O cardeal de Veneza Albino Luciani foi eleito papa. João Paulo I, como ficou conhecido para o mundo.

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26 de agosto de 1978 – O cardeal de Veneza Albino Luciani foi eleito papa. João Paulo I, como ficou conhecido, morreu em virtude de um ataque cardíaco, 33 dias depois de ter assumido o posto.
1978 – O cardeal de Veneza Albino Luciani é eleito papa João Paulo I, como ficou conhecido. Morre 33 dias depois de ter assumido o posto, após sofrer um ataque cardíaco.
(Fonte: www.correiodopovo.com.br – ANO 116 – Nº 330 – Cronologia – 26 de agosto de 2011 – www.guiadoscuriosos.com.br)
(Fonte: Veja, 4 de outubro de 1978 – Edição n° 526 – Religião – Pág; 27/33)

João Paulo I (Forno di Canale, 17 de outubro de 1912 – Vaticano, 28 de setembro de 1978), o papa sorridente, estilo jovial, diferente, de um papa que preferia agir como se fosse apenas um catequista. O papa João Paulo I, encerrou um dos mais breves pontificados da Igreja. Mas em apenas 34 dias como o 261.° sucessor de São Pedro o até pouco tempo discreto cardeal Albino Luciani, patriarca de Veneza, conseguiu passar à História como o papa da jovialidade e do afeto. E isso não só em virtude de seu permanente bom humor haver conquistado a simpatia e a confiança de todos quantos o conheceram pessoalmente ou pela televisão, como também pelo fato de em todos os seus pronunciamentos ele haver abordado insistentemente o tema do amor cristão. Por outro lado, o livro que tinha nas mãos ao morrer – “A Imitação de Cristo”, atribuído a Thomas Kempis – enfatizou uma clara preocupação de João Paulo I: a humildade extravasada desde os tempos em que foi bispo no norte da Itália e que o levou a trocar a pomposa cerimônia de coroação por uma missa de posse na praça São Pedro. O livro é justamente uma coleção de manuscritos sobre a piedosa conduta interior e exterior do perfeito cristão, algo que João Paulo I perseguiu até a morte.

Que se tratava de um papa diferente, notou-se desde o início. Já na primeira aparição aos fiéis, dia 26 de agosto, momentos após sua eleição, ele surpreendeu os católicos ao adotar o inédito nome composto de João Paulo. Contudo, com a mesma voz radiante anunciou a intenção de recolher e carregar a herança de seus dois últimos antecessores: “Não tenho nem a sapientia cordis de João XXIII, nem a preparação e a cultura de Paulo VI. Mas estou no lugar deles e devo procurar servir à Igreja. Espero que me ajudeis com vossas preces”. Além disso, na homília de sua primeira missa como papa, oficiada no próprio recinto do conclave que o elegeu, João Paulo I prometeu ao mesmo tempo aplicar equilibradamente o Concílio Vaticano II e consolidar “a grande disciplina da Igreja”.

TRANSIÇÃO INDOLOR – Poucas vezes, no entanto, João Paulo I voltaria a falar em problemas pastorais do ponto de vista da política eclesiástica. E para os que, ao ouvi-lo confessar que se sentia “num labirinto” e ao vê-lo deslumbrado com a rica decoração do teto da sala de audiências, durante uma cerimônia, chegaram a encará-lo como um papa desprovido de senso político ou diplomático, teve uma resposta fulminante: confirmou nos seus postos toda a hierarquia da Cúria Romana, inclusive o discutido e enérgico cardeal Jean Villot na Secretaria de Estado do Vaticano.

João Paulo I demonstrou intuir, com esse gesto, a vital necessidade de realizar uma transição indolor, “quase imperceptível”, do reinado anterior para o seu. No mais, falando aos prelados e personalidades que recebia especialmente ou aos milhares de fiéis que acorriam a suas audiências, o “papa sorriso”, como o chamavam nos bairros populares de Roma, preferia usar uma linguagem direta, franca, quando não bem-humoradas imagens pastorais.

