Jean Gabriel Albicocco, cineasta francês, fundador da Sociedade de Cineastas da França e da Quinzena dos Realizadores, uma das mostras paralelas mais influentes do Festival de Cannes

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JEAN-GABRIEL ALBICOCCO, UM ESTRANGEIRO QUE COMETEU O ERRO DE AMAR NOSSA TERRA

Albicocco foi o fundador da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes

Jean Gabriel Albicocco (1936 – Rio de Janeiro, 9 de abril de 2001), cineasta francês, que foi, num certo momento, o homem mais poderoso da cinematografia no Brasil, o introdutor da sala Multiplex (Belas Artes, seis salas em São Paulo), diretor geral da Gaumont brasileira.

Foi o fundador da Sociedade de Cineastas da França e da Quinzena dos Realizadores, uma das mostras paralelas mais influentes do Festival de Cannes. Vivia no Brasil desde a década de 70 e tornou-se um promotor do cinema francês no país. Criou o circuito Gaumont do Brasil e reergueu o cinema Belas Artes após o incêndio que destruiu as salas de São Paulo, do começo dos anos 80.

Bem antes disso, Albicocco, como era conhecido por amigos e inimigos, era filho de um famoso fotógrafo de cinema, Quinto Albicocco, e apropriadamente nasceu nos arredores de Cannes, onde acontece o mais famoso festival do mundo. O cinema foi para ele uma continuação natural da vida, sendo assistente dos realizadores Marcel Achard (1899-1974) e Jules Dassin (1911-2008), diretor de curtas (o pai eventualmente seria também o fotógrafo de seus maiores filmes, chegando a preciosismos de iluminação e utilização de filtros, às vezes até em excesso).

O primeiro longa Albicocco fez em 1961, o que o colocou na linha de frente do movimento da Nouvelle Vague que florescia naquele instante. E a primeira fita deu um apelido para o resto da vida para sua então mulher, a atriz e cantora Marie Laforet (lembrada também por ”O Sol por Testemunha”, de René Clement, com Alain Delon). A fita se chamava ”A Garota dos Olhos de Ouro” (La Fille aux Yeux D´Or) e eu nunca consegui assisti-la. Só sei que as relações entre ele e Laforet não era das mais amigáveis. Albicocco era bastante discreto nas histórias do passado. Quando Catherine Deneuve esteve no Brasil no fim dos anos 80, organizamos um pequeno Festival para ela no Belas Artes e só assim fiquei sabendo que eles haviam sido namorados (ela teria olhado para ele e dito, desapontada, ”Como você engordou Gabi!”). Uma vez também me contou que levou Rita Hayworth para jantar em Paris, certo de que saía com Gilda mas já encontrou uma mulher alcoólatra e sem controle (ninguém sabia na época que era já o mal de Alzenheimer).

 

Jean Gabriel Albicocco e Catherine Deneuve, São Paulo, 1984, Cine Gaumont Belas Artes (Hoje Caixa Belas Artes), no Festival Gaumont de Cinema Francês

Jean Gabriel Albicocco e Catherine Deneuve, São Paulo, 1984, Cine Gaumont Belas Artes (Hoje Caixa Belas Artes), no Festival Gaumont de Cinema Francês



De qualquer forma, foi ainda com Laforet que ele fez o filme seguinte, que o trouxe para conhecer pela primeira vez o Brasil, ”Le Rat D´Amerique”, com Charles Aznavour (outro filme a que nunca tive acesso). Foi a maior paixão de sua vida, o Brasil. Continuou a rodar outros filmes. Seu maior sucesso, na França, foi a adaptação de um livro famoso, ”Le Grande Meaulnes” (O Bosque das Ilusões Perdidas, 1967), com Brigitte Fossey, seguido por outros menos ilustres (”L´Amor au Féminin”, episódio; ”Le Coeur Fou”, 1970) e um último que fez grande sucesso de bilheteria por aqui, ”Nina 1940: Crônica de um Amor” (Le Petit Matin, 1971), uma história de amor entre uma jovem francesa Catherine Jourdan e um oficial nazista, durante a época da Ocupação, com um clima romântico exaltado e várias cenas de nudez (coisa rara na época fora das fitas de Roger Vadim).

