João Augusto Conrado do Amaral Gurgel. Tão sonhador quanto empreendedor, era personalista, …

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Pioneiro de uma indústria automobilística de raízes brasileiras

João Augusto Conrado do Amaral Gurgel. Gurgel foi o último, talvez o único, pioneiro de uma indústria automobilística de raízes brasileiras.
Tão sonhador quanto empreendedor, era personalista, carismático, polêmico e visionário. Construiu o único automóvel 100% nacional, o BR-800, que depois evoluiu para o Supermini. Bem antes da atual moda dos carros com decoração off-road, fez sucesso construindo jipes de fibra de vidro com tração traseira e mecânica VW.
João Gurgel gostava de lembrar a história de seu trabalho de graduação, quando se formou pela Escola Politécnica de São Paulo, em 1949. Segundo ele, ao apresentar o projeto de conclusão de curso através da fabricação de um carro popular adaptado as condições brasileiras, o Tião, teria ouvido de seu orientador: “Gurgel, carro é algo que não se fabrica, carro se compra”. Formou-se com o projeto de um guindaste, mas não se convenceu. Era teimoso o engenheiro Gurgel.
De sua fábrica, inicialmente em São Paulo, na avenida do Cursino, e depois na cidade de Rio Claro (SP), saíram 40 000 carros em quase 25 anos de produção ininterrupta. Exportou para quase todos os países latino-americanos, incluindo Nicarágua, Jamaica e Panamá, e até para a Arábia Saudita. Seus produtos sempre tiveram nomes com forte apelo nacional, de origem indígena, o que reforçava sua aura de nacionalista. Ipanema, Tocantins, Itaipu, Xavante, Carajás: palavras em tupi-guarani.
Gurgel começou fabricando minicarros infantis a partir de motores estacionários dois-tempos. Em setembro de 1969 lançou o Ipanema, um bugue de capota de lona com design moderno. Usava motor e suspensão de Kombi, mais reforçada que a do sedã VW. Ao ver que seus clientes o adquiriram para uso em estradas precárias e pela resistência a corrosão da fibra, transformou num jipe. Assim, surgiu em 1973 o Xavante, com desenho bem definido como off-road e pneus lameiros.
Em 1974, Gurgel apresentou o Itaipu, nome da então recém-inaugurada maior hidrelétrica do mundo. Começou como um minicarro urbano de dois lugares e evoluiu para uma caminhonete elétrica de design mais avançado que o da VW Kombi. O Itaipu E-400 furgão chegou a equipar frotas de companhias de eletricidade Brasil afora, mas as baterias de então, com muito peso e pouca capacidade de carga, não permitiam uma autonomia satisfatória.
Gurgel chegou a equipar alguns de seus carros com motores a álcool, mas combatia o combustível. Tinha duas linhas de argumentação. A primeira delas eram os subsídios governamentais de então aos produtores do combustível de cana-de-açucar, a segunda era o argumento de que as terras agriculturáveis devem servir para alimentar pessoas, não automóveis. No auge do Pro-Álcool, fazia apenas carros a gasolina.
Lançou a família X-15, em 1979, com apelo militar. Alto, grandão, o X-15 tinha versões abertas, com capota de lona, picapes e peruas tipo furgão. Usavam o indefectível 1.6 VW a ar e, embora tivessem sido adotados pelo Exército, não encontraram a mesma receptividade entre os consumidores civis.
No fim de 1981 chegou o XEF, sedã de duas portas, com três lugares lado a lado em um só banco largo. Minicarro urbano, tentava rivalizar com o MiniDacon 828, que fazia sucesso com sua de ovo entre os endinheirados da época. Caros, ambos estavam fadados ao fim precoce.
O Carajás, o único a adotar motor VW 1.8 de refrigeração líquida, foi lançado em 1984. Era uma espécie de precursor dos SUVs (Sport utility vehicles), que tanto sucesso fazem 20 anos depois. Com motor dianteiro e câmbio e tração traseiros, usava soluções originais, como o tubo de transmissão primária, apelidado de Tork Tube, que levava a força do motor ao conjunto embreagem/câmbio traseiro. Com seu pneu sobre o capô e suspensões independentes nas quatro rodas, fez bastante sucesso e teve inclusive versões de luxo.
Gurgel era mesmo teimoso. No dia 7 de setembro de 1987 apresentou o Cena, sigla para Carro Econômico Nacional. Usava projeto mecânico próprio, mas se valia do motor VW a ar. O carro era econômico e atingia 110 km/h. Houve reclamações da família de Ayrton Senna e, no fim, o nome acabou virando BR-800. Foi lançado em 1988 e produzido até 1991.
Foi vendido, inicialmente, com um lote de ações da Gurgel. A propaganda estampava uma foto do engenheiro ao lado de sua criação, com o slogan: “Se Henry Ford o convidasse para ser seu sócio, você não aceitaria?” Cerca de 8 000 clientes aceitaram – e se derambe, pois em 1989 o BR-800 era vendido com ágio.
Ele evoluiu para Supermini, de design mais harmonioso, em 1992. Acossado pelo Uno Mille e sua redução de impostos, começou a perder mercado, até mesmo para o renascido Fusca de Itamar Franco.
Antes disso, em 1990, Gurgel havia apresentado o projeto Delta, que incluía o Motomachine, em diversas versões, com portas transparentes, conversível etc.
O Motomachine teve algumas unidades fabricadas, mas o projeto Delta incluía uma nova fábrica no Ceará, que nunca saiu do papel, apesar de ter causado alguma sangria nas finanças da companhia.
Em 1993, endividada, a Gurgel pediu concordata, que resultou em falência em maio de 1994. Em 2004, o registro do nome da empresa fundada pelo engenheiro João, Gurgel Motores, expirou juntamente ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial. A marca, incluindo logotipia, foi adquirida pelo empresário Paulo Emílio Lemos, de Presidente Prudente (SP). A Gurgel Motores, com logomarca idêntica a original e nenhum vínculo com a idéia original ou a família de Gurgel, dedica-se a importação de triciclos chineses para carga.

(Fonte: Quatro Rodas – Ano 49 – Edição 589 – Março 2009 – Reportagem/O Sonho Gurgel – Por Eduardo Viotti – Pág; 108 a 112)

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