José Maria dos Reis Pereira (conhecido sob o pseudônimo de José Régio), dramaturgo e poeta português

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ENTRE DEUS E O DIABO

 

José Régio: o poeta é um eleito e um mártir eterno perdido na cidade hostil, seu reino é incompreendido mas a Arte o venera como herói

 

José Maria dos Reis Pereira (Vila do Conde, 17 de setembro de 1901 — Vila do Conde, 22 de dezembro de 1969), conhecido sob o pseudônimo de José Régio, poeta português licenciando-se em Letras na Universidade de Coimbra.

 

Foi professor do ensino secundário em Portalegre, cidade do norte alentejano Português, aliando o trabalho pedagógico à criação literária.

 

Em Coimbra, foi um dos fundadores da revista Presença, com Adolfo Casais Monteiro, João Gaspar Simões, entre outros. É um dos mais importantes poetas do chamado Segundo Modernismo português.

 

Como um dos fundadores da revista “Presença”, que renovou o cenário literário português em inícios deste século 20, José Régio era para seus seguidores o herdeiro da grande tradição poética de Fernando Pessoa. Na realidade, sua obra múltipla como dramaturgo, poeta, romancista e ensaísta revela-se bem menor, embora de repercussão internacional.

 

Formando com Ferreira de Castro, Aquilino Ribeiro e Miguel Torga entre os intelectuais portugueses que vararam as fronteiras linguísticas de Portugal, com traduções para o espanhol, inglês e francês, José Régio fundiu o magistério com a defesa coerente dos princípios expostos em sua primeira obra, “Poemas de Deus e do Diabo” (publicada em 1925). Avesso a rodas literárias e à publicidade em torno de seu nome, José Régio alternou a elaboração de sua obra com décadas de ensino de literaturas neolatinas no Porto e em Portalegre, onde residiu a maior parte de sua vida. Nessa criação fundamente mística, a sua angústia é paralela à do grande novelista grego seu contemporâneo Nikos Kazantzakis, que vislumbra o homem dilacerado entre o amor, encarnado no Cristo, e o mal pluri-representado na guerra, na desumanidade das cidades monstruosas e indiferentes ao sofrimento humano da época moderna, aos totalitarismos políticos e à opressão dos artistas sob regimes de ditadura.

 

Nos “Poemas de Deus e do Diabo” o Cristo iguala-se ao homem através do sofrimento: Mas o que eu amo em ti, divino Cristo exangue/ É o que em ti é Dor, e assim a nós te irmana.” Mas o Demônio espreita a sua presa, o homem – “entre os dois, eu sentia-me pequeno e miserando.”

 

E nos momentos de desespero o Cristo parece já morto, surdo aos apelos do homem: “Quando eu nasci, Senhor! já tu lá estavas/ Crucificado, lívido, esquecido”. Nas sátiras e epigramas do volume “A Chaga do Lado”, à visão do Senhor eclipsado pela presunção humana vem somar-se a imagem demoníaca da Cidade moderna: “Desenrolando os sôfregos tentáculos/ O gigantesco polvo da Cidade/ Já, sem dificuldade/ Pisou, esmigalhou obstáculos”, com a deusa Técnica sacrificando “o vivo e o verdadeiro” para queimar a Vida, exilar a Natureza e transformar a “Cidade Ideal”, a megalópole do Mal, na miniatura do Inferno sobre a Terra. Sua atuação literária é vária – o que ele chamava de “tocar sete instrumentos” -, abrangendo o romance cíclico que inaugura em Portugal – os cinco volumes de “A Velha Casa” -, as peças de teatro (“Jacob e o Anjo”) e os sete volumes de poesias esgotados em mais de vinte edições globais. Mas é também pela sua teoria literária que sua voz permanece atual.

 

Participante no plano político pela restauração das garantias democráticas, José Régio reconhecia no plano da literatura a mesma pluralidade de tendências necessárias a uma sadia “democracia das letras.”

José Régio faleceu aos 68 anos, na sua Vila do Conde natal.

(Fonte: Veja, 31 de dezembro de 1969 – Edição 69 – LITERATURA – Pág; 66)

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