Geraldo França de Lima, amigo de Guimarães Rosa, romancista lutou na revolução de 30

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Testemunha do Século

Geraldo França de Lima

Da farda ao fardão, um homem de letras

Amigo de Guimarães Rosa, romancista lutou na revolução de 30, foi secretário de Juscelino Kubitschek e tornou-se escritor aos 44 anos

Se a visão fosse tão perfeita como a memória, o romancista mineiro Geraldo França de Lima, 86 anos, estaria em fase de superprodução. Deficiente visual desde 1992, quando sofreu isquemia ocular e perdeu totalmente a visão, ele conta que seu maior passatempo é sentar-se próximo à máquina de escrever para criar novas histórias ou incrementar aventuras pelas quais passou quando ainda era jovem. “Nesses oito anos de cegueira, escrevi quatro dos meus 12 romances. Se enxergasse, estaria batendo recordes”, brinca o escritor, que hoje tem a ajuda da mulher, Lygia Bias Fortes da Rocha França de Lima, com quem está casado há 47 anos. “Eu vou ditando e ela escreve”, explica.

Autor de obras consagradas como Nó Cego, Branca Bela, Rio da Vida e Serras Azuis, que em 1998 virou novela na Rede Bandeirantes, França de Lima teve a natureza como musa inspiradora de suas obras. Nascido em Araguari, interior de Minas Gerais, em 1914, ele lembra as vezes em que sua família viajava para Santos para ir à praia. “Demorávamos quatro dias de trem para chegar lá”, conta. Filho da professora Corina Carneiro de Mendonça França de Lima e do comerciante Alfredo Penteado Simões de Lima, o escritor teve seis irmãos.

Aos 15 anos, deixou a casa dos pais para completar seus estudos em Barbacena. Foi lá que ele despertou para a política. “Fiquei encantado com um discurso de Antônio Carlos de Andrade, em praça pública, quando ele lançou as bases da Aliança Liberal”, conta. “Logo me alistei no Batalhão de Antônio Carlos e, durante a revolução de 30, lutei na Mantiqueira”, lembra. Sua ousadia acabou chamando a atenção do reitor do colégio interno onde ele estudava. “Ele cassou minha inscrição e me deixou 24 horas sem poder sair”, recorda o escritor.

Em 1932, França de Lima fundou o Kepi, um jornal de poesias em Barbacena. Um ano depois, vendendo assinaturas para o seu tablóide, conheceu Guimarães Rosa, que se tornaria seu maior amigo. O autor de Grande Sertão: Veredas passava o feriado de Semana Santa em Barbacena, mas não achou vaga nos hotéis da cidade. “Rosa se interessou pelo meu jornal e ofereci a ele uma vaga na pensão onde eu morava”, lembra. Daí em diante, a amizade entre os dois só se fortaleceu. “Foi ele quem me incentivou a seguir a carreira de escritor”, orgulha-se França de Lima.

Antes de iniciar sua vida literária, o escritor foi jornalista. Mudou-se para o Rio em 1933, quando decidiu estudar Direito, e trabalhou no Correio da Manhã e A Batalha. Até hoje, ele se lembra bem de sua primeira cobertura jornalística. “Fui para a praia com um fotógrafo porque duas suecas estavam usando um maiô frente-única, com as costas de fora, o que era um escândalo na época”, conta.

Assim que se formou, em 1938, França de Lima mudou-se para Belo Horizonte, onde passou a advogar em um pequeno escritório. Em 1945, foi um dos fundadores do Partido Social Democrático em Minas Gerais. “Eu assinei a ata de fundação do partido em Barbacena”, lembra.Em 1950, ele voltou ao Rio de Janeiro, arranjando emprego como advogado na Procuradoria Geral da República. Foi nesta época que ele conheceu Carmem Miranda. “Ficamos amigos e ela sempre me convidava para vê-la cantar na Rádio Mayrink Veiga”, lembra.

Em 1958, França de Lima dava aulas no Colégio Pedro II e na Faculdade de Letras da UFRJ quando começou a escrever seus romances. “Escrevia por prazer mas nunca quis mostrar a ninguém, muito menos a Guimarães Rosa”, conta. “Temia sua crítica”, explica. Tamanha foi sua surpresa quando Rosa elogiou seu trabalho e decidiu publicá-lo. “Ele viu o romance na minha biblioteca e levou-o para ler sem que eu o tivesse visto.” Surgiu assim Serras Azuis, nome dado por Guimarães Rosa. Mas o escritor nunca abandonou totalmente a política. Chegou a ser assessor de Tancredo Neves, nos anos 50, e secretário particular de JK, em 1961.

Em 1989, ele ingressou na Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de número 31. Mesmo sem a visão, Geraldo França de Lima não pára de escrever. “Agora escrevo sem pressa, com a paciência de um artesão, reescrevendo cada capítulo várias vezes, em busca da perfeição.”

(Fonte: http://www.terra.com.br/istoegente/33/reportagens – Testemunha do Século/ Por Viviane Rosalem – 20 de março de 2000)

(Fonte: https://www.terra.com.br/istoegente/191/aconteceu – Edição 191 – ACONTECEU – TRIBUTO / por Dirceu Alves Jr. – 30/03/2003)

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