Joaquim de Sousa Andrade ou Sousândrade, político, poeta e um reformador revolucionário.

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O gênio e o louco incompreendido

Joaquim de Sousa Andrade (1832-1902), ou Sousândrade, poeta revolucionário, político e um reformador revolucionário.

Sousândrade (Guimarães, Maranhão, 9 de julho de 1832 – São Luís, 21 de abril de 1902), um gênio obscuro e incompreendido, precursor de Ezra Pound, Fernando Pessoa e Caetano Veloso, e os seus livros “Harpa de Ouro” e “Liras Perdidas”.
Maranhense maluco e genial que morrera práticamente desconhecido no começo do século 20, depois de fazer uma revolução profunda mas silenciosa na poesia brasileira.

Entre o povo, o se tomou conhecimento da lenda de que “o tal Sousândrade era um cabeludo que comia pedras pelas ruas”. O que era apenas uma das muitas histórias do fabulário de Sousândrade, e tinha uma explicação: no fim da vida, depois de repartir seus bens entre escravos, o poeta vendia pedras da sua Quinta da Vitória. E, quando lhe perguntavam na rua como ia passando, ele respondia sempre: “Comendo pedras”.

Antes de ser um poeta revolucionário, Sousândrade foi um homem político, um reformador revolucionário, um andarilho, um louco. Num de seus poemas épicos, “O Guesa Errante”, ele descreve um personagem que, sob muitos aspectos, é autobiográfico. O “guesa” era um personagem lendário dos indígenas da Colômbia, uma criança raptada para cumprir o destino do deus do sol, vivendo errante até ser sacrificada um dia, amarrada a uma coluna, enquanto se roubava outra criança para recomeçar o ritual. Sousândrade foi um pouco disso tudo: o viajante incansável, a luz clara que revelou novos caminhos e, finalmente, o revolucionário sacrificado pela incompreensão de seu tempo. Nascido em Guimarães no Maranhão, em julho de 1832, já na juventude, como o indígena colombiano percorrendo o mundo, parte para a França, onde se forma pela Sorbonne primeiro em letras e depois em engenharia de minas. Eterno viajante “sem depender dos astros nem da terra” (“Harpa de Ouro”, XLV), apenas interessado nas verdades do presente e do futuro, volta ao Maranhão na década de 1860 e, depois de curta permanência, vai viver nos Estados Unidos.

Em Nova York publica as suas “Obras Poéticas” (1874) e parece encontrar as verdades que procurava. Era a época da insurreição da Comuna de Paris (1871) e Sousândrade sentia o choque futuro entre o capitalismo e o socialismo e o choque próximo das ideias republicanas com as remanescentes correntes aristocráticas.

Quando volta ao Brasil, na década de 1880, Sousândrade está mais aloucado e republicano do que o país podia suportar na época: “Paus-d”arco em flor. Viva a República”, foi o texto do telegrama que enviou ao Marechal Deodoro, cumprimentando-o pela proclamação da República. Para Sousândrade, com a Republica brotava um Brasil novo (o Pau-d”arco, quando floresce, em novembro, explode em folhas verdes e flores amarelas). No auge do entusiasmo, mandou repartir entre os antigos escravos as suas duas fazendas. Durante um breve período em torno de 1889, como prefeito de São Luís, tentava concretizar suas visões revolucionárias. Abole o trabalho aos domingos, aprova o contrato de implantação da rede telefônica na cidade, cria três escolas para pobres, institui o regime misto nos colégios e abre aulas noturnas para os trabalhadores. Mas os conservadores ficam escandalizados e, como na lenda do “guesa” errante, o tempo da peregrinação de Sousândrade chega ao fim. Nos últimos anos de sua vida, amarrado à sua província São Luís, quase um século antes dos tempos que antevira e tentara aproximar, passava as tardes “à janela com seu gorrozinho para contemplar o por do sol”, como um velho mais maluco que bem intencionado.

O violador da linguagem – Se a vida de Sousândrade confirma a fama de louco, a obra do poeta confirma o seu gênio. Quando o poeta do “Guesa” estreou com seu livro “Harpas Selvagens”, em 1857 – o mesmo ano de “As Flores do Mal”, de Baudelaire -, suas audácias se dirigiam no Brasil a um público que ainda se deliciava com as melosas “Primaveras” de Casimiro de Abreu (1859): “Ohque saudades que eu tenho/ da aurora da minha vida/ da minha infância querida/ que os anos não trazem mais”. Para estes, Sousândrade ia ser o “violador da linguagem”, o que aproveitava a sua vocação errante para produzir uma poesia universal, afastada dos modelos chorosos e bem comportados do romantismo brasileiro. Provocando conscientemente o choque entre palavras do vocabulário quinhentista com ousados neologismos, em meio a versos que davam a impressão de uma torturada construção barrôca, Sousândrade agita a poesia do seu tempo com uma verdadeira “insurreição sonora”. Comparando seus poemas com os de grandes poetas precursores da moderna poesia mundial, como o inglês Ezra Pound, o alemão Hoelderlin e o português Fernando Pessoa, a insurreição silenciosa feita no Maranhão no século 19 parece obrigar os críticos a um recuo nos marcos históricos dos movimentos literários modernistas. Quando Pound, no século 20, lançava a novidade das suas “imagens em movimento” em versos como “Foice de água azul-cambiante, verde-ouro nos baixos”, Sousândrade já tinha escrito no século 19, referindo-se ao deserto do Saara: “Dois areais o espelho te reflete/ O nimbo áureo-diáfano-cinzento”. Quando Hoelderlin anunciou sua cosmovisão panteísta em versos como “O destino/ quero dizer:/ freio e açoite ao sol”, o poeta brasileiro já escrevera no canto “Ao Sol” do seu livro “Harpa de Ouro”: “O sol fendeu-me o dorso como açoite/ Da Providência, e amei pra sempre o sol”.

