James Ensor, precursor do modernismo, antecipou tendências como o expressionismo e o surrealismo

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James Ensor (Ostende, 13 de abril de 1860 – Ostende, 19 de novembro de 1949), mestre, pintor e gravador belga.

 

Claustrofobia – Filho de pai inglês e mãe belga, Ensor nasceu em abril de 1860 na cidade balneária de Ostende, aprazível recanto frequentado no verão por hordas de turistas. Sem querer transformar a história da arte ou a evolução de um artista em problemas de patologia familiar, a verdade é que no caso do pintor belga foram esses os fatores decisivos.

 

Raras vezes a luminosidade de Ostende penetrou em suas primeiras obras: naturezas-mortas, marinhas, personagens solitárias, cenas de interior. E mesmo mais tarde a luz foi usada de forma incisiva, angulosa, quase desnudadora. A provável razão estaria na claustrofóbica vida numa casa pequeno-burguesa, dominada pela mãe, que sustentava a família com uma lojinha de souvenirs. O pai, embora culto, não conseguia autorização para trabalhar, por ser estrangeiro, e acabou derivando para o alcoolismo. Coube-lhe, de qualquer forma, estimular a vocação do filho contra a vontade materna.

 

Mais cedo ou mais tarde, obviamente, todos os criadores da arte moderna se rebelaram contra suas ex-academias, que ensinavam justamente os princípios que eles queriam derrubar. Poucos, entretanto, revelaram tanta irritação quanto o belga James Ensor, um muito importante mas pouco incensado precursor do modernismo, para quem a Academia Real de Belas-Artes de Bruxelas não passava de “aquele estabelecimento para quase cegos.”

 

Tal revolta se compreende. Antecipando tendências como o expressionismo e o surrealismo (bem antes que elas aparecessem), jogado no ambiente tradicionalista da Bélgica de sua juventude, Ensor não conseguiu também ser aceito sequer pelos grupos mais progressistas, como “Les Vingt” (Os Vinte), que o expulsaram em 1889 por causa de uma de suas obras-primas, “Entrada de Cristo em Bruxelas”. Só com a maturidade o isolamento terminaria e o mestre acabou mesmo consagrado – inclusive com um título de barão, em 1929.

 

Mas nem ele conseguiu torná-lo realmente popular. Após um curto interregno adolescente em Bruxelas (quando frequentou a Academia), Ensor voltou para Ostende – onde morreu em novembro de 1949, aos 89 anos. Já em 1880, porém, começava a demonstrar sua predileção por temas mórbidos: vagabundos, prostitutas, bêbados, párias, que ele apreendia com sensibilidade aguçada. Em 1883 (na tela “As Máscaras Escandalizadas”) deu-se a reviravolta decisiva de seu estilo. Numa cena de interior, Ensor abandonava toda a verossimilhança, colocando nas personagens máscaras grotescas, que se transformavam em símbolos temporões de uma humanidade atormentada. 

 

Esse sofrimento do ser humano enquanto espécie viria à tona bem mais tarde, especificamente no movimento expressionista (de 1900 em diante). E, na época em que Ensor partia para as primeiras críticas, seus companheiros de geração – os impressionistas franceses, como Edgar Dégas (1834-1917), Claude Monet (1840-1926) e Pierre Auguste Renoir (1841-1919) – pintavam mundos galantes de cafés-concerto, bucólicas paisagens com banhistas ou vaporosas bailarinas vestidas com “tutus”.

 

Morte na vida – As máscaras haviam povoado a infância de Ensor, pois eram famosas no carnaval de Ostende e faziam parte do bric-à-brac vandido na lojinha materna. Talvez por isso o pintor as tenha escolhido como um dos símbolos essenciais de sua mensagem, onde mascarados surgem sempre com ares trágicos ou cáusticos.  “Fechei-me num domínio solitário onde as máscaras oscilam a distância segura feitas de violência, luz e brilho” – escreveria mais tarde o pintor.

 

Outro símbolo, mais difícil de detectar em sua origem imediata, contudo mais universal e igualmente claro em seu sentido, são os esqueletos e caveiras, que aparecem na obra de James Ensor como na de nenhum outro pintor em qualquer tempo. Sua atração pela morte, na verdade, não era um gosto exclusivo – e chegara a se transformar quase num modismo entre a intelectualidade europeia do fim do século XIX.

 

 

 

 

(Fonte: Veja, 9 de março de 1977 – Edição 444 – ARTE/ Por Olívio Tavares de Araújo – Pág: 100/101)

 

 

 

 

 

 

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