Dessa maneira, na primeira recepção ao colégio dos cardeais, ele abandonou o texto preparado por assessores para improvisar sobre seus propósitos de defender a unidade da Igreja. Aos embaixadores acreditados junto à Santa Sé, lembrou que as funções pastorais da Igreja devem prevalecer sobre as suas atividades terrenas, mas aos chefes das delegações estrangeiras que foram a Roma para a missa solene do início de seu pontificado não deixou de cobrar o respeito aos direitos humanos e à liberdade religiosa. E aos cerca de 800 jornalistas que acompanharam sua eleição, João Paulo I deu o fraterno título de “colegas” – referência a sua passagem como articulista do jornal Il Messagero di Santo Antonio, quando patriarca de Veneza -, além de pedir de modo quase confidente que apresentassem a Igreja à opinião pública “com amor pela verdade”. Era também a primeira vez que aqueles profissionais da comunicação tinham um contato pessoal com o novo papa e podiam observar de perto o seu porte sólido, em claro contraste com a imagem franzina de seu antecessor Paulo VI, nos últimos tempos de vida. João Paulo I movimentava-se de maneira ágil, decidida, indiferente à consagrada e solene postura pontifícia.

PÁROCO DE ALDEIA – Em sua última audiência pública, de fato, ele continuava a aparentar excelente saúde. E, repetindo uma de suas atitudes pouco ortodoxas, chamou um menino de quinto ano primário e conversou com ele sobre a importância do estudo para a sua promoção a uma classe mais adiantada. Provavelmente nenhum papa haja rompido tão drasticamente com as frivolidades protocolares estabelecidas por seus antecessores e se comportado tão à vontade no mais alto cargo da Igreja. Suas audiências públicas eram simples lições de um pároco de aldeia. Significativamente, na primeira delas, a 6 de setembro, depois de ser recebido timidamente por um jamais visto auditório de 17 000 pessoas, João Paulo I foi aclamado entusiasticamente ao declarar que estava ali “como se fosse um catequista paroquial”. Na mesma oportunidade, aproximando-se de um pequeno coroinha, estabeleceu com ele um pungente diálogo sobre a solidariedade e a fraternidade cristãs. No dia seguinte, ao receber o clero de Roma, que o reverenciava sobretudo como bispo da cidade (um dos títulos do papa), recordou-lhe o dever de obediência e o espírito de sacrifício “na missão apostular confiada por Cristo a seus discípulos”.

Até as últimas audiências João Paulo I manteve o estilo informal, temperado por anedotas, achados e citações. Certa vez, para visível deslumbramento da multidão de fiéis, comparou a alma a um automóvel que, se abastecido apenas de champanha e marmelada, em vez de gasolina, acabaria num fosso. Em outra surpreendeu os que o contemplavam na janela de seu escritório com a proclamação: “Deus é Pai e, mais ainda, é Mãe”. Enfim, cada contato seu com o público era uma oportunidade para uma nova estocada no protocolo e na tradição. Mas ninguém, nem mesmo os impertinentes conservadores da Cúria Romana, se atrevia a reclamar, pois o novo papa havia restabelecido o contato humano com as grandes massas católicas, de certo modo algo só ocorrido no século XX por ocasião do pontificado do também alegre papa João XXIII. Em entrevista à revista italiana Panorama, Alfonso Di Nicola, antropólogo e estudioso da história das religiões, classificou o estilo de João Paulo I de “profundamente evangélico e oportuno num momento em que a Igreja não precisa mais de um papa como Pio XII ou Leão XIII, ambos dotados de grande sabedoria teológica”. E explicou: “O que a Igreja precisa é de um homem igual aos homens”.

