Autor era considerado um dos nomes mais importantes da poesia em língua portuguesa no século XX
Herberto Helder (Funchal, na Ilha da Madeira, 23 de novembro de 1930 – Cascais, 23 de março de 2015), poeta português, reconhecido como um dos maiores nomes da poesia de língua portuguesa
“Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios/ quando alguém morria perguntavam apenas:/ tinha paixão?”, escreveu o português Herberto Helder num poema do livro “A faca não corta o fogo” (2008): “se tinha paixão pelas coisas gerais,/ água,/ música,/ pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,/ pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,/ paixão pela paixão,/ tinha?”
Nascido em novembro de 1930 em Funchal, na Ilha da Madeira, Helder começou a desenvolver essa “língua plena” em 1958, quando publicou o primeiro livro, “O amor em visita”. Naquela altura, já havia abandonado as faculdades de Direito e Filologia Românica e viajado por países europeus e africanos. Estabeleceu-se em Portugal novamente em 1960. Chegou a trabalhar como meteorologista na Madeira e redator publicitário. Nos anos 1960, colaborou com publicações como o “Jornal das Letras e Artes” e foi diretor da editora Estampa. Em 1971, foi correspondente na guerra civil em Angola, sofreu um grave acidente e ficou três meses internado. Em 1973, deixou novamente Portugal e foi para os Estados Unidos. Só voltou a seu país depois da Revolução dos Cravos, em 1975.
Ainda nos anos 1960, publicou uma sequência de livros que chamaram a atenção da crítica, como “A colher na boca” e “Poemacto” (ambos de 1961). Com um estilo marcado por versos longos e intensos e uma visão mística do mundo, explorava temas recorrentes como a natureza, o corpo, o erotismo e a morte. Numa rara entrevista, concedida ao mesmo “Jornal de Letras e Artes” em 1964, disse se inspirar na sensação de descoberta do mundo que se dá na infância: “Mas a experiência humana é apenas ponto de partida, núcleo sólido e permanente onde assenta a experiência posterior da criação. Considero a criação o encaminhamento, até às consequências extremas, de uma experiência em si mesma não organizada”, disse.
Em quase seis décadas de carreira, Helder publicou cerca de 30 livros. Tinha o hábito de reescrever poemas antigos e, periodicamente, publicava um volume com suas obras completas revisadas — o mais recente foi “Ofício cantante” (2009). Depois dele, chegou a lançar mais dois livros, “Servidões” (2013) e “A morte sem mestre” (2014). Ambos tiveram tiragens esgotadas em poucos dias. O último trazia um CD em que o autor gravou cinco poemas, outro hábito que exercitou ao longo de toda a vida.
Helder publicou também vários volumes de traduções — ou, como os chamava, “poemas mudados para português”. A seleção de textos para esses livros, onde há desde autores japoneses e árabes até versos tradicionais ameríndios e africanos, mostra a variedade de suas influências. No Brasil, teve apenas três livros publicados: o volume de contos “Os passos em volta” (Azougue) e as coletâneas de poemas “O corpo o luxo a obra” (Iluminuras) e “Ou o poema contínuo” (Girafa). Todos estão esgotados.
Em 1994, Helder foi escolhido vencedor do Prêmio Pessoa, um dos mais prestigiosos de Portugal. Ao ser comunicado pelo júri sobre a decisão, recusou o prêmio e pediu que o dessem a outro escritor. Disse que preferia continuar a ser “um poeta oculto”. Sua vasta obra, porém, está repleta de autodefinições luminosas: “Sou uma devastação inteligente./ Com malmequeres fabulosos./ Ouro por cima./ A madrugada ou a noite triste tocadas/ num trompete. Sou/ alguma coisa audível, sensível./ Um movimento”.
Helder sempre foi admirado pela paixão com que se dedicou à escrita. Recluso há anos em sua casa em Cascais, no litoral de Portugal, era avesso à convivência no meio literário: não dava entrevistas desde os anos 1960, raramente se deixava fotografar e recusava prêmios e homenagens. Mas escrevia sem parar e publicava com frequência, muitas vezes revendo e modificando obras antigas, para alimentar o que chamou certa vez de “o poema contínuo”. Em seu último livro, “A morte sem mestre”, lançado em 2014, mencionava o desejo de “encerrar-me todo num poema/ não em língua plana mas em língua plena”.
Herberto Helder morreu em Cascais, em 23 de março de 2015, em casa, aos 84 anos.
Em entrevista ao jornal português “Público”, o crítico António Guerreiro comparou seu legado para a poesia em língua portuguesa ao de Fernando Pessoa: “Helder foi um poeta poderoso, a sua obra foi um centro de atração e um horizonte em relação ao qual todos os seus contemporâneos tiveram de se situar. Como antes tinha acontecido com Pessoa, também houve um ‘efeito Herberto Helder’”, disse.
(Fonte: http://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura – 1656682 – CULTURA – LITERATURA – O ESTADO DE S.PAULO – 24/03/2015)
(Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/livros -15682830#ixzz3VKfnpu3T – CULTURA – LIVROS – POR O GLOBO – 24/03/2015)
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