João Guimarães Rosa, é autor do clássico “Grande Sertão: Veredas”, seguido de “Sagarana” e “Primeiras Estórias”

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Um dos maiores autores da literatura brasileira

Guimarães Rosa: um empenhado criador de mitos, histórias e preceitos

 

João Guimarães da Rosa

João Guimarães Rosa (1908-1967) foi um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos. Foi também médico e diplomata. (Foto: Revista Vive Latinoamérica / Reprodução)

 

João Guimarães Rosa (Cordisburgo, 27 de junho de 1908 – Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967), foi um dos maiores escritores de nosso tempo. É autor do clássico e, livro mais importante “Grande Sertão: Veredas”, seguido de “Sagarana” e “Primeiras Estórias”. Poeta, chegou a ocultar-se atrás de heterônimos que não passavam de anagramas: Soares Guiamar, Meuriss Aragão, Sá Araújo Segrim, Romaguari Saes.
João Guimarães Rosa chegou a se formar em medicina, antes de virar diplomata. O romance “Grande Sertão Veredas”, publicado em 1956, é o representante máximo do regionalismo do autor. O livro foi inspirado numa viagem do escritor ao interior de Minas Gerais.
Guimarães Rosa serviu como cônsul adjunto do Brasil em Hamburgo de 1938 a 1942, o auge do poder nazista na Alemanha. A experiência nesse período deu-lhe a medida exata da missão humanitária da diplomacia.
A presença de Guimarães Rosa na literatura brasileira prossegue sua trajetória perturbadora, foco de controvérsias em vida (era consciente de sua capacidade de fazer inimigos), o escritor erigiu-se aos poucos em padrão diferenciador, em marco literário, em fonte perene de consulta, citação e estudo.
          Pois, com o ficcionista mineiro, em termos de aceitação pública, dois fenômenos de ordem excepcional se verificaram: o primeiro foi ter provado a glória em vida; o segundo consiste em não ter passado pelo hiato de ostracismo que os artistas, via de regra, suportam após o falecimento. Mas a obra de Guimarães Rosa não conheceu crepúsculo.
Sabe-se que Guimarães Rosa foi um escritor visceral, quase um mártir das letras, tal a literatura era para ele oxigênio. Foi um dos exemplos mais felizes de artista total e acabado, aquele para quem todos os compromissos com a empresa de viver convergiram para a literatura. Suas atividades de médico e diplomata não passaram de ancilares da tarefa de reduzir o mundo a um papiro escrito, um ordenamento estético de tudo. Seu ponto de partida: o sertão; seu ponto de chegada: o universo, com todos os seus acordes. Tinha ânsia de tudo alcançar.
Além de escritor febril, Guimarães Rosa mostrou-se ferrenho forjador de palavras, empenhado armador de sintaze, criador de mitos, histórias e preceitos. Sua narrativa apóia-se em sentenças lapidares com que indaga invariavelmente do ser e da transcendência, com o que ficam em projeção suas preocupações máximas: a metafísica e o misticismo. E tudo mediante rupturas, discretas violências ao sistema ordinário da língua, manipulações audazes do repertório, liberdades inesperadas.
Todo o arranjo morfo-sintático, toda a preocupação místico-ontológica, todo o minucioso documentário sertanejo prestaram-se a uma função única, a função poética, pela qual Guimarães Rosa seguiu a trilha não batida, pegou o longo atalho chamado poesia.
Em 1934, depois de dois anos de “médico da roça” em Itaguara, decidiu deixar Barbacena, onde era capitão-médico, para enfrentar carreira diplomática. Seu objetivo confessado: viajar o mundo e estudar línguas.
Em poucos autores a investigação da palavra coincide tanto com a perquirição do ser. Procurou ele, a vida inteira, o vocabulário enérgico e conciso para com ele alcançar o cerne da vida, essências.