LIÇÕES DO CONCÍLIO – O papa que construiu rapidamente a imagem de “um homem igual aos homens” – nos primeiros dias chegava a dar buon giorno aos guardas suíços que encontrava nos corredores do palácio apostólico – deixou no entanto pelo menos uma clara indicação de que não pretendia apoiar os setores mais progressistas do cristianismo, voltados sobretudo para as questões sociais. Tanto os adeptos da vanguardista “teologia da libertação”, de origem latino-americana, como os do grupo europeu “cristãos para o socialismo”receberam uma clara advertência de João Paulo I para não confundirem a libertação terrena com a “verdadeira libertação”, a proporcionada pela fé. Segundo afirmou o papa João Paulo I, “não há verdade na afirmativa de que ubi Lênin ibi Jerusalém (onde está Lênim está Jerusalém)”.

Mas, ainda que rejeitasse com firmeza qualquer compromisso com o marxismo, João Paulo I parecia extraordinariamente aberto a uma das mais renovadoras lições do Concílio Vaticano II – o ecumenismo. Assim, não foi certamente sem grande emoção que o breve pontífice viu morrer em seus braços, no palácio apostólico, o “número 2” da Igreja Ortodoxa Russa, o metropolita de Leningrado Nikodim, enquanto o recebia em audiência privada.

De qualquer forma, ninguém pode assegurar ao certo como seria o seu reinado se ele durasse um pouco mais. Seria um pontífice conservador ou apenas manteria o estilo do “pároco de aldeia”, como apareceu no primeiro sermão para o mundo? João Paulo I é homem de princípios mas sabe escutar. Ele é consciente de seus limites – e é isso que o salva”.

FUTURO INCERTO – João Paulo I vinha conseguindo operar o milagre de reger simultaneamente o coral dos conservadores e dos progressistas. Os cardeais davam entrevistas e, apesar de presos ao juramento de segredo imposto pela regra do conclave, insistiam em dizer, em meio a inconfidências, que o Espírito Santo iluminara os quatro escrutínios necessários para escolher – João Paulo I. A moderação de – João Paulo I tranquilizava a Cúria Romana, satisfeita com sua firmeza em matéria de doutrina e de disciplina. O clima de expectativa e de regozijo que a morte do recém-eleito papa veio frustrar, lançando mais uma vez sobre a Santa Sé a dúvida e a incerteza.

Apagou-se, tão rápido como surgiu para o mundo, o sorriso de João Paulo I, O 261.° papa dos 700 milhões de católicos. Mal iniciava o seu 34.° dia de pontificado, por volta das 23 horas do dia 28 de setembro, quando morreu de um enfarte agudo de miocárdio. Conforme comunicado oficial do Vaticano, o primeiro a saber de sua morte foi seu secretário particular, padre Magee. Ao lado, um volume de “A Imitação de Cristo”, livro de meditação do século XV. A surpresa, comparável à de sua escolha no primeiro dia do conclave para escolha do sucessor de Paulo VI, a 26 de agosto, logo se transformaria em incredulidade, onde quer que chegasse a notícia. O corpo do pontífice, vestido com os trajes rituais: hábito branco sob o manto vermelho, sapatos vermelhos, o pálio de lã branca com cruzes pretas sobre os ombros, a mitra na cabeça. Entre as mãos, o rosário. Sob o braço esquerdo, a cruz pastoral. Atrás do catafalco, um cruxifixo e um grande círio.

Mais que tudo, a boca entreaberta, o rosto com uma expressão serena mas não sorridente, comprovavam a morte de dom Albino Luciani, papa João Paulo I, aos 65 anos de idade (completaria 66 no dia 17).

Muito mais do que nomes, no entanto, deverá prevalecer a experiência acumulada pela Igreja em seus 2 000 anos de existência. Sempre adaptado a seu tempo, o sumo pontífice deve saber continuar a obra na qual Jesus Cristo investiu o apóstolo São Pedro. Atualmente, teria de conciliar as virtudes de um chefe espiritual amado pelos seus fiéis com as responsabilidades temporais de um chefe de Estado respeitado por seus pares.

(Fonte: Veja, 4 de outubro de 1978 – Edição n° 526 – Religião – Pág; 28/33)

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