 1894) e a arte (escritor José de Alencar, no Catete, em 1897). Os dois monumentos são assinados por Rodolfo Bernadelli, primeiro diretor da Escola Nacional de Belas Artes.

Nas obras de remodelação realizadas na primeira década do século passado, o prefeito Pereira Passos busca inspiração na capital francesa. Ele retoma uma tradição imperial de importar peças de ferro fundido para ornamentar jardins. Somente na década de 1920 são erguidas as primeiras mulheres de bronze, em movimento assinado por artistas positivistas.

“Numa análise do atual acervo de bustos e estátuas, podemos dizer que a maioria diz respeito a homens que exerceram papel político”, aponta Mariana. Em 1935, o escultor Humberto Cozzo finaliza uma das mais bonitas obras art déco da cidade, a Mulher Com Ânfora.

Planejado para abrigar moradores de favelas removidos de zonas centrais, o bairro de Vila Kennedy, na zona oeste, recebe em 1964 uma réplica da Estátua da Liberdade de Nova York. Nas décadas de 1970 e 1980, ocorre uma grande “dança das estátuas”, provocada pela especulação imobiliária e pela expansão viária – algumas mudam de vizinhança, outras vão para depósitos.
Diretora da Divisão de Monumentos e Chafarizes da Fundação Parques e Jardins, de 1995 a 2000, Mariana destaca no livro o programa Esculturas Urbanas, criado em 1995 por Helena Severo na Secretaria de Cultura, que selecionou obras de grandes artistas como Amilcar de Castro, Franz Weissmann, José Resende, Ivens Machado e Waltércio Caldas para a cidade. A autora aponta que, a partir do século 21, permitiu-se a instalação “desenfreada” de alegorias de bronze de personagens famosos, em tamanho natural. “Conhecidas como “ombros amigos”, essas representações caricaturescas de músicos, escritores e artistas tomaram conta da cidade.” Em 2004, a prefeitura cria a Comissão de Proteção da Paisagem Urbana, que tem papel inócuo, segundo a museóloga.

Mestre em história social da cultura, Mariana defende uma nova política de preservação e valorização do acervo e de planejamento de novas obras. “As pessoas só preservam o que gostam. Para gostar, precisam conhecer.” Uma de suas preferidas é a obra Baleia, criada na década de 1990 por Angelo Venosa e recentemente restaurada. Sobre o inevitável Cristo Redentor, de 1931, ela relata que foi um desejo do engenheiro Heitor da Silva que ficasse de frente para o nascer do sol. “A estátua é uma bússola.”

O livro, que estampa na capa uma escultura de Roberto Burle Marx, termina com “a maior galeria a céu aberto da cidade”. São os muros da Hípica e do Jockey, na Rua Jardim Botânico, zona sul, tomados por grafites. É recheado com fotos – 60 monumentos são destacados – e uma frase do escritor João do Rio: “Sim, as ruas têm alma”.

(Fonte: estadao.com.br – Estadão de Hoje/Metrópole – Felipe Werneck – Quinta-Feira, 28 de Janeiro de 2010)

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