Foi o primeiro historiador a analisar a sociedade do país sob a perspectiva da luta de classes

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Foi o primeiro historiador a analisar a sociedade do país sob a perspectiva da luta de classes

Um pioneiro da historiografia marxista no Brasil

Caio: família milionária e apego aos descamisados

Ovelha vermelha da elite

Caio da Silva Prado Júnior (São Paulo, 11 de fevereiro de 1907 – São Paulo, 23 de novembro de 1990), historiador, geógrafo, escritor. Primeiro intelectual a utilizar as teorias marxistas no estudo da História Colonial do Brasil.
Nascido em berço de ouro e herdeiro de uma das mais tradicionais e abastadas famílias do país – dona de fazendas e indústrias -, ele fez parte de seus estudos secundários na Inglaterra e concluiu sua formação superior em 1928 na Faculdade de Direito de São Paulo. Poderia muito bem ter emoldurado o diploma no seu gabinete na mansão dos Prado, no bairro paulista de Higienópolis, e ter passado o resto da vida gerenciando suas terras e desfrutando amenidades. Ao papel de bom moço, preferiu o de ovelha vermelha da família. Depois de passar pelo foro, vestiu a pele de militante e teórico do comunismo. Apesar de ter sido um ativista disciplinado e um pioneiro da historiografia marxista no Brasil, Caio Prado Jr. não encontrou seu lugar na família do stalinismo brasileiro. O Partido Comunista, ao qual se filiou em 1931, após um curto estágio no Partido Democrático, lhe pespegou a pecha de “intelectual burguês” e o considerou um militante de segunda classe.

No Partido Comunista, pelo qual se elegeu deputado estadual em 1947, num mandato cassado no mesmo ano, Caio entregou-se à discreta tarefa de organizar os trabalhadores. O burguês de berço misturava-se ao proletariado. Ao lado da atividade prática, tratou de escrever sua primeira obra, Evolução Política do Brasil, publicada em 1933. Antes desse livro, o marxismo era um ilustre desconhecido da historiografia brasileira, Evolução acabou se tornando um clássico, assim como Formação do Brasil Contemporâneo, de 1942 – até hoje uma leitura obrigatória para economistas, historiadores e sociólogos. Independentemente da agonia do marxismo em todo o mundo, a obra de Caio Prado Jr. é daquelas que contribuíram para que os brasileiros entendessem o seu país. Mesmo considerando as gritantes diferenças entre os autores, seus principais livros podem ser equiparados, em iluminação, a Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda, e Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre.

LEI DE SEGURANÇA NACIONAL – Entender o Brasil para poder transformá-lo era a pedra de toque da atuação política de Caio Prado Jr. Foram inúmeras viagens pelo país, par ver de perto a pobreza, outras tantas ao exeterior, para testemunhar o fausto – e, daí, fundamentar uma crítica consistente à “subordinação da economia brasileira ao imperialismo capitalista”, como observou num adendo incluído em 1976 no seu História Econômica do Brasil, de 1945, outra de suas obras-primas. A fidelidade de Caio às teorias marxistas não o impediam, porém, de enxergar os equívocos de seus companheiros. Não era porque um dia estivera à frente da Aliança Nacional Libertadora que deixaria de reconhecer que seus erros criaram o clima para a ascensão da direita no Brasil, culminando com o golpe de 1937, que foi encontrá-lo exilado na Europa, após dois anos de prisão, colaborando com as forças anti-Franco durante a Guerra Civil Espanhola. Do mesmo modo, embora fosse o maior nome da historiografia marxista do país, não deixaria de demolir, após aprofundadas pesquisas, uma das teses mais caras aos comunistas brasileiros – a de que o Brasil havia experimentado um período “feudal”.

Fundador, ao lado de Monteiro Lobato, da Livraria e Editora Brasiliense, inaugurada em 1943, Caio esteve, a partir de 1955, à frente de um outro empreendimento intelectual de porte – a Revista Brasiliense. Até 1964, quando deixou de circular por conta da repressão que se seguiu à derrubada do presidente João Goulart, a Revista divulgou o que havia de maior importância no pensamento do país. Com os militares no poder, Caio – que se casou quatro vezes, teve três filhos – voltou a ser atormentado por prisões e depoimentos. Os seus direitos políticos e o título de livre-docente foram cassados e ele acabou enquadrado na Lei de Segurança Nacional, em 1970. Nenhuma dessas agruras ao esforço que moveu ao longo de toda a vida para que a sociedade brasileira fosse mais justa o arrancou de sua profissão de fé no marxismo. Podia estar fora de moda, é verdade – mas forjou uma das mais agudas interpretações da história política brasileira. Caio Prado Jr. O historiador paulista que morreu de insuficiência respiratória no dia 23 de novembro de 1990, numa casa de repouso em São Paulo, aos 83 anos de idade – depois de sofrer por mais de uma década de arteriosclerose cerebral -, teve tudo para levar a vida como um nababo. Com a morte do historiador Caio Prado Jr., a esquerda brasileira perde uma de suas vozes mais lúcidas.

(Fonte: Veja, 28 de novembro, 1990 – ANO 23 – N° 47 – Edição n° 1158 – MEMÓRIA – Pág; 44)

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