Jean-Auguste-Dominique Ingres, grande artista neoclássico inimigo da vertente romântica.

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Ingres, o magistral retratista dos ricos e famosos

A contragosto, para pagar as contas do final do mês, Ingres produziu uma inigualável crônica visual da sociedade francesa, marcada pela união entre a nobreza e a burguesia e o apego ao luxo e à elegância.

Jean-Auguste-Dominique Ingres (Montauban, 29 de agosto de 1780 – Paris, 14 de janeiro de 1867), revolucionário pintor francês, grande artista neoclássico inimigo da vertente romântica. O pintor que foi uma espécie de cronista visual da sociedade de seu tempo.

Namorador – Nascido na pequena cidade de Montauban, no sudoeste francês, Ingres era filho de um pintor medíocre, que logo percebeu seu talento precoce e o despachou para Paris. Na capital francesa, Ingres rapidamente se firmou como o mais talentoso aluno do pintor neoclássico Jacques-Louis David (1748-1825). Em 1801, o jovem Ingres tornou-se uma celebridade, ganhando um prêmio de pintura que lhe dava direito a estudar em Roma. Na Itália, então dominada pela França, longe da oposição de seus conterrâneos vanguardistas, Ingres pôde dedicar-se a um de seus maiores passatempos, estudar a obra do renascentista Rafael Sanzio (1483-1520).

O pintor francês viveria por lá durante mais de trinta anos, transformando-se numa espécie de retratista oficial da corte napoleônica instalada na península. Produzir retratos era seu principal ganha-pão, já que as encomendas de pinturas históricas eram raras.

Namorador, só se casaria aos 33 anos de idade, ainda na Itália, com Madeleine Chapelle, uma amiga de infância, com quem viveria por mais de três décadas. Em 1841, depois da queda de Napoleão, Ingres retornaria a Paris, na condição de célebre artista.

Os retratos do francês são “um formidável atestado da eterna relevância da pintura”, dizia o jornal The Times. Ingres ficaria desconcertado com a grandiloquência do epíteto. Para ele, que pintava nobres e ricaços só para pagar as contas do final do mês, o retrato era um gênero menor da pintura.

Como um seguidor dos preceitos neoclássicos, Ingres acreditava que a tarefa primordial da arte era produzir quadros históricos. Das obras pintadas por ele, só a imagem triunfal de Napoleão está de acordo com essa concepção.

Magistral e contraditória, a arte de Ingres é feita de uma vasta gama de ingredientes, alguns deles radicalmente dissonantes. Ardoroso defensor da pureza das formas, ele afirmava, por exemplo, que desenhar uma linha perfeita era muito mais importante do que colorir. “A pincelada deve ser tão fina como a casca de uma cebola”, repetia a seus alunos. Apesar desse discurso, Ingres deformava a anatomia de seus retratos para obter uma composição equilibrada entre todos os elementos da pintura. É o que demonstrou o retrato do conde Nicolas Dmitrievitch de Gouriev, cujo tronco ampliado é desproporcional à sua pequena cabeça.

Quando cisto em seu conjunto, o nobre russo engalanado com uma faixa rubra se harmoniza perfeitamente com o despojado fundo paisagístico da tela. A deformação anatômica foi um efeito pensando para tornar o conde mais impositivo e atraente.

Seda pura – Amante declarado da tradição, Ingres passou a vida brigando contra a vanguarda artística francesa representada pelo pintor romântico Eugène Delacroix (1798-1863), que não se cansava de fazer um maldoso trocadilho, chamando o pintor de “en-gris” (em cinza, em português), numa crítica à suposta palidez da obra de Ingres. Contudo, foi Ingres, e não o retórico e inflamado Delacroix, o mais revolucionário dos dois. A modernidade de Ingres está justamente na visão distanciada que tinha de seus retratados, na recusa a produzir qualquer julgamento moral a respeito deles, numa época em que se consumava o processo de aliança entre a nobreza e a burguesia.

Um bom exemplo disso é a bela e pensativa figura de A Condessa dHaussonville. Envolta numa cascata azulada de seda pura, ela olha diretamente para o espectador num tom próximo ao do desafio. A moça tanto pode ser uma criatura frívola quanto uma dama sensível. O espectador que tire suas próprias conclusões sobre a neta da escritora Madame de Staël. A opinião do pintor a respeito da condessa, segundo ele “uma linda selvagem”, ele a reservava para as conversas galantes.

Impecável na reprodução de padrões decorativos, Ingres também primou ao reconstituir o luxo visual da corte francesa. No caso da condessa, tal capricho se revela no reflexo gelado do vestido, que a um só tempo contrasta e combina com o espelho ao fundo do quadro. O detalhismo também é uma das marcas registradas do pintor. Seus retratos são invariavelmente enriquecidos com mantos aveludados, rendas, flores e joias. Tais artifícios viriam a influenciar pintores modernos como Henri Matisse (1869-1954) e Pablo Picasso (1881-1973).

Ironicamente, quando Ingres se levou demasiadamente a sério, produzindo pintura histórica, sua obra decaiu levemente. Não há como se furtar à imponência de Napoleão I em Seu Trono Imperial, pintado entre 1803 e 1806, logo depois de o corso autocoroar-se imperador. A despeito do físico franzino da figura, seu retrato exala uma autoridade absoluta. Inspirado em fontes gregas, bizantinas e medievais, como o retrato de Deus Pai pintado pelo flamengo Jan van Eyck (1395-1441) no século XV, o quadro peca, entretanto, por certo exagero. Sacrifica a elegância em nome da glória napoleônica.

Suas rusgas com Delacroix, não o impediram de trabalhar até os 86 anos. Ao morrer, em 14 de janeiro de 1867, em Paris, Ingres já era unanimidade europeia.

(Fonte: Veja, 10 de fevereiro de 1999 – ANO 32 – N° 6 – Edição n° 1584 – ARTE – Pág; 122/123)

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