Leon Golub, fez pinturas que documentam metaforicamente os pesadelos da cultura contemporânea, talvez o último pintor realista americano

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Leon Golub, pintor, repórter, ativista

 

 

Leon Golub (Chicago, Illinois, 23 de janeiro de 1922 – 8 de agosto de 2004), talvez o último pintor realista americano.

 

 

Foi tão ativista como pintor, embora nunca tenha percebido a diferença entre uma coisa e outra, e morreu num momento em que uma certa América ainda não se refez do choque de rever nas imagens da prisão de Abu Ghraib (Iraque) as suas perturbadoras séries sobre a Guerra do Vietnã.

 

 

Nascido em Chicago, em janeiro de 1922, Leon Golub fez um percurso relativamente contracorrente no contexto da sua geração, embora tenha integrado, com a artista Nancy Spero (que viria a ser a sua única mulher), o grupo “Monster Roster”, que defendia uma ancoragem da pintura na realidade: foi figurativo quando a tendência dominante da pintura norte-americana era a abstração, e manteve-se figurativo quando o “mainstream” se tornou minimalista, pop ou conceptual.

 

 

Por opção estética mas também por militância, como notou o maior especialista na sua obra, o teórico britânico Jon Bird, que comissariou, para o Museu de Arte Moderna de Dublin, a maior retrospectiva da sua obra, “Leon Golub: Echoes of the Real” (exposição que viria a ser apresentada, em versão abreviada, no Brooklyn Museum, em 2001): “Durante mais de 40 anos, Leon Golub fez pinturas que documentam metaforicamente os pesadelos da cultura contemporânea, não só para chocar – embora muitos dos seus trabalhos usem material profundamente traumático – mas também por acreditar na capacidade da arte para alterar a nossa experiência pessoal e a nossa relação com o mundo.”

 

 

Pessoalmente, não tinha problemas em chamar ao que fazia “um certo tipo de reportagem”: “Era assim que as coisas eram neste ou naquele momento particular do século XX ou do século XXI. É aqui que eu estou. Quando olho lá para fora, é isto que eu vejo. O meu conteúdo é o tempo real.”

 

 

Formado em história de arte pela Universidade de Chicago e em pintura pelo Art Institute da mesma cidade e colecionador compulsivo de imagens, Leon Golub foi sobretudo um amargo observador do seu tempo, talvez uma consequência direta da sua participação como soldado na II Guerra Mundial.

 

 

Os dois acontecimentos mais devastadores desse conflito – o Holocausto e a bomba atômica – foram, de resto, temas precoces na sua obra, que abordou, quase sempre a uma escala monumental, com uma persistência invulgar a destruição imoral da violência contemporânea e a patologia do poder. A brutalidade do seu programa temático foi, aliás, elevada à potência máxima a partir do momento em que fixou a sua técnica: arranhar a primeira camada de tinta na tela para deixar a superfície final esfolada, mutilada, uma espécie de metalinguagem que cita explicitamente a pele ferida e os corpos torturados que retratou obsessivamente até ao final da vida.

 

Embora marcadamente ideológico desde a primeira hora, o trabalho de Leon Golub sofreu uma pequena revolução a partir de 1964, altura em que se fixou em Nova Iorque, depois de uma estadia de cinco anos em Paris. A sua abordagem figurativa da violência deixou de ser genérica para passar a ser uma citação direta – e obviamente um comentário – dos acontecimentos em curso, especificando armas, uniformes e fisionomias.

 

“Regressámos aos EUA no Outono de 1964, em plena guerra do Vietnã. Não podia deixar de envolver-me. O meu trabalho lidava com a violência de uma maneira existencial, mas a vulgarização da informação fotográfica sobre a guerra obrigou-me a procurar uma solução que tivesse relevância contemporânea e ressonância histórica (…). Não queria passar a minha vida a pintar rugas. Mas sentia-me muito desconfortável com o fosso entre o meu trabalho e a informação visual disponível então”, explicou numa entrevista, referindo-se à intransigência figurativa das séries “Vietnam”, “Napalm”, “Assassins”, “Mercenaires”, “Interrogation” e “Burnt Man”, que poderia ter criado a partir dos relatos e das fotografias das sessões de tortura em Abu Ghraib. Mas também aos retratos de líderes mundiais (Franco, Pinochet, Fidel, Nixon, Ho Chi Minh, entre centenas de outros) que pintou entre 1976-79, numa espécie de estudo fisionômico do poder que sublinhou a brutalidade da sua obra mas também a brutalidade do seu tempo, notou o crítico Edward Bryant: “Os monstros são reais, não são metáforas: mercenários, assassinos e homens de mão do baixo-ventre do poder.”

 

 

Leon Golub está representado nas coleções permanentes de museus como o Metropolitan Museum of Art, o MoMA e o Whitney Museum of American Art, em Nova Iorque, mas também na Tate Gallery de Londres. Quis deixar uma mensagem sobre a forma como o grotesco se insinua no quotidiano, para desconforto do espectador, mas sobretudo para desconforto do cidadão: “Atravessamos os campos minados da consciência e da tecnologia moderna. É um terreno perigoso.”

 

 

Leon Golub faleceu em 8 de agosto de 2004, aos 82 anos, vítima de complicações pós-operatórias, deixando nos mais importantes museus de arte contemporânea exemplos de uma obra absolutamente militante, mas também absolutamente singular, enquanto técnica e enquanto programa.

(Fonte: https://www.publico.pt/2004/08/13/culturaipsilon/noticia – CULTURA ÍPSILON / NOTÍCIA / Por Inês Nadais – 13 de agosto de 2004)

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