John Wayne, ator de cinema americano que dominou o faroeste quando esse gênero se achava no auge

0
Powered by Rock Convert

 

 

John Wayne, americano

Mais que um herói, mais que um patriota, ele foi a encarnação insuperável dos muitos ideiais do seu país neste último meio século

John Wayne (Winterset, Iowa, 26 de maio de 1907 – Los Angeles, 11 de junho de 1979), nome artístico de Marion Robert Morrison, ator de cinema americano que dominou o faroeste quando esse gênero se achava no auge.

John Wayne fez mais de 170 filmes, em sua maioria westerns e filmes de guerra.
O mais longo, doloroso e decisivo duelo de John Wayne contra a morte terminou quietamente, às 5h23m da tarde do dia 11 de junho, em Los Angeles, com a vitória do inimigo que durante quinze anos ele domara com a força de medicações e de sua própria vontade – o terrível “Big C”. Durante todo esse tempo, foi como se John Wayne tivesse conseguido, num ato de magia tão comum em seus melhores faroestes, manter em suspenso o desfecho que se desenhara em 1964, quando numa visita de rotina ao médico sentiu-se pela primeira vez na vida, como confessou, desanimado e abatido. Perdeu então o pulmão esquerdo e duas costelas, mas recuperou rapidamente a disposição. “Ao inferno com o Big C!”, dizia ele no mesmo ano, com o poder de sua voz que durante quase meio século e cerca de 200 filmes transformou-se numa inigualável marca registrada de Hollywood e dos próprios Estados Unidos.

Estava com 72 anos, completados no dia 26 de maio, quando recebeu no quarto do hospital a visita do presidente Jimmy Carter. Seus sete filhos mantiveram-se ao seu lado até o momento em que, cedendo a dores insuportáveis, concordou em tomar sedativos. Converteu-se ao catolicismo, foi batizado e ficou 24 horas em coma antes de morrer. Morrer? “John Wayne era maior que a vida”, disse o presidente Carter ao saber da notícia.

No seu retiro em San Clemente, Califórnia, o alquebrado ex-presidente Richard Nixon balbuciou ao telefone algumas palavras sobre o amigo e correligionário desaparecido: “Os papéis que fez e a vida que viveu há de inspirar as próximas gerações de americanos”. Foram estas duas esperanças, de fato, que animaram toda a vida e obra de Marion Michael Morrison, nascido em Winterset, uma cidadezinha de Iowa, “onde se encontra a verdadeira América”, como ele sempre acreditou.

 

“MALDITOS JAPS!” – Esta “verdadeira América” esperou o desfecho entre prostrada e emocionada. Em toda a sua carreira, tanto quanto nos seus filmes, John Wayne foi um ardente defensor de virtudes como o heroísmo, patriotismo, lealdade, fidelidade, franqueza, todo um arsenal de convicções que o século XX e as grandes cidades acostumaram-se a jogar nos velhos baús de coisas imprestáveis. Durante anos a fio os críticos tentaram alvejá-lo, lembrando que sua capacidade como ator era limitada pelo fato de que jamais conseguiria interpretar outro papel senão o dele mesmo. Esta “incapacidade”, depois que a guerra do Vietnã acabou, num desfecho que n ão agradou nem um pouco a John Wayne, tornou-se porém uma virtude. Patrulhado muito antes que esta expressão provocasse tormentosos debates do lado de baixo do Equador, ele sobreviveu, impávido, no coração do público, que nos últimos 25 anos sustentou-o sempre entre os dez atores de maior bilheteria nos Estados Unidos.

Esta adesão ao homem de ideias antiprogressistas, às vezes abomináveis, explica-se pelo fato de que John Wayne perseguiu nos seus filmes justamente aquilo que é a essência dos faroestes: não a realidade, mas o mito. E torna-se impressionante quando se constata que nos obituários, os dos jornais japoneses eram os mais escandalosamente emocionados. Ele foi “O Homem do Oeste”, o “Verdadeiro Mr. América”, soluçaram estes jornais, nos seus milhões de exemplares, sobre o ator que tão impiedosamente fustigou os japoneses em filmes no após-guerra, chamando-os de “malditos japs”. O ator negro Woody Stroode, com quem fez vários filme nos últimos vinte anos, era amigo íntimo e chorou quando soube de sua doença. Nenhum problema. “Eu acredito na supremacia branca até que os negros sejam educados ao ponto da responsabilidade”, disse Wayne inúmeras vezes. Nenhum problema. Afinal, John Wayne foi também, segundo imaginava, um “socialista” embora “por muito pouco tempo”. Considerava-se além disso um “rebelde”. Mas ponderava: “Minha rebelião é contra a monotonia da vida”.