Muitos estudiosos assinalam seu astucioso jogo de radicais, suas derivações regressivas, sua profusão de prefixos e sufixos, tudo para encurtar conversa e aquecer as emoções. Não há território defeso à sua curiosidade verbal: tanto esquadrinhou o universo linguístico dos vaqueiros e geralistas, os sons da natureza, as vozes e ruídos dos animais, como os recursos da língua alemã e da inglesa, os resíduos do latim no italiano, no francês, no espanhol e no português, os efeitos cênicos do japonês, o vocabulário dos indígenas, a fala secreta e reveladora dos mágicos, adivinhos, cartomantes e quiromantes, os signos da cabala e das ciências ocultas.
Mais que nenhum outro escritor brasileiro, ele encarna o mago latino-americano como argonauta do desconhecido, contraposto à mente lógica e pragmática do ocidente, ao mesquinho jogo de trocas do mundo burguês.
Fazendo uma obra erudita, de refinado acabamento, nota-se que não perde o sabor popular. Opera culto depois de rigoroso levantamento da harmonia e do ritmo da dicção inculta. O idioma construído sai-lhe das mãos como formação natural, espontânea e autêntica. Assim como os seus jogos conscientes sofrem influência de fortes impulsos inconscientes, a informação literal é absorvida pela camada simbólica.
Sabe-se dos pacientes inquéritos que Guimarães Rosa realizava acerca dos homens do sertão, suas particularidades físicas e comportamentais, acerca do solo e do subsolo, da flora e da fauna de nosso interior. Guimarães Rosa foi essencialmente um tradutor. Enquanto o romancista realista/naturalista buscava copiar a realidade e oferecer um texto transparente como uma casa de vidro, o romancista mineiro praticou um realismo em que também a linguagem é heroica (“Grande Sertão: Veredas”).
Resgatou o foco mítico de nossa ficção e a crença no herói romanesco. Naquele romance, as personagens, embora submetidas ao Destino, realizam-se por suas paixões elevadas e uma volição indomável. Não são heróis naturais, são forças superiores, mas resistentes à natureza e à determinação divina. Sua roupagem é mito poética.
Curioso é notar, em algumas partes da correspondência de Guimarães Rosa, a “tradução” que faz de seus próprios trechos, novas versões, novas paráfrases poéticas.
Seu envolvimento com a matéria escrita era tal que, funcionário público exemplar (os tormentos que padeceu, as noites indormidas pela divergência do Brasil com o Paraguai, por causa de Sete Quedas, já que era chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras do Itamaraty), diplomata por função, modelou-se em homem afável, só ocorrendo uma discrepância pública daquele traço: quando leu apaixonado parecer no Conselho Federal da Cultura rejeitando a proposta de unificação da língua portuguesa.
Tradutor, sim, mas não um tradutor literal. Sua importância com que rompeu com os moldes consumados de escrever e de narrar, elevando a ficção a nível raramente experimentado.
Seus processos partiam da natureza para transcender o natural. A natureza que conhecia – o grande sertão – representava a fusão de tudo, o mito de Pandora, já exposto por Machado de Assis no delírio de Brás Cubas.
Também constituía cenário da guerra interminável do consciente com o inconsciente. Manifestava nítida preferência pelo conhecimento intuitivo e via no mecanismo dos mitos as malhas para captar o incognoscível. Apesar da rigorosa fabricação de sua obra, levada a extremos de exigência racional e de controle.
Consciente era sua sedução pelas exteriorizações da glória. Foi o funcionário irrepreensível e buscou a farda acadêmica como forma homologatória de sua grandeza literária, como se restassem dúvidas a respeito e ele próprio necessitasse de convencer-se. Afonso Arinos de Mello Franco percebeu sutilmente o problema ao mostrar que as exterioridades oficiais deflagraram no romancista “a crise de uma sensibilidade exagerada.”
Documentário ‘Sertanias’ é inspirado na obra do romance “Grande Sertão Veredas”, publicado em 1956, e fi ao ar em 18 de novembro de 2017)
(Fonte: Veja, 23 de novembro de 1977 – Edição 481 – LITERATURA/ Por FÁBIO LUCAS – Pág: 165/166)
(Fonte: http://g1.globo.com/globo-news/jornal-globo-news/videos – GLOBO NEWS – 18/11/2017)
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