Max Ernst, foi um pintor capaz de se renovar a cada obra

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O Elefante de Célèbe (1921): um prosaico aspirador de pó transformado num monstro ameaçador de uma nova era

O Elefante de Célèbe (1921): um prosaico aspirador de pó transformado num monstro ameaçador de uma nova era

 

O alemão inquieto

Max Ernst (Brühl, Alemanha, 2 de abril de 1891 -– Paris, 31 de março de 1976), foi um pintor capaz de se renovar a cada obra. Ele já foi chamado de “o Leonardo da Vinci do surrealismo”, pelo hábito de estender suas pesquisas e sua curiosidade a incontáveis áreas do conhecimento humano.

Com essa visão moderna e peculiar do mundo, o alemão Max Ernst inscreveu seu nome na galeria dos grandes pintores do século XX e é um dos que mais têm desafiado a imaginação dos especialistas para explicar o conjunto de sua obra.

“Quando um pintor sabe o que quer, encontra um caminho, ele está perdido”, costumava filosofar Max Ernst. No caso de Ernst serve para lançar luz sobre seu sinuoso processo de criação. Um assombrosa diversidade de técnicas, fontes de inspiração e mudanças de rumo.

No início da carreira, Ernst se alinhava com o dadaísmo e chegou a fundar o braço desse movimento de ruptura estética em Colônia, na Alemanha. Pouco depois, emigrou para Paris e embarcou nas ideias do movimento surrealista lançado na literatura por André Breton e Paul Eluard.

Para Ernst, assim como para seus colegas de pincel do movimento, como Salvador Dalí e René Magritte, tratava-se de representar visualmente a ideia da “escrita automática pura”, espécie de associação livre de palavras e ideias que dariam origem à prosa e à poesia. A partir daí Ernst começou seus experimentos temáticos e técnicos. Data dessa época, O Elefante de Célèbe, um prosaico aspirador de pó transformado num monstro ameaçador de uma nova era.

Também nessa época Ernst começou a produzir o que seria uma das principais marcas de sua obra: as colagens. Nelas, valia tudo, desde que o resultado estivesse a serviço da irreverência e do humor. Reproduzia em miniatura objetos que encontrava em catálogos, mergulhava na geologia e na topografia para retirar imagens.

Certa vez, em 1932, aproveitou numa colagem uma citação da Justiça francesa para ir ao tribunal por não ter pago uma compra de caixas de vinho. E vez por outra ainda cutucava os colegas. No começo dos anos 30, realizou sua famosa série Loplop, inspirada, de maneira crítica, na técnica do “papel colado” dos cubistas.

Inventou ainda os romances-colagens, uma contribuição fundamental ao surrealismo literário. Neles, tomava como ponto de partida romances baratos, destilando seu humor cortante nas histórias e utilizando ilustrações de folhetins do século XIX.

 

CASCAS DE FRUTAS – Em matéria de técnica, como mostra a sua imaginação não era menos fértil. Inventou o frottage, que consistia em colocar uma folha de papel sobre objetos de textura e relevo diversos – pranchas de madeira, palha trançada, pão duro, cadarços, cascas de frutas – e depois passar o lápis em cima.

Era a tentativa de passar para o universo visual os processos de criação da poesia surrealista. Ernst usou ainda pela primeira vez a decalcomania na pintura e inventou a forma primitiva do dripping que os artistas americanos como Jackson Pollock (1912-1956) iriam consagrar: encheu de tinta uma lata de conserva vazia, aplicou-lhe pequenos furos e fez com que a tinta escorresse sobre a tela. De toda essa multiplicidade de ideias e maneiras de trabalhar, emerge um daqueles artistas cuja obra, embora radicalmente vanguardista, jamais envelhece.

Ernst conseguiu uma notável longevidade em sua ebulição criativa. Em plenos anos 60, com a explosão do pop, ele continuava criando obras notáveis, como a extravagante tela O Jardim da França, na qual reúne com maestria irreverência e erotismo.

A própria trajetória pessoal de Max Ernst refletia a efervescência de sua criação. Nascido em Brühl, na Alemanha, cidade próxima a Colônia, filho de um professor para surdos-mudos e pintor bissexto de paisagens, Max Ernst trocou de nacionalidade duas vezes – recebeu a cidadania americana em 1948 e a francesa dez anos depois.

Estudou filosofia e psiquiatria, até optar pela pintura. Decidiu mudar para Paris em 1922 e, para manter-se, trabalhou como artesão esculpindo pequenas cópias para turistas da Torre Eiffel e do Arco do Triunfo. Foi casado três vezes, a segunda delas com a milionária e patrona das artes americana Peggy Guggenheim (1898-1979), numa união que durou apenas seis meses.

 

ENSAIOS E MANIFESTOS – Com a II Guerra Mundial, Max Ernst passou maus pedaços. Para começar, Hitler mandou queimar seus quadros, colocados na vala comum da “arte degenerada”. Por outro lado, como ele ainda por cima fora soldado alemão durante a I Guerra Mundial, sua presença na França causava forte desconfiança – chegou a ser internado num campo de imigrantes alemães, em 1939.

Na verdade, o reconhecimento e a aclamação de Max Ernst como um dos grandes artistas do século 20 só viriam bastante tarde, em 1954, quando ele, aos 63 anos, recebeu o grande prêmio da Bienal de Veneza. A verdade é que, embora tenha feito bastante barulho ao longo da carreira, trombeteando suas propostas também através de ensaios e manifestos.

Ernst sempre foi ofuscado pelos colegas do surrealismo. De um lado, havia Salvador Dalí, com sua impressionante máquina de se autopromover. De outro, havia René Magritte e Joan Miró, que para muitos especialistas tinham efetivamente mais talento do que ele – é certo que tinham uma obra mais fácil de ser aceita pelos leigos. De qualquer maneira, a obra de Max Ernst permanece um grande momento da arte moderna – bela, desconcertante e extremamente pessoal.

(Fonte: Veja, 1º de janeiro de 1992 – Edição 1215 – ARTE/ Por Sonia Goldfeder, de Paris – Pág: 114/115)

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