A GRANDE OPORTUNIDADE – Nesse sentido, ele sempre foi um pouco como os heróis que interpretava na tela. Filho de um farmacêutico, John Wayne mudou-se de Iowa para a Califórnia aos 6 anos, em plena aurora da indústria cinematográfica, e ali assistiu aos primeiros exemplares da nova arte. Alto (quase 2 metros) e forte (100 quilos), revelou aptidões apenas nos esportes e na carpintaria, função na qual entrou nos estúdios da Fox e onde seria descoberto pelo diretor que nas décadas seguintes seria sua boa fada e responsável pelos seus maiores filmes – John Ford. Foi em 1928 e diz a lenda que Ford contratou Wayne para uma sequência submarina em “Hangman”s House”, em dia de mar bravo, porque o ator titular estava com medo de entrar na água. Em 1930 estrelava “The Big Trail”, ambiciosa produção com que o diretor Raoul Walsh esperava ampliar os limites do espetáculo de então, filmando com lentes de 72 milímetros (como as projeções panorâmicas de hoje).

 

Como poucos cinemas, porém, estavam equipados para isso, 2 milhões de dólares foram enterrados e nos nove anos seguintes Wayne comeu a poeira em mais de quarenta faroestes medianos ou baratos. “Ele é um grande ator que precisava de uma oportunidade”, relembrou mais tarde John Ford sobre o ano de 1939, quando ele e o ator a quem dava a oportunidade escreviam um capítulo novo na história do cinema, com “Stagecoach” (“No Tempo das Diligências”). Neste filme, há exatamente quatro décadas, Wayne fazia o papel de Ringo, um homem procurado pelos xerifes por delitos menores e que se empenha, durante uma viagem de diligência, em chegar ao lugar onde estão os assassinos do seu pai. Era o começo da fama, e, mais do que isso, da lenda.

ENTRE DOIS MUNDOS – John Wayne jamais desceu do topo e sua associação com Ford rendeu alguns dos momentos mais brilhantes e poéticos do cinema americano – casos de “Depois do Vendaval” (1952), “Rastros de Ódio” (1956) e “O Homem que Matou o Facínora” (1962). Paralelamente, sua associação com outro grande diretor, Howard Hawks, gerou “Rio Vermelho” (1948), “Onde Começa o Inferno” (1959) e “Hatari” (1961), completando o núcleo de filmes que concentram o melhor e mais sincero John Wayne. “Ele sabe como fazer três grandes cenas num filme e não encher o saco da plateia o resto do tempo”, explicava Hawks. E assim era: em cada um desses filmes há pleo menos uma das chamadas “cenas inesquecíveis” do cinema, como a surra que aplica em Maureen O’Hara em “Depois do Vendaval”, quando carrega Natalie Wood nos braços no fim de “Rastros de Ódio” ou no momento em que enfrenta a socos Montgomery Clift em “Rio Vermelho”.

“Eu acho que “Rastros de Ódio” é a minha história, a história de todos os homens em busca de sua família”, dizia Wayne. Talvez por isso seu papel tenha se confundido tanto com o homem: furiosamente racista, abtendo índios enquanto busca a sobrinha (Natalie) raptada por uma tribo, ele chega ao final dividindo entre sua crença na raça branca e os laços de sangue, entre matar a moça já “impura” ou reconhecê-la como parte dele mesmo. Mais ou menos como o próprio Wayne, que acreditava nos eternos valores e no mesmo estilo de cinema de cinquenta anos atrás, quando ele estreou com metade do mundo desabando por causa da crise na Bolsa de Nova York e havia, por isso mesmo, todo um mundo novo a ser construído.

UMA AGONIA – John Ford morreu em 1973, Howard Hawks em 1977. Wayne sobreviveu um pouco mais, embora nos seus próprios filmes já estivesse morrendo desde 1962, ano de “O Homem que Matou o Facínora”, o extraordinariamente profético faroeste em que Ford antecipava o desaparecimento de todo um gênero cinematográfico. O herói do filme – Wayne – já estava morto logo na primeira sequência e para que a ação existisse era preciso que as personagens recordassem outros tempos, quando o oeste ainda era selvagem e uma placa de advogado na porta do escritório de James Stewart era tão fatal quanto as tentativas de Edmond O’Brien em manter um jornal, cujas páginas o facínora Lee Marvin o obrigava a engolir.

