Leon Fleisher, lenda do piano clássico, foi o primeiro americano a vencer o Concurso Rainha Elizabeth, prestigiado Concurso Internacional de Música Queen Elizabeth, na Bélgica

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Leon Fleisher, lendário pianista que tocou apenas com uma mão

Representante de uma tradição clássica, artista se consagrou com versões para concertos de Beethoven e Brahms e lutou contra imobilidade nos dedos

Leon Fleisher (São Franciso, 23 de julho de 1928 — Baltimore, 2 de agosto de 2020), pianista, professor e maestro norte-americano, lenda do piano clássico, dono de uma trajetória ímpar no cenário do piano no século XX.

 

Nascido em São Francisco, Fleisher começou a estudar piano com quatro anos, acompanhado de perto pela mãe. Em entrevista ao New York Times, ele contou certa vez ter ouvido dela: você será o primeiro presidente americano judeu ou um concertista.

 

Tenha cuidado se todos os seus sonhos se realizarem. A frase parece um provérbio, mas é o resumo da biografia de Leon Fleisher.

 

No livro autobiográfico “My nine lives: a memoir of many careers in music” (“Minhas nove vidas: a memória de muitas carreiras musicais”, em tradução livre), publicado com a crítica musical Anne Midgette, o artista é apresentada como um herói cuja arrogância foi reduzida pelos deuses.

 

Como consta na obra, Fleisher era um garoto predestinado por sua mãe para ser o primeiro presidente judeu dos Estados Unidos ou um grande pianista de concertos. Ela foi correta em sua segunda colocação.

 

Fleisher optou pelo segundo caminho. E os resultados não demoraram a chegar. Aos 9 anos, foi aceito como aluno de Arthur Schnabel e, em 1944, com 15 anos, fez sua estreia com a Sinfônica de São Francisco e a Filarmônica de Nova York, interpretando o Concerto para piano nº 1 de Brahms, sob regência de Pierre Monteux (1875-1964).

 

No ano seguinte, estreou com a Sinfônica de Chicago e o maestro Leonard Bernstein. Em 1952, foi o primeiro americano a vencer o Concurso Rainha Elizabeth, na Bélgica.

Jovem prodígio

 

Fleisher foi um jovem prodígio admitido na classe do pianista Artur Schnabel (1882-1951), que, à época, não dava aulas para crianças. Aos 16 anos, ele se tornou sensação no meio musical americano depois de estrear no Carnegie Hall, em Nova York, executando o Concerto nº1 para piano, de Brahms, sob a direção de Pierre Monteux.

 

Aos 23 anos, com a execução da mesma composição, tornou-se o primeiro americano a ganhar um prêmio no prestigiado Concurso Internacional de Música Queen Elizabeth, em Bruxelas, na Bélgica. Isso abriu caminho para que gravasse álbuns clássicos com o maestro George Szell e a Cleveland Orchestra, a partir de 1958, com temas de Beethoven, Mozart e Brahms, entre outros.

 

Vieram em seguida gravações até hoje tidas como referência do repertório vienense, co peças de Mozart, Beethoven e em especial Schubert.

 

No início dos anos 1960, no entanto, ele começou a sentir dificuldade nos reflexos de sua mão direita – mais tarde, ele seria diagnosticado com distonia focal, problema que ele atribuiria ao excesso nos estudos, com oito ou nove horas por dia ao piano.

 

Perda da mobilidade na mão

 

Mas tudo mudou para Fleisher no final de 1964. “Eu estava no auge da minha carreira, pronto para conquistar o mundo e, sendo ou não culpado por arrogância, o trovão de Thor caiu e me atingiu com força”, escreveu ele em suas memórias.

 

Fleisher voltou-se então à atividade como professor, passando a integrar a equipe do Peabody Conservatory. Havia resolvido não voltar aos palcos. Mas em 1965, aceitou convite do maestro Seiji Ozawa para um concerto em Boston com obras escritas para a mão esquerda, como o concerto de Ravel.