Foi justamente nos anos 70 que Albicocco veio para o Brasil, à principio com um projeto de um longa-metragem que deveria se chamar ”Polichinelo” (com música de Chico Buarque de Holanda), articulando eventos com Club Méridien e a Unifrance (o organismo governamental da França que é o mais atuante na divulgação do cinema francês no exterior). Nunca soube porque o filme não foi feito. Conheci melhor Gabi quando ele se fixou em São Paulo, à testa da
Gaumont (grande produtora e exibidora francesa) que comprou o antigo circuito de cinemas da Serrador (que tinha o carro chefe de então, a sala do Ipiranga, na São João com Ipiranga, isso antes da deterioração do Centro da cidade).

A Gaumont estava vivendo novos tempos na expansão de seus negócios, produzindo grandes filmes (até mesmo óperas filmadas, porque seu diretor era apaixonado por elas, como Don Giovanni, de Joseph Losey, e Carmen, de Francesco Rosi. Mesmo que fossem deficitárias). E de repente, nos anos 80, através da amizade de sua assessora de imprensa, Rose Carvalho, estava lá participando de tudo que eles realizavam. O que não foi pouco. Além do primeiro Multiplex, renovaram as salas, o sistema de projeção (dizem que os aparelhos de projeção teriam vindo por mala diplomática, mas pode ser boato!), deram força ao cinema europeu (e portanto cinema de arte) como nunca havia acontecido antes. Foram antes de esplendor para o Cinema, até porque Gabi foi também o organizador e a força por trás de três memoráveis Festivais de Cinema organizados no Rio de Janeiro. O faro e a experiência dele em cinema fez com que o Rio fosse pioneiro em premiar Pedro Almodóvar, ”Bagdad Café”, Stephen Frears, trazendo como convidados desde Jodie Foster a Esther Williams. Sem contar todos os artistas franceses de alguma importância.

Tudo isso Gabi fez até discretamente. Só descobri como ele era querido quando foi homenageado no Festival de Cannes, como um dos fundadores da chamada Quinzena dos Realizadores, a mais importante dos mostras paralelas do Festival, que havia nascido justamente das manifestações de rua de maio de 68 que interromperam o Festival. Sou também testemunha da força que ele sempre deu ao cinema brasileiro, seja co-produzindo filmes nacionais que invariavelmente conseguia colocar no Festival (como ”Memórias do Cárcere”, de Nelson Pereira dos Santos, ou ”Quilombo”, de Carlos Diegues), seja exibindo-os em suas salas (que depois se estenderiam pelo Rio, Belo Horizonte e Porto Alegre).

Quando a Gaumont Brasil fechou, não foi por culpa dele. A matriz mesmo se encarregou de se atrapalhar e, na crise, foi forçada a se livrar de seu projeto brasileiro. E de repente Gabi perdeu o poder, o emprego, o objetivo, certamente muitos dos amigos. A última vez que o encontrei foi novamente em Cannes, noutra homenagem, já com uma nova esposa, mais magro, aparentemente muito animado e feliz. Depois nos perdemos de vista, como acontece com tanta frequência na vida. Ao contrário de muita gente em seu lugar, Albicocco teve as chances mas nunca ficou rico, nunca desviou dinheiro e por isso posso acreditar que tenha tido problemas até para pagar o hospital em seus últimos dias (de tal maneira que até fundos foram arrecadados pela Quinzena para ajudá-lo).

É melancólico que sua carreira de cineasta tenha sido truncada, é lamentável que sua contribuição ao cinema no Brasil tenha se perdido, e mais triste ainda que o país de adoção tenha sido tão ingrato. Mas não acredito que ele tenha se arrependido.

Morreu brasileiro, no Rio de Janeiro, 9 de abril de 2001, aos 65 anos, de infecção generalizada. À moda brasileira. O fim é sempre triste. Ao menos, Gabi leva consigo a certeza de ter influenciado toda uma geração de cinéfilos brasileiros.

(Fonte:  http://www.epipoca.com.br/noticias – NOTÍCIAS/ por Rubens Ewald Filho – 11/04/2001)

(Fonte: Veja, 18 de abril de 2001 – ANO 34 – Nº 15 – Edição 1696 – DATAS – Pág: 108/109)

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