Naquele ano, o faroeste já começara a deixar de ser all american, como John Wayne queria, para carregar-se na cacofonia ítalo-espanhola de pistoleiros de origem europeia. Em “El Dorado” (1967), último trabalho que fez com Hawks, Wayne termina o filme de muletas. O mundo veria a partir daí, entre consternado e comovido, a destruição de John Wayne por ele mesmo em “Bravura Indômita” (1969), seu primeiro e único Oscar), no qual interpretava um xerife bêbado e caolho, e principalmente em “O Último Pistoleiro” (1976), onde é mostrado como um velho herói atacado de câncer e que prefere morrer a tiros do que numa cama de hospital.

UMA OUTRA BATALHA – O velho “Duke”, depois desta paródia macabra, não seria mais visto na tela. Mas sua saga contra a doença continuava tão dramática e empolgante quanto seus melhores filmes. Removidos o pulmão e as duas costelas em 1964, ele parou de fumar (cinco maços por dia) e de beber (meia garrafa de conhaque por dia), e renasceu para sua cruzada. Em abril de 1978, sofreu uma cirurgia cardíaca em Boston, na qual uma válvula de seu coração foi substituída por uma de porco. Em janeiro de 1979, durante uma cirurgia na vesícula, os médicos removeram parte do seu estômago, no qual localizaram um tumor maligno. No início de maio, finalmente, perdeu o intestino delgado e não deixou mais o hospital – isso três semanas depois de ter feito sua última aparição pública, durante a distribuição do Oscar, em cerimônia carregada de emoção na plateia e ironia do destino no palco.

“Eu e o Oscar estamos há meio século juntos”, disse ele. “E esperamos estar aqui ainda por muito tempo.” Ao seu lado perfilavam-se alguns dos representantes daquele mundo novo que jamais admmitira e que às vezes francamente combatera: John Voight e Jane Fonda, os premiados por “Amargo Regresso”, um filme situado a quilômetros de distância de “Os Boinas-Verdes”, no qual Wayne dava sua opinião a favor da guerra do Vietnã. Mas não eram mais contestadores e partidários da intervenção americana no Vietnã que dividiam a mesma festa. Era outro John Wayne que estava ali, às portas da imortalidade, sublinhada pelos acordes de “Um Fio de Esperança”, um dos seus maiores sucessos.

PARA SEMPRE – O povo americano, de resto, já providenciaria para que esta passagem da realidade para a lenda tivesse todos os toques de grandeza que a ocasião exigia. Primeiro consgrando seu ídolo com a força dos dólares (20 milhões de dólares de fortuna pessoal) e o luxo de passar a maior parte de sua vida numa mansão de onze quartos e sete banheiros, na Califórnia. Depois, lembrando que o reacionário que em 1944 dirigiu uma entidade cinematográfica de militância anticomunista não teve participação alguma nos expurgos promovidos nos anos 50 pelo Comitê de Atividades Anti-Americanas do Senador Joseph McCarthy.

Por fim, notando que os críticos que o desancaram durante tantos anos haviam finalmente adotado um comportamento respeitoso, como Vincent Canby (1924-2000), do New York Times, que escreveu no início de junho: “Wayne tornou-se importante não pelo que foi, mas pelo que insistia em ser: uma idealização da América, cujo expansionismo da virada do século era baseado mais na convicção religiosa e patriótica do que no oportunismo econômico”.

Tudo muito diferente, enfim, daqueles tempos em que gostar de Wayne era um desvio ideológico tão grave que mesmo no Brasil provocou incidente peculiar, quando o crítico carioca Alex Viany literalmente virou a mesa e retirou-se indignado da votação que apontava “O Homem que Matou o Facínora” como o melhor filme do ano. “John Wayne, American” foi a medalha que recebeu do Congresso americano em maio de 1979, tornando-se a 32.ª personalidade a merecê-la (entre outras, Bob Hope, Walt Disney e o general Douglas McArthur). No seu túmulo, no entanto, queria apenas a inscrição na língua espanhola das três mulheres com quem casou – Feo, Fuerte y Formal. Tão logo sua morte foi anunciada acendeu-se em Los Angeles uma enorme tocha que até o fim do mês de junho permaneceu acesa.

O ator John Wayne, em 1950, deixou as marcas de suas mãos no cimento do Grauman”s Chinese Theatre (Mann”s Chinese Theatre), em Hollywood. A areia usada no cimento, como foi divulgado na época, foi trazida de Iwo Jima, numa homenagem à sua atuação em “Areias de Iwo Jima”. A respeito de seus 50 anos de carreira, John Wayne uma vez disse: “Não consigo me lembrar se fiz 200 ou 400 filmes”. Ele atuou em cerca de 250 filmes. Ele morreu em junho de 1979, aos 72 anos, de câncer do estômago.

 

(Fonte: Veja, 20 de junho, 1979 -– Edição 563 -– Cinema – Pág; 54/58)

 

 

 

 

Powered by Rock Convert
Share.