Foi pioneiro da performance

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Flávio de Carvalho, pioneiro da performance que escandalizou os anos 1950

 

 

 

Vanguardista é relembrado em São Paulo e Berlim, artista é hoje visto como precursor de questionamentos de gênero

Projeto para o Farol de Colombo, 1928 (Foto: Leonardo Crescenti / Divulgação)

Décadas antes de a performance ser uma modalidade presente em instituições e galerias de arte, Flávio de Carvalho (1899-1973) fazia a sua “experiência” inicial, em 1931, ao caminhar contra uma procissão de Corpus Christi no Centro de São Paulo usando um chapéu, o que quase resultou numa reação violenta da multidão.

Ainda que voltada a uma investigação de psicologia das massas, sem a intenção de antecipar o que viria a se tornar um ato performático a partir da década de 1960, Carvalho passou a ser creditado como o autor do primeiro registro do gênero no Brasil.

 

 

O pioneirismo ao usar o próprio corpo em uma prática artística não foi o único fator para fazer dele um dos nomes centrais da vanguarda brasileira na primeira metade de século XX. Contemporâneo dos modernistas da primeira geração, Carvalho desenvolveu uma produção multidisciplinar que, em um período de campos artísticos ainda muito demarcados, lhe valeu uma extensa lista de atividades profissionais: pintor, arquiteto, escultor, cenógrafo, designer, jornalista, escritor e dramaturgo.

 

 

Toda essa versatilidade será destacada a partir deste sábado na Galeria Almeida e Dale, em São Paulo, em uma retrospectiva com cerca de 50 obras que cobrem cinco décadas de produção. Com curadoria da brasileira radicada em Londres Kiki Mazzucchelli, a mostra foi montada em abril na Sotheby’s S2 Gallery, na capital inglesa, e em São Paulo recebe outras obras de acervos brasileiros, como o “Duplo retrato de Oswald de Andrade e Julieta Bárbara” (1939), do Museu de Arte Moderna (MAM) da Bahia, e “Retrato ancestral” (1932), da Coleção Fadel.

“Parte do caráter visionário de suas obras não teve espaço no início da carreira. É só pensar que o primeiro museu de arte moderna brasileiro foi fundado em 1947”

KIKI MAZZUCCHELLI
Curadora da mostra na galeria Almeida e Dale

— Conseguimos mais empréstimos de obras do início da carreira do Flávio, o que ajuda a dar a dimensão da pluralidade da sua obra — observa Kiki. — Em Londres, o público se surpreendia com seu pioneirismo em tantos campos e há tanto tempo. Talvez ele seja um dos últimos vanguardistas brasileiros a ser descoberto no exterior. O fato de a maioria dos registros estar em português dificulta este processo, mas acho que aos poucos esta realidade começa a mudar.

 

 

 

‘Os ossos do mundo’

 

 

 

Em setembro, o legado do artista — que nasceu em Barra Mansa, interior do Rio, há 120 anos, mas mudou-se para São Paulo com um ano de idade — chega à Alemanha. A 11ª Bienal de Arte Contemporânea de Berlim , que será realizada em junho de 2020, faz uma prévia de sua programação com uma série de eventos no complexo arquitetônico ExRotaprint, na capital alemã.

 

 

 

O local receberá uma coletiva, que inclui registros documentais que integram o acervo de Carvalho pertencente à Unicamp. Em 10 de outubro, Marcelo Moreschi, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), faz uma palestra sobre sua obra. Ano que vem, obras de Carvalho serão exibidas na Bienal.

 

 

— O Flávio que estamos trazendo é o Flávio das experiências. Usamos o título “Os ossos do mundo”, o mesmo de seu livro de anotações entre 1934 e 1935, escrito após uma viagem de seis meses pela Europa. Para nós, curadoras, é um álibi para trazer também nossas observações sobre a temperatura política atual, como estava a Europa dos anos 1930 e agora, o crescimento dos grupos de ultradireita — conta Lisette Lagnado , curadora da Bienal de Berlim ao lado da chilena María Berríos, a argentina Renata Cervetto e o espanhol Agustín Pérez Rubio.

 

“Para ele, a saia estava relacionada ao saiote dos soldados romanos, dos egípcios. Era uma provocação diferente do que seria hoje”

RUI MOREIRA LEITE
Autor do livro “Flávio de Carvalho: o artista total”

 

 

A ação pública mais famosa de Carvallho, chamada de “Experiência nº 3”, de 1956, consistiu em sair às ruas de São Paulo com seu “new look” ou “traje de verão”, concebido como uma roupa masculina adequada ao clima tropical, composta por blusa, saiote, meia e sandália. Ainda que não houvesse uma intenção de abordagem de gênero na proposta, o traje criou uma polêmica na época e hoje é visto como precursor de questionamentos no campo, ao ponto de a veste integrar a coletiva“Queermuseu”, censurada em Porto Alegre em 2017 e exibida na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage no ano seguinte, financiada por campanha popular.

 

— Antes da “Experiência nº 3”, o Flávio havia publicado 39 artigos sobre as alterações na história da moda, a ação pública era uma espécie de conclusão — aponta Rui Moreira Leite, autor do livro “Flávio de Carvalho: o artista total” e curador de sua primeira retrospectiva, na 17ª Bienal de São Paulo (1983). — Para ele, a experiência estava associada ao que ele havia descrito, a saia estava relacionada ao saiote dos soldados romanos, dos egípcios. Era uma provocação diferente do que seria hoje.

Para Kiki, Flávio (que morou na França e no Reino Unido entre 1911 e 1922), era um artista cosmopolita, mas que jamais deixou de olhar para o seu país.

— Parte do caráter visionário de suas obras não teve espaço no início da carreira. É só pensar que o primeiro museu de arte moderna brasileiro, o Masp , foi fundado em 1947 — observa a curadora. — Mas o Flávio conseguiu fazer esta ponte entre o modernismo dos anos 1920 e a geração que veio após abstração geométrica, nos anos 1950. Hoje podemos ter uma dimensão melhor de sua obra.

(Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais – CULTURA / ARTES VISUAIS / Por Nelson Gobbi – 14/08/2019)
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