O primeiro município do Brasil governado por indígenas

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O primeiro município do Brasil governado por indígenas
O ano é 1987. O mês, fevereiro. O local, nação indígena Xacriabá, terra seca no norte de Minas Gerais. As 2h da madrugada do dia 12, pistoleiros invadem a aldeia Sapé, matam três índios e ferem outro tanto. A chacina, encomendada por fazendeiros locais, elevava para nove o número de índios mortos naquele período. O palco da tragédia é a casa do cacique Rosalino Xacriabá. Nela, José Nunes, um kuhinan – criança, na língua local – de dez anos, é obrigado, com dois revólveres apontados para a cabeça, a arrastar um dos corpos fuzilados para fora do barraco. A cena da barbárie nunca mais sairia da cabeça daquela criança que teve um motivo a mais para tatuar essa imagem na mente. O corpo que José arrastara, como troféu para os criminosos, era o de seu próprio pai.
A notícia da tragédia correu mundo. O mandante do crime e os assassinos foram presos. Pela primeira vez ma história do Brasil foram todos condenados a prisão pelo crime de genocídio. A vida seguiu seu rumo. A aldeia, fundada na margem esquerda do rio São Francisco em 1771 pelos padres jesuítas, fica a 800 quilômetros de Belo Horizonte. Nos últimos 234 anos perdeu muita terra, mas conquistou sua emancipação. Em 1997, passou a ser chamada de São João das Missões. Anos se passaram entre a noite do massacre e os dias atuais. O menino José ganhou corpo, idéias próprias e, assim como o pai, conquistou o poder. Virou uma espécie de cacique. Filiado ao PT, foi eleito prefeito para governar a cidade dos índios.
Alguns fatores diferenciam São João das Missões, que tem cerca de dez mil habitantes vivendo em 10.800 hectares de terra, dos outros 5.707 municípios brasileiros. O primeiro é que oito em cada dez moradores do município vivem dentro de uma reserva indígena que se espalha por 27 aldeias. O outro são os indicadores sociais. O lugarejo tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – estudo que mede a qualidade de vida da população, baseado em indicadores de saúde, educação e renda – pior que o mais miserável país da América ou de países que vivem em guerra. Metade das famílias da cidade vive com somente um quarto do salário mínimo.
“Cidade do não” – Optando por uma mudança radical, os eleitores da antiga aldeia resolveram decretar todo o poder aos índios. Cinco dos nove vereadores da Câmara Municipal são lideranças indígenas. Na linha de frente dessa batalha, o Executivo dispõe de uma tropa de choque composta por quatro índios secretários escalados para tentar transformar a “cidade do não”, assim batizada porque não possui hospital nem maternidade e o único posto de gasolina fechou. A agência bancária ou escola de nível superior só são encontradas depois de se percorrerem 30 quilômetros de estrada de terra até o município vizinho. Biblioteca pública, então, nem pensar. A cidade nem sequer tem uma banda de música.

(Fonte: Isto É – N° 1854 – 27/4/2005 – Brasil – Alan Rodrigues – Pág; 76/77)

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