 

Com a apresentação, Fleisher inaugurou uma nova fase de sua carreira. Além de seguir tocando, criou o Theather Chamber Players, grupo dedicado ao repertório clássico e contemporâneo. Começou a atuar como maestro, assumiu a Orquestra Sinfônica de Anápolis e, em seguida, passou a ocupar o posto de regente associado da Sinfônica de Baltimore. Nos anos seguintes, regeria as principais orquestras americanas.

 

Flisher perdeu progressivamente a mobilidade em dois dedos da mão direita, e teve que abandonar o piano. Nenhum médico sabia como explicar o fato. E ele começou uma provação pessoal para recuperar a condição motora da mão, situação que o diretor Nathaniel Kahn transformou, em 2006, no documentário “Two hands”, indicado ao Oscar na categoria Melhor Documentário em Curta-Metragem.

 

Uma combinação de tratamentos fez com que, a partir dos anos 1990, Fleisher voltasse a tocar gradualmente o repertório tradicional, além do específico para a mão esquerda. Chegou a gravar dois discos, em 2004 e 2006.

 

Nem a acupuntura, nem a hipnose, nem o budismo zen o ajudaram a retomar o movimento da mão, e ele enfrentou uma depressão, passando a considerar o suicídio.

 

Metamorfose artística

 

Os pesares o levaram a uma metamorfose artística, e também física. Dali em diante, Fleisher deixou a barba e o cabelo compridos e começou a circular numa motocicleta pequena por Baltimore, tornando-se uma figura quase mefistofélica. Mas ele encontrou refúgio na música.

 

Foi nesse período que o pianista clássico subiu ao palco para dirigir obras contemporâneas. E também se concentrou em repertório especialmente pensado para a mão esquerda. Ele realizou e gravou vários shows encomendados por Paul Wittgenstein (1887-1961), pianista austríaco que perdeu o braço direito durante a Primeira Guerra Mundial, como o “Concerto de Ravel para a mão esquerda” e o “Concerto nº 4”, de Prokofiev.

 

Fleisher nunca desistiu de lutar por sua mão direita. No início dos anos 1980, uma cirurgia no túnel do carpo permitiu que ele tocasse novamente com as duas mãos. Posteriormente, injeções de Botox combinadas com o método Rolfing, uma técnica de massagem eficaz para liberar a tensão, também foram importantes para a retomada do movimento na mão.

 

Aos 66 anos, o pianista começou outra carreira musical, novamente com as duas mãos, enquanto os médicos confirmaram que ele sofria de distonia focal. Um dos principais testemunhos de sua recuperação está no álbum “Two hands”, de 2004, em que há uma versão admirável da Sonata D. 960, de Schubert.

 

Em 2010, o músico esteve no Brasil, convidado pela Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), para um concerto no Teatro Municipal do Rio. Fleisher se apresentou acompanhado pela mulher, a pianista Katherine Jacobson. No programa, obras de Mozart e Ravel.

 

Em 2012, esteve no Brasil, apresentando-se como solista da Filarmônica de Minas Gerais em concertos em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, sob regência do maestro Fabio Mechetti.

 

Não seria possível produzir um retrato preciso de Fleisher sem destacar sua vocação como docente. Ele foi um professor inteligente, perspicaz e dedicado a seus alunos no Peabody Institute, em Baltimore. Pianistas hoje conhecidos como o russo Yefim Bronfman, o francês Hélène Grimaud e o americano Jonathan Biss e o espanhol Claudio Martínez Mehner passaram por sua sala de aula.

 

Leon Fleisher faleceu em 2 de agosto de 2020, em Baltimore, nos Estados Unidos, aos 92 anos, em decorrência de um câncer.

(Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura – CULTURA / por O Globo, com El País – BALTIMORE — 05/08/2020)

(Fonte: https://www.concerto.com.br/noticias/musica-classica – NOTÍCIAS / MÚSICA CLÁSSICA / por Redação CONCERTO – 03/08/2020)

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