Quando Fernando Pessoa passava de sujeito a objeto em versos como “O que eu sonhei, morri-lo”. Sousândrade já tinha versos como os do Canto I do “Guesa Errante”: “Vê-se, como tão rápido anoiteço/ Como de sombra e solidão me enluto”. Em um nível mais popular, chegou a antecipar-se até ao compositor Caetano Veloso. Entre os poemas de “Liras Perdidas”, agora reencontrados, há um intitulado “Forget-menot” (ao lado), em que aparece o bilinguismo português-inglês que Caetano lançou nas letras de algumas de suas canções.

Mas toda a revolução poética de Sousândrade talvez fique compreendida quando se publicar. Ele conseguiu descobrir também os 260 versos que faltavam à edição definitiva do “Guesa Errante”. Na introdução ao Canto VIII do poema do qual, nos idos de 1870, o poeta Sousândrade escrevia de forma quase profética: “Ouvi dizer por duas vezes que o “Guesa Errante” só será lido cinquenta anos depois: entresteci – decepção de quem escreve cinquenta anos antes”. Sousândrade um maranhense maluco e genial que morrera em abril de 1902, praticamente desconhecido no começo do século 20, depois de fazer uma revolução profunda mas silenciosa na poesia brasileira.
(Fonte: Veja, 25 de março de 1970 – Edição n° 81 – Livros/ Por Frederick G. Williams, o Fred – Pág; 82/83)

Joaquim de Sousa Andrade nasceu em Guimarães, estado do Maranhão, em 1833. Sua obra só se tornou conhecida por volta de 1970 com a publicação de “Inéditos”, aos cuidados de Frederick G. William e Jomar Moraes, São Luis, Departamento de Cultura do Estado, em São Luís, capital do estado do Maranhão.

Sousândrade formou-se em Letras pela Universidade de Sorbone, em Paris, França e foi naquela cidade que estudou, também, Engenharia de Minas. Durante o período em que estudou na França, viajou muito pela Europa e pelas repúblicas latino-americanas indo fixar-se, finalmente, nos Estados Unidos onde editou “Obras poéticas” e alguns cantos do “Guesa Errante”. Sua longa passagem pela Europa e a residência americana por muitos anos abriram seus horizonte para o mundo capitalista no grande desenvolvimento industrial da época. Isso o contrastava com a grande maioria dos escritores brasileiro que não tinham conhecimento tão amplo do mundo exterior.

Durante o tempo que morou nos Estados Unidos, o poeta viveu em na grande metrópole Nova York em plena época escandalosa de Wall Street e dos jornais montados e dirigidos para a grande população. O escritor sentiu o peso de uma democracia fundada no dinheiro e a competição comercial entre os habitantes da cidade grande e teve a chance de comparar todo aquele desenvolvimento e competição com o regime brasileiro ainda de Império e é dessa época o poema narrativo “Guesa Errante”, composto ao longo de dez anos. Com esse trabalho, Sousândrade recebeu de Humberto de Campos o título de “João Batista da poesia moderna”. Nessa obra o autor narra a jornada de um adolescente que depois de peregrinações na rota do deus Sol, acaba nas mãos de sacerdotes que lhe extraem o coração e recolhem o sangue nos vasos sagrados. O poeta teve uma intuição dos tempos modernos, onde imagina o Guesa que após escapar dos sacerdotes refugia-se em Wall Street onde reencontra seus carrascos disfarçados de empresários e especuladores.

Sousândrade era uma pessoa muito original em seu modo de ser especialmente se for levado em conta à época em que viveu. Era um escritor atento às técnicas da dicção e com facilidade utilizava os clássicos e os jargões yankees que aprendera nos Estados Unidos e fazia ousados conjuntos verbais na montagem de sua sintática. O poeta não conseguiu ser assimilado em seu tempo por isso passaram-se mais de cinqüenta anos após a sua morte para que sua poesia começasse a aparecer. No crepúsculo da vida Sousândrade, inteligente, viajado e culto, retornou a São Luís, no Maranhão, onde viveu na pobreza dando aulas de grego e fazendo parte da política da República da época, não chegando a ser conhecido dos literatos do início do século XX. E foi em São Luís que morreu em 1902.

(Fonte: www.overmundo.com.br – Maldoror · Belém, PA – 8/4/2007)

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